São Paulo, domingo, 13 de novembro de 2005

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País está obcecado com inflação, diz "desenvolvimentista"

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil está "obcecado" com as suas metas de inflação, não tem políticas industriais efetivas para competir com outros grandes emergentes e está perdendo uma chance singular de crescer a taxas maiores no atual cenário de calmaria econômica internacional.
A opinião parte de dois proeminentes economistas de Cambridge e das Nações Unidas considerados ""desenvolvimentistas" e não-alinhados com as atuais políticas "hegemônicas" do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Banco Mundial.
Em entrevistas distintas à Folha, ambos usaram os mesmos termos ("triste" e "decepcionante") para descrever o fato de o Brasil estar ficando cada vez mais para trás na corrida contra seus principais competidores emergentes, como China e Índia.
"É triste, pois a economia que mais crescia no mundo entre 1965 e 1980 era a brasileira", afirma o coreano Ha-Joon Chang, diretor da área de Estudos para o Desenvolvimento da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
"Entendo que o Brasil teve uma história de hiperinflação, mas creio que governo está cauteloso demais com as atuais metas [5,1% em 2005 e 4,5% em 2006]. Há muitas incertezas pela frente quanto à economia dos EUA e esta é uma oportunidade para crescer mais rapidamente que o Brasil está perdendo", afirma Chang.
"O que observamos é que, no caso de países como a China, grande parte do sucesso atual ocorre em razão da rápida industrialização, que também foi o motor do crescimento brasileiro nos anos 70. Por que o Brasil perdeu o seu dinamismo industrial? Isso tem muito a ver com o constrangimento fiscal que o país vem aceitando há anos para agradar aos mercados financeiros", diz o malaio Jomo Sundaram, secretário-assistente da ONU para Desenvolvimento Econômico.
Chang afirma que é "quase impossível" o Brasil ou qualquer outro país do mundo manter taxas de investimentos aceleradas com juros reais acima de 10% ao ano.
"Na Coréia ou no Japão, por exemplo, a taxa de lucros antes do pagamento de juros é de 7% a 8%. Quando se tem de pagar 10% só de juros, isso significa que é impossível tomar dinheiro emprestado para investir. As empresas ficam dependentes apenas de recursos próprios ou dos lucros, o que significa investimentos muito conservadores", diz Chang.
Para Sundaram, a política de juros altos fez o Brasil "abandonar qualquer tipo de política industrial, mesmo durante o governo Fernando Henrique Cardoso".
"O atual governo [Lula] trouxe uma série de novas esperanças, mas elas não se consolidaram por causa da política macroeconômica em vigor", diz Sundaram.
Para Chang, o Brasil deveria "tolerar um pouco mais de inflação". Ele lembra que os chamados "milagres" japonês e coreano nos anos 70 se deram quando ambos países conviviam com uma inflação ao redor de 20% ao ano.
"A prudência macroeconômica deve ser vista por uma lente mais ampla e não significa ficar obcecado com o nível dos preços", diz Chang. "Entendo que o FMI não recomenda esse tipo de política, mas há maneiras de persuadi-los de que um crescimento maior será o melhor para todo mundo."
O atual sistema de metas de inflação é a principal causa da rigidez da política monetária. Na visão do BC e de organismos como FMI e Banco Mundial, a estabilidade de preços é também um dos melhores instrumentos para melhorar a distribuição de renda, pois os mais pobres não contam com as mesmas proteções que os mais ricos para o seu dinheiro.
O Brasil mantém hoje taxas de juro muito mais elevadas e metas de inflação bem mais apertadas do que, por exemplo, Argentina e Rússia. As expectativas de crescimento neste ano para os dois países, no entanto, são bastante superiores aos 3,5% projetados para o Brasil (cerca de 8% no caso argentino e de 6% no russo).
Por outro lado, China e Índia, países entre os que mais crescem no mundo, projetam inflação de 1,3% e 4%, respectivamente.


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