São Paulo, sexta-feira, 13 de dezembro de 2002

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ARTIGO

Economia, uma disciplina desvalorizada na Casa Branca

GERARD BAKER
DO "FINANCIAL TIMES"

Quando o presidente dos Estados Unidos demite sua equipe econômica e aponta uma nova, isso deveria ser um momento sísmico para a política econômica mundial. Imaginem a reação do mundo caso Bill Clinton tivesse derrubado Robert Rubin e Larry Summers entre a entrada e a sobremesa de um jantar na Casa Branca. Ou se Ronald Reagan tivesse demitido Donald Regan e Martin Feldstein antes do alvorecer em um dia sombrio qualquer do começo dos anos 80.
Mas as defenestrações de Paul O'Neill e Larry Lindsey na semana passada causaram, estranhamente, pouca comoção mundial. A indicação de John Snow como novo secretário do Tesouro e a escolha de Stephen Friedman, antecipada para o Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, não geram tampouco grande abalo na escala Richter.
Isso não equivale a dizer que a semana que passou não foi interessante. Nós, lastimáveis jornalistas obcecados com os menores desdobramentos políticos, passamos por momentos de tensão acompanhando as reviravoltas do processo. Mas lá fora, no grande mundo das casas e escritórios e mercados internacionais de finanças, a vida continuou mais ou menos como se nada de importante houvesse acontecido.
Há meses, O'Neill e Lindsey tinham de viver com a incômoda experiência de ler seus obituários políticos. Ainda que o final tenha sido brutal, não há quem diga que a partida dos dois constitui uma completa surpresa. Se acrescentarmos a isso o completo anonimato dos dois homens que os sucedem, cujos nomes ressoaram como flocos de neves caindo nas ruas geladas de Washington, pode-se perceber por que os acontecimentos não causaram grande aceleração no pulso do país.
Mas existe uma razão maior para que a maior reestruturação do comando da política econômica dos Estados Unidos em mais de uma década (se excluirmos as mudanças relacionadas às eleições) tenha fracassado na geração de grande excitação.
Ninguém acredita realmente que o comando da equipe econômica do presente governo importe muito.
Ao trocar sua equipe, Bush na verdade demonstrou uma vez mais quão pouco eles ou seus assessores sabem ou se importam com os fundamentos de uma boa política. Bush parece acreditar que todas as calamidades dos dois últimos anos podem ser corrigidas com a indicação de dois homens que, nas palavras de diversos funcionários da Casa Branca, serão melhores "vendedores" da política econômica defendida pelos republicanos. A conversa gira em torno de mãos firmes e rostos sorridentes. Isso deve bastar, dizem os funcionários, para restaurar a confiança na política da equipe econômica de Bush.
Mas o que eles não percebem é que o problema central com a equipe de Bush vinha sendo a percepção, devastadoramente precisa, de que no que tange às decisões estratégicas, a economia é uma disciplina desvalorizada no presente governo. As demandas da segurança nacional, o setor empresarial, a política interna do Partido Republicano e, acima de tudo, a eleição presidencial de 2004 superam uma política econômica sólida nas prioridades do governo do atual presidente.
Evidentemente, trocar de mensageiro era provavelmente necessário. O'Neill e Lindsey eram um estranho casal, uma bizarra desunião entre o taciturno e o otimista. O primeiro, secretário do Tesouro, demonstrava uma visão permanentemente rósea, convencido de que a economia ficaria bem desde que o governo continuasse a falar sobre ela de maneira positiva e permitisse que os mercados e o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) cumprissem seus deveres.
Lindsey era o perpétuo pessimista, com o dedo permanentemente pousado no botão de alerta. Acreditava já havia anos que o boom da década de 90 terminaria em uma grande carnificina e estava cada vez mais convicto da necessidade de intervenção urgente.
Sem dúvida Snow e Friedman, até onde se sabe homens capazes e dignos de admiração, pelo menos trabalharão com base em uma posição mais compatível. Mas será que vão se provar mais efetivos que seus predecessores na condução dos Estados Unidos rumo às políticas tributárias e regulatórias de que o país precisa?
O problema de credibilidade da Casa Branca de Bush em termos de política econômica e financeira não deriva, como o governo presente parece acreditar, da qualidade de seu pessoal. Deriva do fato de que o mundo sabe que se trata de uma administração que abandonou os princípios, na política econômica, em troca de um pragmatismo cínico e calculado.
Deus sabe que o governo Clinton estava longe de perfeito. Mas demonstrava a disposição, na política internacional e na economia, especialmente na política fiscal, de escolher o caminho mais árduo. Era a doutrina Rubin, a convicção de que, não importavam os custos de curto prazo, a longo prazo as boas políticas econômicas gerariam suas próprias recompensas, quer se tratasse de medidas penosas para reduzir o déficit público quer do apoio, sempre impopular, a países em crise financeira.
Agora temos a doutrina Rove, a receita de Karl Rove no sentido de que, se algo faz bem em termos eleitorais, está decidido. É por isso que o governo pressionou em 2001 pela aprovação do inadequado pacote de corte de impostos concebido no pico da expansão dos anos 90; é por isso que impôs tarifas ao aço importado neste ano; é por isso que Bush assinou alegremente o projeto de lei da agricultura; e é por isso que ele deu meia-volta com o projeto de reforma da lei corporativa que seus economistas acreditavam que faria mais mal do que bem.
Talvez eu esteja sendo cínico demais. Talvez Bush tenha visto a luz. Talvez Snow e Friedman reafirmem as virtudes da consistência e da disciplina entre as autoridades econômicas. Talvez.


Tradução de Paulo Migliacci


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