São Paulo, domingo, 13 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMÉRCIO GLOBAL

Subsídios da União Européia e dos EUA equivalem a quase todo o rendimento do agronegócio brasileiro em 2003

Doha pode produzir mudança "cosmética"

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O grande risco da Rodada Doha é o impasse nas negociações levar à adoção de mudanças "cosméticas", nas quais números expressivos poderão mascarar a pouca abertura dos mercados dos países ricos aos produtos agrícolas dos mais pobres, entre eles o Brasil.
É isso o que os envolvidos nas conversas chamam de "perda de ambição" e que deve ser evitado, ao menos por enquanto, com o adiamento para o próximo ano de decisões que deveriam ser tomadas em dezembro na reunião ministerial de Hong Kong.
Marcos Jank, um dos maiores especialistas em negociações agrícolas do Brasil, diz que muitas das propostas sobre a mesa cortam apenas "na água", em contraposição a um corte "na carne". Isso acontece porque há uma distância entre as tarifas e subsídios máximos que muitos países declaram como teto e o que eles praticam de verdade. É como cobrar R$ 100, dar um desconto de R$ 50 e um dia elevar o preço para R$ 60 -dizendo que ele caiu R$ 40.
A União Européia, por exemplo, registrou na OMC (Organização Mundial do Comércio) um teto para subsídios no valor de 120 bilhões ao ano, mas já decidiu na reforma interna de sua política agrícola que esse valor será reduzido a 27 bilhões em 2008, quando os acordos de Doha estarão começando a ser implementados, caso a rodada avance.
Apesar desse corte já decidido, os europeus propõem nas negociações com os outros países a redução de seus subsídios a 36 bilhões, 9 bilhões a mais do que estarão praticando em 2008.
Outra frente de negociação são as tarifas de importação, que às vezes são tão altas que os produtos agrícolas do Brasil não conseguem ultrapassá-las.
O açúcar, por exemplo, paga 311% para entrar no Japão, o que significa uma elevação brutal de preço para o consumidor do país, que divide com o produtor brasileiro o ônus pela proteção dos agricultores locais.
Nesse terreno, o maior embate do Brasil e do grupo de países em desenvolvimento que lidera, o G-20, é com os europeus. O comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, propõe corte médio de 39% nas tarifas praticadas pela região na importação de produtos agrícolas. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, exige redução de ao menos 54%.
O problema é que mesmo uma queda do tamanho da defendida por Amorim pode não significar redução das barreiras aos produtos agrícolas do Brasil, afirma Jank, que preside o Icone (Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais) e dá assessoria ao Itamaraty.
Isso porque os europeus querem proteger dos cortes 8% dos bens agrícolas que importam, que continuariam a ter tarifas elevadas, sob o argumento de que são "sensíveis". Não está definido que produtos entrariam nessa "caixa", mas Jank tem certeza de que ela incluirá todos os que interessam ao Brasil, como carne, frango, etanol, açúcar e milho.
Os 8% propostos pelo europeus representam 160 classificações tarifárias e os produtos mais importantes para o Brasil não passam de 50 classificações tarifárias -mesmo que todos fossem incluídos, ainda sobraria espaço na "caixa".
O G-20 e os EUA querem limitar o percentual de sensíveis a 1% dos bens importados pelos europeus, o que daria 20 classificações tarifárias, afirma Jank.
Estudo do Banco Mundial sobre o impacto da Rodada Doha calcula que mesmo grandes cortes de tarifas terão pouco impacto se houver muitas exceções. "Se os membros sucumbirem à tentação política de limitar o corte de tarifas dos produtos agrícolas mais sensíveis, a maior parte dos potenciais ganhos de Doha poderá evaporar", afirma o texto.
Para os economistas do Banco Mundial, a "caixa de sensíveis" não pode ter mais de 2% dos produtos agrícolas nos países desenvolvidos e 4% nos demais.
Na avaliação de Jank, o Brasil é o país que mais tem a ganhar na hipótese de sucesso da Rodada Doha, que tem como foco a agricultura. A Rodada Uruguai, que foi a anterior, deu ênfase à redução de barreiras aos produtos industrializados, nos quais os países desenvolvidos são mais fortes.
O Banco Mundial também aponta o Brasil como um dos maiores beneficiários das negociações atuais. A instituição avalia que os subsídios e tarifas aplicados no restante do mundo reduzem em 40% os ganhos dos produtores rurais brasileiros. Se todos fossem eliminados, haveria um ganho imediato de renda para os agricultores locais.

Subsídios
Na batalha contra os subsídios, o mais forte adversário do G-20 são os Estados Unidos, país que elevou de US$ 7 bilhões, em 1997, para US$ 18,3 bilhões, em 2004, o apoio financeiro que dá a seus agricultores. No Brasil, o subsídio oficial é de US$ 1,3 bilhão, o equivalente a 7% do norte-americano.
Somados, os subsídios dos Estados Unidos e os que a União Européia estará praticando em 2008 (US$ 32 bilhões) chegam a US$ 50,3 bilhões, valor próximo aos US$ 52 bilhões que todo o agronegócio brasileiro produziu em 2003, destaca Jank.
Ainda assim, o Brasil aumentou suas exportações nessa área em 6,3% ao ano entre 1990 e 2003 e chegou ao terceiro lugar no ranking dos maiores exportadores mundiais, atrás apenas da União Européia e dos EUA, que elevaram suas vendas em 3,2% e 2% ao ano no mesmo período.
As divergências entre europeus, americanos e o G-20 podem esvaziar a reunião ministerial de Hong Kong. Se o impasse persistir, Jank já sabe que conselho dar ao governo brasileiro: "É melhor não ter acordo nenhum do que ter um acordo pouco ambicioso".


Texto Anterior: Contribuinte que deixar de declarar pode "perder" CPF
Próximo Texto: Serviço pode ser moeda de troca
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.