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ENTREVISTA DA 2ª - NIALL FERGUSON
"Economia global pode entrar na Terceira Grande Depressão"
Historiador da Universidade Harvard prevê estagnação não tão profunda quanto a da década de 1930, mas longa, com um período de baixo crescimento dos EUA e deflação em vários países
PEDRO DIAS LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
DEPOIS do fim da “era da alavancagem”, “estamos entrando na Terceira Grande Depressão”, diz o historiador britânico Niall Ferguson, 45. Ela não seria tão severa quanto a de 1929-33, mas tão longa quanto a de 1873-1878. Professor da Universidade Harvard e autor de “A Ascensão do Dinheiro”, uma história financeira do mundo, Ferguson argumenta que as medidas de combate à crise global foram bem-sucedidas num primeiro momento, mas que as ações em discussão no momento podem levar a uma nova “década perdida”, como a vivida pelo Japão durante os anos 1990, só que agora em escala muito maior, global.
Para o historiador, a decisão
de permitir a continuidade de
instituições "grandes demais
para quebrar" vai contra um
dos benefícios das crises financeiras: o fim de modelos que
não funcionam e a criação e
transformação de novos caminhos, bem-sucedidos.
O professor de Harvard afirma que a crise pode levar a uma
aceleração de um processo, que
já vem acontecendo, de declínio dos Estados Unidos e ascensão da China como nova potência. "Seria perfeitamente familiar, do ponto de vista histórico", diz. Em uma ou duas décadas, os PIBs dos dois serão
equivalentes, aposta.
O livro, que figurou na lista
de mais vendidos do "New York
Times", será lançado no Brasil
nesta semana. Leia abaixo a entrevista concedida por Ferguson à Folha, por telefone.
FOLHA - Em uma palestra sobre
seu livro, o senhor disse que acabou
a "era da alavancagem". Em que era
estamos entrando agora?
NIALL FERGUSON - Temo cada vez
mais que estejamos entrando
na Terceira Depressão, não tão
severa quanto a de 1929-33,
mas provavelmente tão longa
quanto a de 1873-1878. Temos
pela frente um período de crescimento baixo na maior economia do mundo, os EUA, e também um ou dois anos de deflação em muitas economias.
FOLHA - Olhando historicamente,
existe alguma diferença entre essa
Terceira Grande Depressão e as anteriores, para a população?
NIALL FERGUSON - Uma das grandes diferenças é que os atuais
sistemas de bem-estar social e
de apoio aos desempregados
são muito melhores que os anteriores. Os governos tiveram
um papel muito mais ativo na
condução da economia, então
vimos ações extraordinárias
dos bancos centrais para injetar liquidez no sistema -e também enormes déficits dos governos enquanto tentam impulsionar a economia. Isso vai
ser diferente e é por isso que
não estamos vendo um colapso
severo como o dos anos 30. Mas
não dá para conseguir tudo. Estamos começando a ver os limites das respostas monetárias e
keynesianas a esta crise.
FOLHA - O senhor fala em "destruição criativa". Da quebra dessas empresas, vamos ter um novo tipo de
economia. Que nova economia vai
emergir dessa depressão?
FERGUSON - Há duas coisas diferentes. Primeiro, vai ser uma
economia mundial em que países como China, Índia e, claro, o
Brasil terão um papel muito
maior, com os EUA, a Europa e
o Japão menos dominantes. O
segundo ponto importante é
que as economias desenvolvidas, particularmente os EUA,
não serão capazes de reavivar o
antigo modelo de securitização
[em que dívidas são aglutinadas, transformadas em títulos e
vendidas como investimento],
de bancos de investimento e de
crédito ao consumidor.
O que vamos ver nos EUA e
também na Europa é um retorno a um modelo financeiro
mais antiquado. Digo isso com
alguma hesitação, porque neste
momento os governos desses
países estão falando em novas
regulações que parecem mirar
em reviver esses dinossauros e
mantê-los vivos.
Em outras palavras, medidas
estão sendo tomadas para impulsionar instituições que
eram vistas como "grandes demais para quebrar". E eu concordo com os que dizem que, se
algo é grande demais para quebrar, é grande demais mesmo, e
provavelmente não deveria
existir. Mas a tendência da nova regulação é a de manter esses dinossauros vivos, o que vai
criar mais problemas.
O que mais precisamos neste
momento é um retorno a instituições financeiras menores e
menos vulneráveis, mas o que
vamos pegar é um tipo de megassuperbanco nacionalizado.
FOLHA - Então, nesse caso, o curso
natural da história não está sendo
respeitado e pode ser a semente de
uma nova crise mais para a frente?
FERGUSON - O perigo de intervir
desse modo é acabar com um
tipo de "década perdida", no estilo japonês, em escala global.
Minha esperança é que serão
tomadas medidas para quebrar
esses gigantes perigosos, como
o Citigroup e o Bank of America. Se essas instituições forem
divididas e houver novas instituições, aí pode haver razões
para otimismo. Senão, as perspectivas são bastante ruins.
FOLHA - Seu livro vai até a origem
do dinheiro. Sempre é feita a comparação da economia de agora com
a da década de 30, mas, sob um ponto de vista mais amplo, com que outros pontos da história a atual era
pode ser comparada?
FERGUSON - Há muitos paralelos. Parte do objetivo do livro é
mostrar como a história financeira explica a geopolítica.
