São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Salários em alta alimentam a inflação

Aumento real é obtido em 83,5% das negociações no primeiro semestre, e economistas temem impacto nos preços

Preocupação é que reajustes ajudem a manter demanda aquecida e elevem custo das empresas; percentual de ganho é inferior ao de 2007


CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar da alta da inflação, os trabalhadores conseguiram obter aumento real na maior parte dos acordos salariais negociados no primeiro semestre.
A concessão de ganhos reais no momento em que a inflação sobe com mais força divide a opinião de economistas e especialistas em mercado de trabalho. Enquanto parte se preocupa por acreditar que o ganho real pressiona a inflação no futuro, parte defende que o aumento subiu em ritmo inferior à produtividade das empresas.
O aumento real foi obtido em 83,5% de 91 negociações feitas em 16 Estados por categorias profissionais com data-base entre janeiro e maio, segundo levantamento da Folha com sindicatos e centrais sindicais.
Os ganhos se concentram, em sua maior parte, no intervalo até 1% acima da inflação medida pelo INPC do IBGE (indicador mais usado nas negociações e que serve para reajustar o salário mínimo). Entre os acordos que superaram a inflação, o percentual de aumento real é inferior ao concedido em 2007, quando ficaram de 1,01% a 2% acima do INPC.
O Dieese prepara para agosto a divulgação de estudo nacional sobre a concessão de reajustes salariais, mas confirma já ter verificado, nas negociações de janeiro a maio, as tendências apontadas no levantamento da Folha.
Se a inflação persistir elevada neste semestre, as negociações tendem a ficar mais difíceis. Sindicalistas dizem não abrir mão de repor a aceleração dos preços nos salários e não descartam paralisações.
Na previsão do Dieese, a proporção de acordos com reajustes superiores ao INPC deve se reduzir em conseqüência da alta dos juros e da inflação.
Há dois meses, a Diretoria de Política Econômica do Banco Central ressaltou que, em um cenário de crescimento, o comportamento dos salários tem impacto mais intenso na inflação por aumentar o poder de barganha dos sindicatos. O BC quer incluir mais informações sobre o mercado de trabalho nos modelos usados pelo Copom (Comitê de Política Monetária) para projetar a inflação e alterar a taxa de juros.
Para Tomás Málaga, economista-chefe do banco Itaú, como os aumentos reais concedidos estão abaixo da produtividade das empresas, os salários não afetam, em tese, a inflação.
"Nos 12 meses encerrados em abril, a produtividade cresceu 4,5% no setor industrial pelos dados do IBGE, e os ganhos reais têm sido inferiores a esse percentual. Ainda estamos recuperando o poder de compra com um pouco de aumento real. A reposição está coberta pela produtividade."
O cenário no segundo semestre, diz, pode ser "outra história". "Se a pressão sobre o preço dos alimentos e do petróleo continuar, os trabalhadores podem lutar por reajustes ainda maiores, acima do patamar de produtividade, para evitar a corrosão dos salários. E isso preocupa", diz Málaga.
O ganho real repassado aos salários ajuda a manter a demanda aquecida, o que pode, combinado ao aumento de custos das empresas, gerar mais inflação, avalia José Márcio Camargo, professor da PUC-RJ e economista da Opus Gestão de Recursos. "Como o mercado de trabalho ainda está aquecido, com o desemprego em queda, os trabalhadores pedem reajustes maiores para compensar a inflação. Quando isso ocorre, gera mais pressão sobre os custos das empresas. Com a demanda aquecida e o custo aumentando, as empresas repassam os custos da folha de pagamento para os preços, o que realimenta a inflação."
Camargo destaca ainda que o custo unitário do trabalho (razão entre o salário real médio e a produtividade) tem crescido perto de 1% ao mês na média dos últimos seis meses. "Isso certamente pressiona a inflação em algum momento."

Mão-de-obra escassa
Alexandre Schwartsman, economista-chefe para América Latina do Banco Santander, ressalta que, com a escassez de mão-de-obra qualificada, alguns setores concedem reajustes mais expressivos para não correrem o risco de perder os empregados. "Quando é preciso aumentar a produção para atender a demanda, paga-se mais porque está faltando gente, máquina. O aumento de salário não é a causa da inflação, mas é a forma pela qual a pressão de demanda se produz em aumento de preços."
Para Fábio Romão, economista da LCA, os ganhos reais não exercem pressão na intensidade que técnicos do BC acreditam. "Os aumentos reais neste ano têm sido em intervalos inferiores aos de 2007. E o salário mínimo, que serve de parâmetro para o reajuste de quem está na informalidade e para categorias menos organizadas, também teve ganho real inferior a anos anteriores." Neste ano, o mínimo subiu 4,1% acima da inflação. Em 2007, 5,3%. E, em 2006, 12,9%.
"Como a inflação está mais salgada, o gasto com alimentação acaba roubando a renda disponível para outros bens, o que tem impacto no consumo. Esse fator também tem de ser considerado." Romão destaca que o mercado de trabalho já deu sinais de desaceleração -o emprego formal cresce em ritmo menor que em 2007 e o rendimento médio real também recuou em maio, diz o IBGE.


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