São Paulo, Sábado, 13 de Novembro de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Conciliação

OCTAVIO BUENO MAGANO

A Câmara dos Deputados aprovou recentemente o projeto de lei nº 4.694/98, que dispõe sobre conciliação extrajudicial de dissídios individuais de trabalho.
As suas principais características são as seguintes: 1) a busca de conciliação fica a cargo de comissão paritária de empregados e empregadores; 2) se implantada esta no âmbito da empresa, a eleição de seus membros deve ser fiscalizada pelo sindicato da respectiva categoria profissional; 3) se constituída na esfera do sindicato, há de resultar de convenção ou acordo coletivo de trabalho; 4) existindo comissão de qualquer dos dois tipos, nenhum dissídio individual poderá ser ajuizado sem que, perante ela, seja previamente tentada a conciliação dos litigantes; 5) alcançada a conciliação, o termo respectivo valerá como título executivo perante o juízo trabalhista, que teria competência para decidir sobre as questões nele embutidas.
O mérito do projeto não pode deixar de ser enfaticamente assinalado, porque implica significativo passo no sentido de se alcançar a prevalência dos mecanismos de autocomposição sobre os de tutela.
À luz do último critério, o Estado, ante a configuração de conflito trabalhista, em vez de incentivar as partes à busca de entendimento, as encaminha, desde logo, ao Poder Judiciário. Essa diretriz prevaleceu em vários países europeus e igualmente no Brasil, nas décadas de 20 e 30.
Na Itália, Mussolini enunciava fórmula que se tornou famosa: "Tutto nello Stato, niente contro lo Stato, nulla al di fuori dello Stato". No Brasil, Getúlio Vargas procurou seguir a mesma orientação e, ao outorgar ao povo brasileiro a Carta Constitucional de 1937, fez constar do seu artigo 139 a previsão de que se viesse a organizar a Justiça do Trabalho, para dirimir conflitos oriundos das relações entre empregados e empregadores, em vez de optar por mecanismos de autocomposição, como ocorreu nos Estados Unidos, com a edição do "Wagner Act", de 1935.
Enquanto uma causa trabalhista demora de cinco a sete anos para ter desfecho na Justiça do Trabalho, pela via da autocomposição poderia ser solucionada no prazo de três a cinco meses. Pelo menos isso é o que demonstra a prática em causa no país citado. Como assinala William B. Gould, mais de 95% das convenções coletivas no referido país contêm cláusula de conciliação ou arbitragem. Tal foi o desenvolvimento ali alcançado pelos mencionados procedimentos, que organizações especializadas se formaram para os tornarem efetivos. A título ilustrativo, devem ser mencionados o "Federal Mediation and Concilation Service", a "American Arbitration Association" e a "National Academy of Arbitrators". ("A Primier on American Labor Law", Massachusetts, The MIT Press, 1986, p. 136/137).
Lamentavelmente, nada constou das Constituições de 1946 e 1967, no sentido da reversão do quadro acima delineado. Mas a Constituição de 1988, parágrafo 2º do artigo 114, claramente erigiu a tentativa de conciliação e arbitragem como condição subordinante do exercício da ação coletiva. Essa orientação veio a ser enfaticamente sublinhada com a edição da instrução normativa nº 4, do Tribunal Superior do Trabalho, cujo item 1 assim se enuncia: "Frustrada, total ou parcialmente, a autocomposição dos interesses coletivos em negociação promovida diretamente pelos interessados ou mediante intermediação administrativa do órgão competente do Ministério do Trabalho, poderá ser ajuizada a ação de dissídio coletivo". Ficou, em consequência, aberto o caminho no sentido de que as mesmas condições passassem a prevalecer para o ajuizamento de dissídios individuais.
O projeto vai contribuir para o desafogo da Justiça do Trabalho, que, em 1998, recebeu 2,457 milhões de processos, número evidentemente superior à sua capacidade de atendimento. Não se pode deixar de assinalar que, em São Paulo, tal capacidade encontra-se alarmantemente diminuída com a interdição, pelo Contru, das 14 Juntas sediadas no Fórum Ministro Thélio da Costa Monteiro, localizado na avenida Ipiranga, 1.225, desde o dia 19 de outubro deste ano.
Por último, é mister exaltar o tópico do projeto em que se atribui ao termo de conciliação valor de título executivo perante o Judiciário trabalhista, o que muito contribuirá para a difusão dos procedimentos nele previstos.


Octavio Bueno Magano, 71, é professor titular de direito do trabalho da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).

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