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País está obcecado com inflação, diz "desenvolvimentista"
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil está "obcecado" com as
suas metas de inflação, não tem
políticas industriais efetivas para
competir com outros grandes
emergentes e está perdendo uma
chance singular de crescer a taxas
maiores no atual cenário de calmaria econômica internacional.
A opinião parte de dois proeminentes economistas de Cambridge e das Nações Unidas considerados ""desenvolvimentistas" e
não-alinhados com as atuais políticas "hegemônicas" do FMI
(Fundo Monetário Internacional)
e do Banco Mundial.
Em entrevistas distintas à Folha, ambos usaram os mesmos
termos ("triste" e "decepcionante") para descrever o fato de o
Brasil estar ficando cada vez mais
para trás na corrida contra seus
principais competidores emergentes, como China e Índia.
"É triste, pois a economia que
mais crescia no mundo entre 1965
e 1980 era a brasileira", afirma o
coreano Ha-Joon Chang, diretor
da área de Estudos para o Desenvolvimento da Universidade de
Cambridge, no Reino Unido.
"Entendo que o Brasil teve uma
história de hiperinflação, mas
creio que governo está cauteloso
demais com as atuais metas [5,1%
em 2005 e 4,5% em 2006]. Há
muitas incertezas pela frente
quanto à economia dos EUA e esta é uma oportunidade para crescer mais rapidamente que o Brasil
está perdendo", afirma Chang.
"O que observamos é que, no
caso de países como a China,
grande parte do sucesso atual
ocorre em razão da rápida industrialização, que também foi o motor do crescimento brasileiro nos
anos 70. Por que o Brasil perdeu o
seu dinamismo industrial? Isso
tem muito a ver com o constrangimento fiscal que o país vem
aceitando há anos para agradar
aos mercados financeiros", diz o
malaio Jomo Sundaram, secretário-assistente da ONU para Desenvolvimento Econômico.
Chang afirma que é "quase impossível" o Brasil ou qualquer outro país do mundo manter taxas
de investimentos aceleradas com
juros reais acima de 10% ao ano.
"Na Coréia ou no Japão, por
exemplo, a taxa de lucros antes do
pagamento de juros é de 7% a 8%.
Quando se tem de pagar 10% só
de juros, isso significa que é impossível tomar dinheiro emprestado para investir. As empresas ficam dependentes apenas de recursos próprios ou dos lucros, o
que significa investimentos muito
conservadores", diz Chang.
Para Sundaram, a política de juros altos fez o Brasil "abandonar
qualquer tipo de política industrial, mesmo durante o governo
Fernando Henrique Cardoso".
"O atual governo [Lula] trouxe
uma série de novas esperanças,
mas elas não se consolidaram por
causa da política macroeconômica em vigor", diz Sundaram.
Para Chang, o Brasil deveria
"tolerar um pouco mais de inflação". Ele lembra que os chamados
"milagres" japonês e coreano nos
anos 70 se deram quando ambos
países conviviam com uma inflação ao redor de 20% ao ano.
"A prudência macroeconômica
deve ser vista por uma lente mais
ampla e não significa ficar obcecado com o nível dos preços", diz
Chang. "Entendo que o FMI não
recomenda esse tipo de política,
mas há maneiras de persuadi-los
de que um crescimento maior será o melhor para todo mundo."
O atual sistema de metas de inflação é a principal causa da rigidez da política monetária. Na visão do BC e de organismos como
FMI e Banco Mundial, a estabilidade de preços é também um dos
melhores instrumentos para melhorar a distribuição de renda,
pois os mais pobres não contam
com as mesmas proteções que os
mais ricos para o seu dinheiro.
O Brasil mantém hoje taxas de
juro muito mais elevadas e metas
de inflação bem mais apertadas
do que, por exemplo, Argentina e
Rússia. As expectativas de crescimento neste ano para os dois países, no entanto, são bastante superiores aos 3,5% projetados para
o Brasil (cerca de 8% no caso argentino e de 6% no russo).
Por outro lado, China e Índia,
países entre os que mais crescem
no mundo, projetam inflação de
1,3% e 4%, respectivamente.
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