São Paulo, terça-feira, 13 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Complexo de inferioridade

BENJAMIN STEINBRUCH

Não sou psiquiatra e nem entendido na matéria, mas sei que um discípulo de Freud, Alfred Adler, criou a denominação "complexo de inferioridade" no início do século passado. Na definição de Adler, esse sentimento é um estado neurótico que tem por fundamento uma sensação de insuficiência e incapacidade para enfrentar a vida e seus problemas.
Adler afirmava, por exemplo, que todas as crianças são profundamente afetadas por sentimento de inferioridade, por causa de seu tamanho e da falta de poder. Mas, para a criança, esse complexo é positivo, porque desperta nela o desejo de crescer e de ficar forte como os adultos.
O Brasil deve estar vivendo ainda a sua fase infantil, porque muitos brasileiros são duramente afetados pelo complexo de inferioridade. Preferem o produto importado ao nacional, curvam-se à cultura estrangeira, usam termos em inglês sem nenhum pudor e aceitam como verdadeiros comentários sobre o Brasil independentemente da origem, desde que venham do exterior.
Em quase todos os ramos, o brasileiro parece ter vergonha dele mesmo, exceto no futebol. Aliás, até no futebol o complexo de inferioridade tem prosperado ultimamente. O Brasil foi finalista nas Copas de 1994 e de 1998, mas, apesar disso, os brasileiros não se convenceram de que poderíamos ter a melhor seleção do mundo na Copa deste ano. Só aqui não se acreditava na seleção. No seu incrível complexo de inferioridade, o brasileiro não conseguia enxergar as virtudes de atacantes como Ronaldo e Rivaldo e considerava nossa defesa como uma das piores do mundo. Bastou começar a Copa do Japão/Coréia para que o mundo todo indicasse o Brasil como favorito. Só aqui continuaram as críticas e o complexo de inferioridade.
Durante a Copa, um amigo americano encantou-se com o Hino Nacional brasileiro e a bandeira verde-e-amarela. A pedido dele, providenciei uma versão do hino em inglês e algumas explicações sobre o significado das cores da bandeira. Ele ficou admirado com o que leu. "Puxa, vocês têm uma forma diferente de serem patriotas. Cantam a beleza e a natureza muito mais do que as guerras e as conquistas."
Confesso que nunca havia pensado nisso. É claro que devemos ser críticos. O país não pode avançar sem isso e temos problemas demais para resolver, principalmente na área social. Mas isso não pode nos levar ao cultivo de um doentio complexo de inferioridade, que nega valor a algumas qualidades e vantagens incontestáveis: sexta população mundial, nona economia, grande produção de alimentos, auto-suficiência em quase tudo e capacidade tecnológica e gerencial em muitos setores industriais altamente competitivos, que nos permitem participar em pé de igualdade com grandes corporações do mundo globalizado.
O complexo de inferioridade impede o brasileiro até mesmo de acreditar em coisas positivas que vê e lê sobre o Brasil, suas empresas e sua gente. Incrédulo e asfixiado por um turbilhão de notícias ruins, quando surge um fato favorável ele o considera bom demais para ser verdade e se agarra na falsa convicção de que há alguma coisa por trás de tudo, já que o rato não pode ser mais forte do que o gato. Começa, então, a procurar chifre em cabeça de cavalo. Adler, o discípulo de Freud, explica.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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