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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Melindres no FMI?
O Brasil e outros países em
desenvolvimento lutam há cerca de dez anos para mudar
a distribuição de votos no FMI
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ESTOU EM Washington, enfrentando o inverno inclemente,
mas não posso me queixar
-ainda não fui esquecido pela imprensa brasileira. Ontem e anteontem, dois dos nossos grandes jornais
-"O Estado de S.Paulo" e o "Valor
Econômico"- dedicaram considerável espaço para -não há outra palavra- desancar a minha atuação
aqui no FMI.
Fiquei um pouco acabrunhado,
claro. Baseando-se em fontes protegidas pelo anonimato, os jornalistas
capricharam. A agressividade da minha atuação estaria supostamente
"começando a incomodar". O meu
temperamento "abrasivo" e "impetuoso" teria criado mal-estar no
FMI e desavenças com meus colegas
de diretoria. Acusam-me até de
"azedar" e de "atrapalhar o andamento de algumas reuniões".
Bem, essas reportagens me fizeram lembrar aquela tirada, que já citei nesta coluna uma vez: "People have been spreading the wildest lies
about me, and the worst of it is that
half of them are true!" (estão espalhando as mentiras mais loucas a
meu respeito, e o pior é que a metade
delas é verdadeira!). Ainda não consegui verificar se a tirada é de Winston Churchill ou de Oscar Wilde.
O que há de verdadeiro nessas reportagens é que realmente ocorrem
discussões bastante acirradas aqui
no Fundo. Tenho tido diversos embates, especialmente com os diretores da Europa ocidental, que está super-representada na organização e
reluta muito em ceder espaço aos
países em desenvolvimento, como o
Brasil. Às vezes, eles escutam o que
não querem, mas o mesmo ocorre
comigo e outros representantes de
países em desenvolvimento. O nosso
papel é esse mesmo: lutar pelos interesses dos nossos países, e não simplesmente fazer parte de um clube
confortável aqui em Washington.
Mas esses embates têm ocorrido
de forma civilizada, sem levar a ruptura de relações pessoais. Tenho um
diálogo constante e cordial com todos os demais 23 membros da diretoria, sem exceção. Em alguns casos,
aliados estão se transformando em
amigos.
Uma das grandes questões em jogo
é a redistribuição do poder de voto
dentro do Fundo, extremamente
concentrado nas mãos dos países desenvolvidos. O Brasil, em aliança
com outros países em desenvolvimento, luta há cerca de dez anos para
mudar esse quadro. A luta começou
quando Murilo Portugal era diretor-executivo e continuou com Eduardo
Loyo, meu antecessor imediato. Foi
difícil colocar o tema na agenda do
FMI, mas conseguimos finalmente.
De uma maneira geral, os países
desenvolvidos ainda tentam esvaziar
a reforma. Um recurso que eles têm é
alegar que a discussão está demorando demais e tentar arquivar a reforma. Esse caminho é politicamente
inviável. Outra tentativa é fazer uma
não-reforma, isto é, ajustes marginais nas cotas e nos votos que em nada alterariam a distribuição de poder.
Nós, representantes dos países em
desenvolvimento, estamos argumentando que mudanças marginais
danificariam ainda mais a legitimidade da instituição. E estamos tendo
algum sucesso. Certamente por
coincidência, as reportagens nos jornais brasileiros aparecem num momento em que, pela primeira vez, há
sinais de que uma mudança significativa na estrutura de votos começa a
ser aceita.
Para o Brasil e os demais países que
represento, uma reforma aceitável
seria aquela que resultasse em aumento apreciável da participação do
Brasil, do nosso grupo de nove países
e do conjunto dos países em desenvolvimento.
Vamos continuar nessa luta.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net
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