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OPINIÃO ECONÔMICA
Farinha do mesmo saco
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O correu ontem, em Bruxelas, nova reunião ministerial Mercosul-União Européia. O
objetivo foi dar prosseguimento à
negociação de uma área de livre
comércio entre os dois blocos, em
curso desde 1999.
No Brasil, existem entusiastas
dessa negociação. O ministro Furlan, por exemplo. Nos últimos
dias, Furlan se encarregou de distribuir declarações otimistas à
imprensa. Previu "grandes avanços" nos entendimentos com a
União Européia, que teria uma
série de "flexibilidades" para nos
oferecer. Disse que o diálogo com
os europeus é mais fácil do que
com os norte-americanos, chegando ao ponto de sustentar que
a União Européia tem mais condições do que os EUA de apresentar ofertas em temas como agricultura.
Veremos. Mas é difícil acreditar
que essas expectativas tenham
fundamento. Não é de hoje que se
alimenta no Brasil a esperança de
que a negociação com a União
Européia possa servir de contraponto ou alternativa à Alca. Essa
conversa vem dos tempos do governo Fernando Henrique Cardoso e não levou a nada até agora.
Tudo indica que as duas negociações apresentam essencialmente os mesmos problemas e limitações. Sendo os EUA o que
são, a Alca é certamente mais perigosa. Mas a negociação com a
União Européia tem estrutura semelhante. Em vários aspectos
centrais, as atitudes norte-americanas e européias são basicamente idênticas.
A questão mais fundamental,
ainda insuficientemente reconhecida, é que não interessa a um
país em desenvolvimento como o
Brasil estabelecer áreas de livre
comércio com países muito mais
adiantados como os europeus ou
os norte-americanos. De uma
maneira geral, as economias e as
empresas européias e norte-americanas apresentam em relação à
economia e às empresas brasileiras vantagens de tipo estrutural,
solidamente consolidadas, que
não serão removidas no horizonte visível. Engana-se quem imagina, ou finge imaginar, que esse tipo de assimetria possa ser administrado definindo prazos de
adaptação mais longos para alguns setores mais sensíveis ou vulneráveis da nossa economia.
O Brasil possui, não há dúvida,
empresas e setores internacionalmente competitivos. Boa parte da
agricultura e diversos segmentos
industriais tradicionais vêm demonstrando grande capacidade
de exportar. Nesses setores, contudo, os europeus, assim como os
norte-americanos, instituíram
poderosos esquemas de proteção
contra as importações e de subsídios à exportação -e querem
preservá-los mesmo quando negociam áreas de livre comércio...
Um outro agravante é que a
União Européia também tem
uma série de demandas, embora
menos ambiciosas do que as dos
EUA, relacionadas a temas não-comerciais ou que não costumavam fazer parte de acordos comerciais, como, por exemplo,
compras governamentais, investimentos e serviços. Se essas pretensões forem aceitas, o Brasil perderá uma série de graus de liberdade na definição de suas políticas
públicas.
Esse é o quadro que vem sendo
observado nos últimos anos. Não
há sinais convincentes de que os
europeus tenham modificado a
sua atitude. A resistência a concessões na área agrícola continua
forte, como ficou evidente, pela
enésima vez, na fracassada reunião da OMC em Cancún. Nos
entendimentos com o Mercosul,
os europeus condicionam concessões agrícolas a avanços na OMC
-avanços que eles próprios se
encarregam depois de inviabilizar...
Por enquanto, pode-se dizer das
ofertas de acesso a mercados
apresentadas ao Mercosul pela
União Européia o mesmo que disse um embaixador brasileiro das
ofertas apresentadas pelos Estados Unidos na Alca: "minúsculas". A tendência da União Européia e dos EUA é excluir, no todo
ou na sua maior parte, os temas e
produtos prioritários para o Brasil. Querem que nos contentemos
com migalhas.
Apesar disso, o governo brasileiro continuará sendo pressionado
por norte-americanos e europeus
(e seus aliados tupiniquins) a
adotar uma posição "construtiva" e "negociadora". Áreas de livre comércio são importantes elementos de inserção na economia
"globalizada", proclamam alguns.
A questão que ninguém levanta
é a seguinte: se a União Européia
e os EUA gostam tanto de áreas
de livre comércio, por que não fazem uma entre si?
Curiosamente, essa negociação
não está em curso e nem sequer é
objeto de cogitação...
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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