São Paulo, Sexta-feira, 13 de Agosto de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

O exagerado otimismo sobre a reforma tributária< /B>

MAILSON DA NÓBREGA

O entusiasmo dos empresários sobre a proposta de reforma tributária do deputado Mussa Demes é saudável. Afinal, até bem pouco tempo, muitos queriam a idéia salvacionista, inviável e indesejável do imposto único.
Nos círculos mais bem informados havia prosperado a proposta da respeitável Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da Universidade de São Paulo, tecnicamente impecável, mas inaplicável ao Brasil.
A proposta da Fipe foi preparada sob encomenda da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Previa a tributação do consumo mediante um Imposto de Vendas a Varejo (IVV), de competência estadual, nos moldes do "sales tax" dos EUA.
A idéia do IVV virou bandeira da Fiesp e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O grande interesse da indústria se justificava. O imposto seria arrecadado exclusivamente na ponta do consumo, isto é, no comércio varejista.
Como membro do Conselho Superior de Economia da Fiesp, opus-me à proposta. Sustentei que ela não considerava aspectos importantes da situação brasileira -que não cabe aqui discutir- e que seria liminarmente rejeitada pelos Estados e municípios.
A Fiesp e a CNI abandonaram o projeto Fipe quando o então secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Pedro Parente, propôs a criação do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) em substituição aos tributos sobre o consumo e às incidências em cascata.
Na verdade, o projeto Pedro Parente atendia praticamente a todas as aspirações daquelas entidades em torno de um sistema tributário racional. Nada mais razoável e inteligente do que ceder e apoiar algo parecido, de autoria do governo.
Agora, com o projeto Mussa, os industriais começam a acreditar que a sonhada e necessária reforma tributária está mais próxima. Alguns deles, também exercendo mandato eletivo no Congresso, têm ajudado a formar o clima otimista.
O deputado Mussa e o presidente da respectiva Comissão da Câmara, deputado Germano Rigotto, têm aumentado as esperanças. Afirmam que a reforma sai este ano. O presidente FHC diz o mesmo. A carta de intenções apresentada ao FMI também.
Com tais promessas, empresários e a CNI já vêem o novo sistema em vigor no próximo ano. É como se fosse um simples aumento ou criação de impostos. Bastaria obedecer ao princípio da anualidade. O otimismo não tem base na realidade.
A meu ver, o projeto do deputado Mussa é o melhor sobre o tema já preparado no Congresso. Tenho algumas objeções, como, por exemplo, a ampliação em dez anos do prazo dos incentivos fiscais na Amazônia Legal e a vinculação de receitas para um fundo de recuperação de estradas, mas elas não alteram minha avaliação positiva do projeto.
Não vejo, todavia, como justificar o otimismo. Em primeiro lugar, ainda que aprovado este ano, o que acho pouco provável, somente entraria em vigor depois de instituídas as novas incidências tributárias.
O projeto trata dos princípios de tributação. Promulgada a emenda constitucional, será necessário aprovar uma lei complementar instituindo os novos tributos.
Depois, há que rever o Código Tributário Nacional e a legislação específica dos Estados e municípios. Em seguida, deverá ser concedido um prazo razoável aos contribuintes para treinar pessoal e substituir sistemas eletrônicos, notas e livros fiscais.
As fases posteriores à emenda deverão consumir entre um e dois anos. O próprio deputado Mussa prevê em seu projeto que a vigência dos dispositivos que tratam dos novos tributos entre em vigor a partir de 2001.
Afora tudo isso, o projeto mexe no principal tributo do país, o ICMS, que pertence aos Estados e responde por cerca de um quarto da carga tributária. As mudanças gerarão ganhos e perdas -que devem ser compensadas- entre os membros da Federação.
Há outras questões que precisam igualmente ser equacionadas e resolvidas, como a da preservação de graus de autonomia dos Estados e municípios e de mecanismos para a atração de investimentos pelas regiões menos desenvolvidas.
As reações de autoridades estaduais ao projeto, longe de representar resistências indevidas, como alguns disseram, são parte integrante e legítima do processo. Ainda há intensa e complexa negociação intrafederativa por acontecer antes da aprovação do projeto.
Nunca estivemos tão perto de devolver a racionalidade ao sistema tributário, que a Constituição de 1988 ajudou a piorar. Avançamos muito, mas ainda não dá para pensar que a guerra já foi ganha nem que isso acontecerá em 1999.


Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas nesta coluna. E-mail: mailson@palavra.inf.br

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