Pense no declínio dos impérios português e espanhol, que
nos 1600 pareciam os protagonistas da economia global. O
declínio da Espanha foi claramente financeiro, porque a disponibilidade de prata do Novo
Mundo teve o efeito de minar a
saúde institucional do império
espanhol e abrir o caminho para novas potências financeiras.
Primeiro a Holanda, e depois,
claro, a Inglaterra. A França era
um império poderoso no século
18, mas, financeiramente, um
império fraco, que em última
análise caiu exatamente por isso -a Marinha britânica era
muito maior, porque os franceses não tinham um mercado de
"bonds", não tinham a capacidade de se financiar naquela escala. No século 20, é o Reino
Unido que está em problemas,
como consequência de dívida e
baixo crescimento, especialmente depois de 1945.
Então seria perfeitamente
familiar, de um ponto de vista
histórico, se essa crise financeira levasse a uma aceleração da
mudança dos Estados Unidos
para a China. Nós já vimos nos
últimos dez anos que a liderança parece estar mudando em
direção à China. Embora isso
leve tempo e seja imprevisível
-já que a China pode sempre
entrar em dificuldades-, é razoável dizer que em 10 ou 20
anos os PIBs da China e dos
EUA não serão diferentes.
FOLHA - O senhor cria a "Chimérica" no seu livro, o que é isso?
FERGUSON - Meu argumento é
que, para entender a economia
mundial, é necessário entender
a relação entre a China e a
América [EUA]. A China exportadora, a América importadora.
A China poupadora, a América
gastadora. Essa relação esteve
no centro da economia global
nos últimos dez anos, e o interessante é perguntar se a crise
levará ao fim da "Chimérica". A
China tem reclamado cada vez
mais do modo como os EUA lidam com a crise.
FOLHA - A China tem falado constantemente numa alternativa ao
dólar.
FERGUSON - Isso tem se tornado
tão frequente de Pequim que
parece que eles realmente querem dizer isso. Eles têm US$ 1,5
trilhão em títulos em dólar e ficam muito nervosos com os
EUA tomando medidas que podem enfraquecer o dólar e, assim, suas reservas. Isso pode
parecer o fim desse casamento.
Quando cunhei essa expressão,
pensei na palavra quimera,
uma criatura mítica. Não acho
que seja uma relação estável.
FOLHA - É possível ver uma trajetória linear na evolução econômica do
mundo ou é algo errático? Estamos
indo em alguma direção ou não?
FERGUSON - O paralelo que eu
traçaria é um que me bateu
quando eu estava na Bolívia,
observando os Andes. Olhando
as linhas das montanhas, dei-me conta de que estava olhando algo parecido com os índices
do mercado financeiro, os picos, as quedas bruscas, os pontos agudos. E acho que essa
analogia é válida.
Na economia, as coisas quebram, no sentido de seleção natural, existe a sobrevivência,
inovações ou mutações acontecem, novas instituições são
criadas. São as bem-sucedidas
que sobrevivem e se multiplicam. A diferença é que, ao contrário do mundo natural, temos
intervenção de reguladores e
legisladores, o que previne o
processo natural de acontecer.
Uma das maiores diferenças
entre evolução natural e evolução financeira é que essa pode
ser interrompida, os dinossauros podem ser salvos da extinção, e os mamíferos, impedidos
de herdar a Terra. É um pouco
isso o que está acontecendo,
com instituições que deveriam
ter quebrado, mas interviemos
para mantê-las vivas.
FOLHA - Mas um dos argumentos é
que, se quebrassem, o sofrimento
para a população seria enorme, como nos anos 30. Não faz sentido?
FERGUSON - Isso é correto, e o
Fed [banco central dos EUA]
fez um bom trabalho em evitar
a catástrofe. Se os bancos tivessem quebrado em setembro
passado, estaríamos numa situação muito pior.
Mas existem diferenças entre medidas temporárias e reformas de longo prazo. As medidas iniciais foram tomadas
para prevenir o pânico. Mas,
uma vez que isso foi feito, temos de dizer: depois do que você fez, não há a menor possibilidade de continuar como antes.
Quando vimos o Goldman
Sachs, que recebeu todo tipo de
benefício, voltando aos negócios como sempre, os bancos
sobreviventes simplesmente
voltando ao que eram antes, tudo isso é muito frustrante. O
Goldman vai ter em 2009 o
mesmo lucro de 2007, ou
maior. É difícil acreditar que os
contribuintes colocaram seus
recursos para prevenir uma depressão, não para que os bancos
tivessem um ótimo ano de
2009.
FOLHA - Isso pode levar a reações
mais agressivas da população?
FERGUSON - Isso é parte da dificuldade do público de distinguir entre milhares e milhões.
Quando você tenta explicar para as pessoas o que está acontecendo, é complicado, porque,
para elas, é difícil distinguir 1
milhão de 1 bilhão. Um dos objetivos do meu livro é encorajar
o "alfabetismo financeiro", para que o leitor comum não se
sinta intimidado quando ler palavras como derivativos, trilhão. A ideia de que os mestres
do universo de Wall Street precisam nos explicar o que está
acontecendo é absurda. Está
muito claro que a crise financeira foi causada por um grosseiro erro de cálculo e de administração pelas pessoas que geriam os bancos. E o fato de que
muitos deles continuam a comandar os bancos é profundamente irritante.
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