São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 2002

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ANÁLISE

Presidente do Fed engole as próprias palavras

DO "FINANCIAL TIMES"

Admitir que estava errado nunca foi um dos hábitos de Alan Greenspan e ele certamente não pronunciou um mea culpa ontem. Mas, em seu depoimento ao Comitê Orçamentário da Câmara dos Deputados dos EUA, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) decidiu pintar um quadro mais sóbrio do orçamento governamental e da economia do país do que vinha sendo o caso.
Em contraste com seu recente esforço de proteção ao seu legado na política monetária, Greenspan não tentou sugerir que suas observações anteriores quanto às projeções orçamentárias estavam certas. Ele deixou claro que a situação orçamentária dos EUA está agora muito pior, tanto em curto quanto em longo prazo, do que acreditava no ano passado.
Em janeiro de 2001, Greenspan provocou controvérsias ao defender os cortes de impostos propostos pelo governo Bush. Naquele momento, e usando projeções "cautelosas" para os futuros superávits orçamentários, ele estava mais preocupado com a possibilidade de que o governo pagasse a dívida nacional rápido demais. "A questão importante é o custo potencialmente crescente de liquidar papéis do Tesouro que ainda são comerciáveis", explicou.
Agora, o presidente do Fed aceita a previsão do Serviço Orçamentário do Congresso de que os déficits persistirão ao menos até 2005, que a maior parte dessa deterioração é permanente e não foi causada por uma desaceleração temporária da economia. Como a maior parte dos analistas, ele acreditava que os mercados de ações não cairiam tanto nem pelo tempo quanto caíram, afetando a arrecadação do imposto sobre ganhos de capital e do Imposto de Renda relacionado aos bônus vinculados a preços de ações.
Dessas esperanças desfeitas quanto ao Orçamento, surge uma advertência. Greenspan instou o Congresso para que evitasse "voltar ao clima fiscal dos déficits grandes e contínuos, que acarretaria o risco de uma volta a uma era de altas taxas de juros, baixos níveis de investimento e crescimento mais lento da produtividade". Mas, apesar disso, Greenspan rejeitou qualquer sugestão de que os cortes de impostos que elogiou em 2001, especialmente os que ainda não entraram em vigor, deveriam ser revogados.
E, quanto à economia, vale o mesmo critério aplicado aos impostos. Greenspan está disposto a aceitar que as perspectivas são provavelmente piores do que ele sugeriu alguns meses atrás, mas hesita em aceitar responsabilidade pela decepção econômica. Solicitado a comentar sobre sua projeção, feita em julho, de crescimento de entre 3,5% e 3,75% em 2002, com estimativa mais otimista para 2003, ele disse apenas: "Eu presumiria que, se fôssemos reavaliar esses números agora, eles seriam um pouco inferiores".
Greenspan presta um desserviço ao continuar a admitir que o mundo mudou, que suas análises e projeções anteriores estavam erradas, mas que as políticas adotadas não podem ser criticadas. Se você nega a possibilidade de erros passados em suas políticas, torna-se muito mais difícil fazer o julgamento correto agora.


Tradução de Paulo Migliacci


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