São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2008

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ROBERTO RODRIGUES

Amor e justiça


Não se pode descrer de valores só porque eles se contaminaram com as sensações das pessoas

DESDE MUITO jovem me pergunto qual a melhor receita para a felicidade: o amor ou a justiça.
E, ao longo do tempo, ora pendo para uma, ora para outra.
Que maravilha é o amor! Que estranhos desígnios empurram duas pessoas para essa deliciosa chama embriagadora em que tudo dá certo: as preferências coincidem, os gostos se complementam, há uma harmonia física e espiritual que produz bem-estar, paz e tranqüilidade.
Que prazer compartilhar tudo, alegrias e tristezas, construir uma família, que alegria experimentam duas pessoas que se amam de verdade, desinteressadas do resto, focadas na própria felicidade ao longo dos caminhos freqüentemente espinhosos da vida.
Sempre acreditei que, havendo respeito e admiração recíprocos, o amor jamais acabaria. Claro que o tempo e as vicissitudes criam atritos, nem sempre é só um mar de rosas, mas, com esses dois valores e mais a compreensão, a paciência e o bom senso -e muitas vezes a renúncia-, o amor triunfa e segue abençoado, espargindo o bem. A história do mundo está repleta de exemplos de como ele impulsionou conquistas e mudanças positivas para toda a humanidade.
Mas, na verdade, pode acabar...
De novo, por que se separam duas pessoas que se amaram tanto? Onde alguém errou? Por que o vazio acabrunhante, a sensação de solidão, a dor, o sabor da morte? Seria Vinicius o senhor da razão? Poderá o amor ser a melhor receita para a felicidade apenas enquanto durar?
Isso é justo?
Há quem afirme que, quando se ama demais uma determinada pessoa, nela se perdoam os erros que em outras são imperdoáveis. O que é injusto? Por outro lado, a história também está repleta de trocas de rumo, em razão do ódio, um antônimo indesejável.
E a justiça? É ela então a melhor receita, visto ser una e permanente, imutável e certa? Sem dúvida, a justiça é a maior celebração do amor.
Sendo cega, propõe até mesmo o mandamento cristão de amar ao próximo como a si mesmo. Que beleza, a justiça! Com ela, tudo é reto, a ordem se faz.
No entanto, ela é executada por homens, à luz das leis feitas por homens. E todos têm suas imperfeições, paixões, suas idiossincrasias, suas tendências ideológicas, suas vocações, suas vontades, seus sentimentos pessoais, que interferem com a aplicação da justiça.
E assim, eventualmente, ela não é feita na plenitude e se perde nos desvãos dos desamores, causando infelicidade, porque não há pena maior do que ser injustiçado.
Ademais, praticar a justiça implica isenção e cultura, vivência e retidão permanente, elementos fundamentais para aqueles que a executam, nem sempre presentes com inteireza.
Então, afinal, qual é a melhor receita? Se ambas falham porque o homem falha, como fazer do amor e da justiça o alicerce da felicidade?
Ora, não se pode descrer de valores só porque inevitavelmente eles se contaminaram com as sensações das pessoas. Valores são eternos; sensações são passageiras.
É preciso confiar nesses dois alicerces, e mais que isso: o amor e a justiça devem ser os trilhos sobre os quais correrá o trem da vida de cada um.
Nessa viagem extraordinária, sobre esses trilhos está a felicidade.
Não no destino, e sim na viagem em si, sabendo que em muitas estações haverá frio, lágrimas e sofrimento.
Mas esse é também o contraponto indispensável para valorizar ainda mais as estações do bem-estar.


ROBERTO RODRIGUES, 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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