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Na Alca, cada país pode "comprar" o acordo que quiser
DO ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS
Nem Alca "light" nem Alca
abrangente. A Área de Livre Comércio das Américas que será discutida na semana que vem em
Miami será uma espécie de supermercado comercial, em que cada
um dos 34 participantes poderá
colher na gôndola os acordos que
lhe apetecerem, sem que os demais sócios sejam obrigados a
consumi-los também.
Esse entendimento, claro que
em linguagem de negociação, foi
alcançado entre o ministro Celso
Amorim e o chefe do comércio
exterior norte-americano, Robert
Zoellick, e colocado no que o jargão diplomático chama de "non-paper". Ou seja, é um documento
extra-oficial (ou "virtual", como
brincou ontem Amorim), que depende naturalmente da aceitação
dos 32 parceiros de Brasil e EUA
na negociação da Alca.
Mas, tão logo foi apresentado
aos ministros de 14 outros países
da região, reunidos nas imediações de Washington, a reação do
representante da Colômbia foi
positiva: disse à delegação brasileira que, se EUA e Brasil conseguiam se pôr de acordo, ficava
mais fácil avançar na negociação.
O modelo "Alca supermercado"
exige, de todo modo, uma lista
mínima de compras, que forma a
base da negociação: abrange todo
o comércio de bens e, eventualmente, o de serviços.
"É uma base nada "light", diz
Amorim, que acrescenta uma
brincadeira: "Se incluir aço (que
os Estados Unidos protegem fortemente), então fica heavy metal".
De todo modo, a liberalização
no comércio de bens depende de
negociações sobre prazos e setores que serão protegidos, entre
outros itens.
Mas a base mínima exclui temas
não propriamente comerciais, como é o caso de investimentos, de
compras governamentais (as concorrências dos governos) e questões relacionadas ao comércio da
propriedade intelectual. Em compras governamentais, no máximo
a base mínima estabelecerá regras
de transparência, mas não necessariamente a abertura irrestrita
para estrangeiros.
No caso da propriedade intelectual, o Brasil defende liberdade
para quebrar patentes em caso de
necessidade de saúde pública,
contrariando a posição dos EUA.
Nessas áreas, o "non-paper" autoriza o que chama de "acordos
plurilaterais". Se o Chile quiser,
pode fazer com El Salvador, por
exemplo, um acordo com regras
rigorosíssimas para proteger o capital estrangeiro, sem que o Brasil
fique obrigado a seguir tais regras.
Mesmo em serviços, a proposta
brasileira é mais limitada do que
querem os norte-americanos: só
terá livre acesso ao mercado brasileiro quem se instalar no país.
Ou seja, se uma seguradora de
Nova York quiser vender apólices
aos brasileiros, terá que se instalar
em São Paulo ou no Rio de Janeiro, em vez de negociá-las diretamente de sua matriz.
Mesmo assim, as propostas brasileiras na área de serviços e investimentos não são no âmbito da
Alca, conforme a Folha ouviu de
dois dos negociadores do Itamaraty, mas a cada um dos 33 potenciais parceiros, inclusive aos EUA.
Podem ser diferentes, conforme a
realidade de cada futuro sócio.
Ou seja, a proposta já leva em
conta o modelo "supermercado",
porque permite que se façam
acordos bilaterais ou plurilaterais
com cada um dos países americanos, mesmo que a Alca não saia
do papel.
O modelo "supermercado" não
é nada novo em negociações internacionais: na primeira Conferência Ministerial da OMC (Cingapura, 1996), foi usado para o
chamado ITA (Acordo sobre Tecnologia da Informação), que liberalizou o comércio de bens de informática. Aderiu quem quis. O
Brasil não quis e continua de fora.
O acordo alcançado com Zoellick, depois de um intenso tiroteio verbal entre EUA e Brasil e
mesmo dentro do governo Lula, é
definido por Amorim como "um
passo positivo de procedimento,
que permite avançar na negociação a partir do ano que vem".
Trocando em miúdos: não se
acertou o conteúdo da Alca, mas
mero procedimento, que poderá
vir a emperrar de novo a qualquer
momento.
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