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São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 2003

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Na Alca, cada país pode "comprar" o acordo que quiser

DO ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS

Nem Alca "light" nem Alca abrangente. A Área de Livre Comércio das Américas que será discutida na semana que vem em Miami será uma espécie de supermercado comercial, em que cada um dos 34 participantes poderá colher na gôndola os acordos que lhe apetecerem, sem que os demais sócios sejam obrigados a consumi-los também.
Esse entendimento, claro que em linguagem de negociação, foi alcançado entre o ministro Celso Amorim e o chefe do comércio exterior norte-americano, Robert Zoellick, e colocado no que o jargão diplomático chama de "non-paper". Ou seja, é um documento extra-oficial (ou "virtual", como brincou ontem Amorim), que depende naturalmente da aceitação dos 32 parceiros de Brasil e EUA na negociação da Alca.
Mas, tão logo foi apresentado aos ministros de 14 outros países da região, reunidos nas imediações de Washington, a reação do representante da Colômbia foi positiva: disse à delegação brasileira que, se EUA e Brasil conseguiam se pôr de acordo, ficava mais fácil avançar na negociação.
O modelo "Alca supermercado" exige, de todo modo, uma lista mínima de compras, que forma a base da negociação: abrange todo o comércio de bens e, eventualmente, o de serviços.
"É uma base nada "light", diz Amorim, que acrescenta uma brincadeira: "Se incluir aço (que os Estados Unidos protegem fortemente), então fica heavy metal".
De todo modo, a liberalização no comércio de bens depende de negociações sobre prazos e setores que serão protegidos, entre outros itens.
Mas a base mínima exclui temas não propriamente comerciais, como é o caso de investimentos, de compras governamentais (as concorrências dos governos) e questões relacionadas ao comércio da propriedade intelectual. Em compras governamentais, no máximo a base mínima estabelecerá regras de transparência, mas não necessariamente a abertura irrestrita para estrangeiros.
No caso da propriedade intelectual, o Brasil defende liberdade para quebrar patentes em caso de necessidade de saúde pública, contrariando a posição dos EUA.
Nessas áreas, o "non-paper" autoriza o que chama de "acordos plurilaterais". Se o Chile quiser, pode fazer com El Salvador, por exemplo, um acordo com regras rigorosíssimas para proteger o capital estrangeiro, sem que o Brasil fique obrigado a seguir tais regras.
Mesmo em serviços, a proposta brasileira é mais limitada do que querem os norte-americanos: só terá livre acesso ao mercado brasileiro quem se instalar no país. Ou seja, se uma seguradora de Nova York quiser vender apólices aos brasileiros, terá que se instalar em São Paulo ou no Rio de Janeiro, em vez de negociá-las diretamente de sua matriz.
Mesmo assim, as propostas brasileiras na área de serviços e investimentos não são no âmbito da Alca, conforme a Folha ouviu de dois dos negociadores do Itamaraty, mas a cada um dos 33 potenciais parceiros, inclusive aos EUA. Podem ser diferentes, conforme a realidade de cada futuro sócio.
Ou seja, a proposta já leva em conta o modelo "supermercado", porque permite que se façam acordos bilaterais ou plurilaterais com cada um dos países americanos, mesmo que a Alca não saia do papel.
O modelo "supermercado" não é nada novo em negociações internacionais: na primeira Conferência Ministerial da OMC (Cingapura, 1996), foi usado para o chamado ITA (Acordo sobre Tecnologia da Informação), que liberalizou o comércio de bens de informática. Aderiu quem quis. O Brasil não quis e continua de fora.
O acordo alcançado com Zoellick, depois de um intenso tiroteio verbal entre EUA e Brasil e mesmo dentro do governo Lula, é definido por Amorim como "um passo positivo de procedimento, que permite avançar na negociação a partir do ano que vem".
Trocando em miúdos: não se acertou o conteúdo da Alca, mas mero procedimento, que poderá vir a emperrar de novo a qualquer momento.


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