São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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ARTIGO

Como persuadir o Japão a curar sua economia

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

O Banco do Japão é mestre em disputas burocráticas. Mas a realização de Masaru Hayama, o presidente do banco central, ao derrubar Hakuo Yanagisawa, que presidia a Agência de Serviços Financeiros do governo japonês, é uma tremenda vitória mesmo sob esses elevados padrões. Muitos no país vêm tratando essa vitória com a indicação, na semana passada, de Heizo Takenaka, o ministro da Economia, para o comando da agência, como um ponto decisivo na batalha pela recuperação do país. Eles estão errados. Trata-se apenas de uma pequena escaramuça em uma guerra que mal começou.
Os observadores informados vêm argumentando já há muito tempo que uma sensação de crise é ingrediente essencial para que surja uma cura para a doença japonesa. E sob esses padrões, Takenaka já provou ser um sucesso. Sua declaração de que nenhuma empresa e nenhum banco eram "grandes demais para falir" deflagrou uma onda de venda de ações.
Em seu ponto mais baixo, na segunda-feira, o índice Nikkei da Bolsa de Valores de Tóquio atingiu níveis vistos pela última vez no terceiro trimestre de 1983, 78% abaixo de seu pico, em dezembro de 1989. Mas uma crise, se bem que necessária, está longe de ser suficiente. É preciso também que os remédios certos sejam escolhidos e aplicados.
Que algo precisa ser feito não está em discussão. Até mesmo as estimativas oficiais calculam a proporção de maus empréstimos nas carteiras dos bancos do país como equivalente a cerca de 8% do PIB (Produto Nacional Bruto). O PIB nominal japonês caiu 5% desde o quarto trimestre de 1997. Ao longo dos últimos seis anos, até o segundo trimestre deste ano, a economia evoluiu apenas 3% em termos reais. A dívida pública bruta deve atingir 155% do PIB neste ano. A dívida pública líquida aumentou de 22% do PIB em 1996 para a previsão de 74% ao final deste ano.

Economia
Uma cura de longo prazo para essa doença é desesperadamente necessária. A questão é: o que pode funcionar? A resposta, em nível conceitual, é que o sucesso requer que os japoneses economizem proporção menor de sua renda do que poupam atualmente ou invistam mais em casa e no exterior.
O setor privado japonês tem economizado, sistematicamente, o equivalente a 25% do PIB -proporção muito superior à dos demais países de renda elevada. Nos anos da "bolha", o investimento doméstico privado absorvia quase toda essa poupança. De lá para cá, o nível de investimento privado caiu. Em 2002, ele será de 17% do PIB. O aumento no superávit de poupança do setor privado em relação ao investimento, de uma média de 1,6% do PIB entre 1986 e 1993 para os 8,3% do PIB previstos para este ano, foi absorvido por um governo tomando mais empréstimos. O superávit de poupança do setor privado e o aumento na captação do governo são os dois lados da mesma moeda. Enquanto isso, o investimento líquido do país no exterior se manteve constante como proporção do PIB.
Diante desse pano de fundo, suponham que fossem iniciadas reformas estruturais radicais e um programa de desregulamentação (como o primeiro-ministro Junichiro Koizumi prometeu, sem cumprir). As empresas passariam a ter de atender a critérios ocidentais de lucratividade. O resultado seria uma imensa queda adicional nos investimentos.

Capital e produção
Pode-se prever essa consequência por três motivos: o setor privado japonês ainda investe pesadamente, usa um volume imenso de capital por unidade de produção e sua lucratividade é medíocre.
Surpreendentemente, o investimento privado japonês responde por proporção maior do PIB que o dos Estados Unidos, ainda que este último tenha obtido ritmo de crescimento pelo menos três vezes superior do começo dos anos 90 em diante.
De acordo com Andrew Smithers, da Smithers & Co., de Londres, a relação entre capital e produção no setor corporativo não-financeiro japonês é cerca de dois terços mais alta do que nos Estados Unidos. Além disso, assim que levamos em conta a depreciação subestimada dos inchados ativos corporativos japoneses e o impacto da deflação sobre o valor real de sua dívida, percebemos que o setor corporativo japonês oferece, em termos agregados, retorno negativo sobre o capital.

Reformas estruturais
Trata-se de um quadro com sérias implicações. Se os Estados Unidos estiverem investindo mais ou menos o total correto para uma economia competitiva com força de trabalho crescente, o Japão provavelmente está investindo em excesso, de talvez até 4% a 5% do seu PIB. A segunda implicação é que uma imensa reavaliação negativa é necessária para trazer os balanços das empresas de volta ao azul.
Smithers argumenta que seria necessário reduzir os passivos corporativos em cerca de 25% do PIB. Quase toda essa soma teria de ser coberta pelos contribuintes. Uma redução como essa seria altamente desejável. Emergeria um sistema bancário novo e substancialmente menor. Mas não existe razão para esperar um influxo de novos empréstimos depois dela. Se existissem muitas oportunidades para novos empréstimos lucrativos, alguém -possivelmente algum estrangeiro- já as teria aproveitado nos 12 anos que se passaram. E além disso, como argumentei, o investimento está alto demais -e não baixo demais.
Assim, nem reformas estruturais nem a redução da dívida corporativa e a recapitalização do sistema bancário devolverão o crescimento sustentado ao Japão. O que é preciso, em lugar disso, são políticas que enfrentem o legado de erros passados e preparem uma plataforma para crescimento sustentado nos anos vindouros.
A eliminação do legado do passado requer uma reestruturação de balanços e o fim da deflação. Se o governo considerar politicamente impossível o financiamento direto da reestruturação, a solução é a inflação. De qualquer forma, o Banco do Japão precisa agir, de forma ortodoxa ou heterodoxa, para criar uma expectativa de inflação positiva. Existem muitas maneiras de consegui-lo. Se o banco central não agir, o Ministério das Finanças deveria monetizar sua dívida, tomando dinheiro emprestado do sistema financeiro.
Mas a estabilidade nos anos vindouros quase certamente exigiria, também, um aumento no superávit em conta corrente, para absorver o superávit de poupança de que o país dispõe agora. No começo do século 20, o superávit da conta corrente do Reino Unido chegou a um pico de 9% do PIB. Essa é a espécie de resultado que esse país rico e em processo de envelhecimento deveria estar gerando agora.

Mais investimento
Como pode o Japão atingir essa meta? Uma solução vinda do setor público seria a combinação de um programa de consolidação fiscal confiável, em médio prazo, com um maciço relaxamento da política monetária. Uma solução do setor privado, se bem que exigindo acomodação monetária, seria fazer com que os japoneses compreendessem que acumular riqueza hipotética em casa faz pouco sentido. Se, no final de 1989, eles tivessem investido na Bolsa dos Estados Unidos, em lugar de em Tóquio, eles teriam se saído em média oito vezes melhor, em termos de ienes, do que se saíram de fato -e isso levando em conta as recentes quedas das ações no mercado norte-americano.
Porque conservam seu dinheiro no país, os japoneses estão, na melhor das hipóteses, investindo em uma economia com más perspectivas. Na pior, estão acumulando promissórias que jamais poderão resgatar contra eles mesmos e seus filhos. O Japão precisa de maior investimento líquido no exterior e de um superávit maior em conta corrente. Se eles não surgirem, a reforma estrutural e a reestruturação dos bancos não conseguirão propiciar a cura para os males japoneses.


Tradução de Paulo Migliacci


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