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COMÉRCIO GLOBAL
Subsídios da União Européia e dos EUA equivalem a quase todo o rendimento do agronegócio brasileiro em 2003
Doha pode produzir mudança "cosmética"
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O grande risco da Rodada Doha
é o impasse nas negociações levar
à adoção de mudanças "cosméticas", nas quais números expressivos poderão mascarar a pouca
abertura dos mercados dos países
ricos aos produtos agrícolas dos
mais pobres, entre eles o Brasil.
É isso o que os envolvidos nas
conversas chamam de "perda de
ambição" e que deve ser evitado,
ao menos por enquanto, com o
adiamento para o próximo ano de
decisões que deveriam ser tomadas em dezembro na reunião ministerial de Hong Kong.
Marcos Jank, um dos maiores
especialistas em negociações agrícolas do Brasil, diz que muitas das
propostas sobre a mesa cortam
apenas "na água", em contraposição a um corte "na carne". Isso
acontece porque há uma distância entre as tarifas e subsídios máximos que muitos países declaram como teto e o que eles praticam de verdade. É como cobrar
R$ 100, dar um desconto de R$ 50
e um dia elevar o preço para R$ 60
-dizendo que ele caiu R$ 40.
A União Européia, por exemplo, registrou na OMC (Organização Mundial do Comércio) um teto para subsídios no valor de
120 bilhões ao ano, mas já decidiu na reforma interna de sua política agrícola que esse valor será
reduzido a 27 bilhões em 2008,
quando os acordos de Doha estarão começando a ser implementados, caso a rodada avance.
Apesar desse corte já decidido,
os europeus propõem nas negociações com os outros países a redução de seus subsídios a 36 bilhões, 9 bilhões a mais do que
estarão praticando em 2008.
Outra frente de negociação são
as tarifas de importação, que às
vezes são tão altas que os produtos agrícolas do Brasil não conseguem ultrapassá-las.
O açúcar, por exemplo, paga
311% para entrar no Japão, o que
significa uma elevação brutal de
preço para o consumidor do país,
que divide com o produtor brasileiro o ônus pela proteção dos
agricultores locais.
Nesse terreno, o maior embate
do Brasil e do grupo de países em
desenvolvimento que lidera, o G-20, é com os europeus. O comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, propõe
corte médio de 39% nas tarifas
praticadas pela região na importação de produtos agrícolas. O
ministro das Relações Exteriores
do Brasil, Celso Amorim, exige redução de ao menos 54%.
O problema é que mesmo uma
queda do tamanho da defendida
por Amorim pode não significar
redução das barreiras aos produtos agrícolas do Brasil, afirma
Jank, que preside o Icone (Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais) e dá assessoria ao Itamaraty.
Isso porque os europeus querem proteger dos cortes 8% dos
bens agrícolas que importam, que
continuariam a ter tarifas elevadas, sob o argumento de que são
"sensíveis". Não está definido que
produtos entrariam nessa "caixa", mas Jank tem certeza de que
ela incluirá todos os que interessam ao Brasil, como carne, frango, etanol, açúcar e milho.
Os 8% propostos pelo europeus
representam 160 classificações tarifárias e os produtos mais importantes para o Brasil não passam de
50 classificações tarifárias -mesmo que todos fossem incluídos,
ainda sobraria espaço na "caixa".
O G-20 e os EUA querem limitar
o percentual de sensíveis a 1% dos
bens importados pelos europeus,
o que daria 20 classificações tarifárias, afirma Jank.
Estudo do Banco Mundial sobre
o impacto da Rodada Doha calcula que mesmo grandes cortes de
tarifas terão pouco impacto se
houver muitas exceções. "Se os
membros sucumbirem à tentação
política de limitar o corte de tarifas dos produtos agrícolas mais
sensíveis, a maior parte dos potenciais ganhos de Doha poderá
evaporar", afirma o texto.
Para os economistas do Banco
Mundial, a "caixa de sensíveis"
não pode ter mais de 2% dos produtos agrícolas nos países desenvolvidos e 4% nos demais.
Na avaliação de Jank, o Brasil é o
país que mais tem a ganhar na hipótese de sucesso da Rodada Doha, que tem como foco a agricultura. A Rodada Uruguai, que foi a
anterior, deu ênfase à redução de
barreiras aos produtos industrializados, nos quais os países desenvolvidos são mais fortes.
O Banco Mundial também
aponta o Brasil como um dos
maiores beneficiários das negociações atuais. A instituição avalia
que os subsídios e tarifas aplicados no restante do mundo reduzem em 40% os ganhos dos produtores rurais brasileiros. Se todos fossem eliminados, haveria
um ganho imediato de renda para
os agricultores locais.
Subsídios
Na batalha contra os subsídios,
o mais forte adversário do G-20
são os Estados Unidos, país que
elevou de US$ 7 bilhões, em 1997,
para US$ 18,3 bilhões, em 2004, o
apoio financeiro que dá a seus
agricultores. No Brasil, o subsídio
oficial é de US$ 1,3 bilhão, o equivalente a 7% do norte-americano.
Somados, os subsídios dos Estados Unidos e os que a União Européia estará praticando em 2008
(US$ 32 bilhões) chegam a
US$ 50,3 bilhões, valor próximo
aos US$ 52 bilhões que todo o
agronegócio brasileiro produziu
em 2003, destaca Jank.
Ainda assim, o Brasil aumentou
suas exportações nessa área em
6,3% ao ano entre 1990 e 2003 e
chegou ao terceiro lugar no ranking dos maiores exportadores
mundiais, atrás apenas da União
Européia e dos EUA, que elevaram suas vendas em 3,2% e 2% ao
ano no mesmo período.
As divergências entre europeus,
americanos e o G-20 podem esvaziar a reunião ministerial de Hong
Kong. Se o impasse persistir, Jank
já sabe que conselho dar ao governo brasileiro: "É melhor não ter
acordo nenhum do que ter um
acordo pouco ambicioso".
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