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São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Farinha do mesmo saco

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O correu ontem, em Bruxelas, nova reunião ministerial Mercosul-União Européia. O objetivo foi dar prosseguimento à negociação de uma área de livre comércio entre os dois blocos, em curso desde 1999.
No Brasil, existem entusiastas dessa negociação. O ministro Furlan, por exemplo. Nos últimos dias, Furlan se encarregou de distribuir declarações otimistas à imprensa. Previu "grandes avanços" nos entendimentos com a União Européia, que teria uma série de "flexibilidades" para nos oferecer. Disse que o diálogo com os europeus é mais fácil do que com os norte-americanos, chegando ao ponto de sustentar que a União Européia tem mais condições do que os EUA de apresentar ofertas em temas como agricultura.
Veremos. Mas é difícil acreditar que essas expectativas tenham fundamento. Não é de hoje que se alimenta no Brasil a esperança de que a negociação com a União Européia possa servir de contraponto ou alternativa à Alca. Essa conversa vem dos tempos do governo Fernando Henrique Cardoso e não levou a nada até agora.
Tudo indica que as duas negociações apresentam essencialmente os mesmos problemas e limitações. Sendo os EUA o que são, a Alca é certamente mais perigosa. Mas a negociação com a União Européia tem estrutura semelhante. Em vários aspectos centrais, as atitudes norte-americanas e européias são basicamente idênticas.
A questão mais fundamental, ainda insuficientemente reconhecida, é que não interessa a um país em desenvolvimento como o Brasil estabelecer áreas de livre comércio com países muito mais adiantados como os europeus ou os norte-americanos. De uma maneira geral, as economias e as empresas européias e norte-americanas apresentam em relação à economia e às empresas brasileiras vantagens de tipo estrutural, solidamente consolidadas, que não serão removidas no horizonte visível. Engana-se quem imagina, ou finge imaginar, que esse tipo de assimetria possa ser administrado definindo prazos de adaptação mais longos para alguns setores mais sensíveis ou vulneráveis da nossa economia.
O Brasil possui, não há dúvida, empresas e setores internacionalmente competitivos. Boa parte da agricultura e diversos segmentos industriais tradicionais vêm demonstrando grande capacidade de exportar. Nesses setores, contudo, os europeus, assim como os norte-americanos, instituíram poderosos esquemas de proteção contra as importações e de subsídios à exportação -e querem preservá-los mesmo quando negociam áreas de livre comércio...
Um outro agravante é que a União Européia também tem uma série de demandas, embora menos ambiciosas do que as dos EUA, relacionadas a temas não-comerciais ou que não costumavam fazer parte de acordos comerciais, como, por exemplo, compras governamentais, investimentos e serviços. Se essas pretensões forem aceitas, o Brasil perderá uma série de graus de liberdade na definição de suas políticas públicas.
Esse é o quadro que vem sendo observado nos últimos anos. Não há sinais convincentes de que os europeus tenham modificado a sua atitude. A resistência a concessões na área agrícola continua forte, como ficou evidente, pela enésima vez, na fracassada reunião da OMC em Cancún. Nos entendimentos com o Mercosul, os europeus condicionam concessões agrícolas a avanços na OMC -avanços que eles próprios se encarregam depois de inviabilizar...
Por enquanto, pode-se dizer das ofertas de acesso a mercados apresentadas ao Mercosul pela União Européia o mesmo que disse um embaixador brasileiro das ofertas apresentadas pelos Estados Unidos na Alca: "minúsculas". A tendência da União Européia e dos EUA é excluir, no todo ou na sua maior parte, os temas e produtos prioritários para o Brasil. Querem que nos contentemos com migalhas.
Apesar disso, o governo brasileiro continuará sendo pressionado por norte-americanos e europeus (e seus aliados tupiniquins) a adotar uma posição "construtiva" e "negociadora". Áreas de livre comércio são importantes elementos de inserção na economia "globalizada", proclamam alguns.
A questão que ninguém levanta é a seguinte: se a União Européia e os EUA gostam tanto de áreas de livre comércio, por que não fazem uma entre si?
Curiosamente, essa negociação não está em curso e nem sequer é objeto de cogitação...


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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