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ARTIGO
Economia, uma disciplina desvalorizada na Casa Branca
GERARD BAKER
DO "FINANCIAL TIMES"
Quando o presidente dos Estados Unidos demite sua
equipe econômica e aponta uma
nova, isso deveria ser um momento sísmico para a política econômica mundial. Imaginem a
reação do mundo caso Bill Clinton tivesse derrubado Robert Rubin e Larry Summers entre a entrada e a sobremesa de um jantar
na Casa Branca. Ou se Ronald
Reagan tivesse demitido Donald
Regan e Martin Feldstein antes do
alvorecer em um dia sombrio
qualquer do começo dos anos 80.
Mas as defenestrações de Paul
O'Neill e Larry Lindsey na semana passada causaram, estranhamente, pouca comoção mundial.
A indicação de John Snow como
novo secretário do Tesouro e a escolha de Stephen Friedman, antecipada para o Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, não
geram tampouco grande abalo na
escala Richter.
Isso não equivale a dizer que a
semana que passou não foi interessante. Nós, lastimáveis jornalistas obcecados com os menores
desdobramentos políticos, passamos por momentos de tensão
acompanhando as reviravoltas do
processo. Mas lá fora, no grande
mundo das casas e escritórios e
mercados internacionais de finanças, a vida continuou mais ou
menos como se nada de importante houvesse acontecido.
Há meses, O'Neill e Lindsey tinham de viver com a incômoda
experiência de ler seus obituários
políticos. Ainda que o final tenha
sido brutal, não há quem diga que
a partida dos dois constitui uma
completa surpresa. Se acrescentarmos a isso o completo anonimato dos dois homens que os sucedem, cujos nomes ressoaram
como flocos de neves caindo nas
ruas geladas de Washington, pode-se perceber por que os acontecimentos não causaram grande
aceleração no pulso do país.
Mas existe uma razão maior para que a maior reestruturação do
comando da política econômica
dos Estados Unidos em mais de
uma década (se excluirmos as
mudanças relacionadas às eleições) tenha fracassado na geração
de grande excitação.
Ninguém acredita realmente
que o comando da equipe econômica do presente governo importe muito.
Ao trocar sua equipe, Bush na
verdade demonstrou uma vez
mais quão pouco eles ou seus assessores sabem ou se importam
com os fundamentos de uma boa
política. Bush parece acreditar
que todas as calamidades dos dois
últimos anos podem ser corrigidas com a indicação de dois homens que, nas palavras de diversos funcionários da Casa Branca,
serão melhores "vendedores" da
política econômica defendida pelos republicanos. A conversa gira
em torno de mãos firmes e rostos
sorridentes. Isso deve bastar, dizem os funcionários, para restaurar a confiança na política da
equipe econômica de Bush.
Mas o que eles não percebem é
que o problema central com a
equipe de Bush vinha sendo a percepção, devastadoramente precisa, de que no que tange às decisões estratégicas, a economia é
uma disciplina desvalorizada no
presente governo. As demandas
da segurança nacional, o setor
empresarial, a política interna do
Partido Republicano e, acima de
tudo, a eleição presidencial de
2004 superam uma política econômica sólida nas prioridades do
governo do atual presidente.
Evidentemente, trocar de mensageiro era provavelmente necessário. O'Neill e Lindsey eram um
estranho casal, uma bizarra desunião entre o taciturno e o otimista.
O primeiro, secretário do Tesouro, demonstrava uma visão permanentemente rósea, convencido
de que a economia ficaria bem
desde que o governo continuasse
a falar sobre ela de maneira positiva e permitisse que os mercados e
o Federal Reserve (Fed, o banco
central dos Estados Unidos) cumprissem seus deveres.
Lindsey era o perpétuo pessimista, com o dedo permanentemente pousado no botão de alerta. Acreditava já havia anos que o
boom da década de 90 terminaria
em uma grande carnificina e estava cada vez mais convicto da necessidade de intervenção urgente.
Sem dúvida Snow e Friedman,
até onde se sabe homens capazes
e dignos de admiração, pelo menos trabalharão com base em
uma posição mais compatível.
Mas será que vão se provar mais
efetivos que seus predecessores
na condução dos Estados Unidos
rumo às políticas tributárias e regulatórias de que o país precisa?
O problema de credibilidade da
Casa Branca de Bush em termos
de política econômica e financeira
não deriva, como o governo presente parece acreditar, da qualidade de seu pessoal. Deriva do fato de que o mundo sabe que se
trata de uma administração que
abandonou os princípios, na política econômica, em troca de um
pragmatismo cínico e calculado.
Deus sabe que o governo Clinton estava longe de perfeito. Mas
demonstrava a disposição, na política internacional e na economia, especialmente na política fiscal, de escolher o caminho mais
árduo. Era a doutrina Rubin, a
convicção de que, não importavam os custos de curto prazo, a
longo prazo as boas políticas econômicas gerariam suas próprias
recompensas, quer se tratasse de
medidas penosas para reduzir o
déficit público quer do apoio,
sempre impopular, a países em
crise financeira.
Agora temos a doutrina Rove, a
receita de Karl Rove no sentido de
que, se algo faz bem em termos
eleitorais, está decidido. É por isso
que o governo pressionou em
2001 pela aprovação do inadequado pacote de corte de impostos
concebido no pico da expansão
dos anos 90; é por isso que impôs
tarifas ao aço importado neste
ano; é por isso que Bush assinou
alegremente o projeto de lei da
agricultura; e é por isso que ele
deu meia-volta com o projeto de
reforma da lei corporativa que
seus economistas acreditavam
que faria mais mal do que bem.
Talvez eu esteja sendo cínico demais. Talvez Bush tenha visto a
luz. Talvez Snow e Friedman reafirmem as virtudes da consistência e da disciplina entre as autoridades econômicas. Talvez.
Tradução de Paulo Migliacci
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