São Paulo, quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Melindres no FMI?


O Brasil e outros países em desenvolvimento lutam há cerca de dez anos para mudar a distribuição de votos no FMI

ESTOU EM Washington, enfrentando o inverno inclemente, mas não posso me queixar -ainda não fui esquecido pela imprensa brasileira. Ontem e anteontem, dois dos nossos grandes jornais -"O Estado de S.Paulo" e o "Valor Econômico"- dedicaram considerável espaço para -não há outra palavra- desancar a minha atuação aqui no FMI.
Fiquei um pouco acabrunhado, claro. Baseando-se em fontes protegidas pelo anonimato, os jornalistas capricharam. A agressividade da minha atuação estaria supostamente "começando a incomodar". O meu temperamento "abrasivo" e "impetuoso" teria criado mal-estar no FMI e desavenças com meus colegas de diretoria. Acusam-me até de "azedar" e de "atrapalhar o andamento de algumas reuniões". Bem, essas reportagens me fizeram lembrar aquela tirada, que já citei nesta coluna uma vez: "People have been spreading the wildest lies about me, and the worst of it is that half of them are true!" (estão espalhando as mentiras mais loucas a meu respeito, e o pior é que a metade delas é verdadeira!). Ainda não consegui verificar se a tirada é de Winston Churchill ou de Oscar Wilde.
O que há de verdadeiro nessas reportagens é que realmente ocorrem discussões bastante acirradas aqui no Fundo. Tenho tido diversos embates, especialmente com os diretores da Europa ocidental, que está super-representada na organização e reluta muito em ceder espaço aos países em desenvolvimento, como o Brasil. Às vezes, eles escutam o que não querem, mas o mesmo ocorre comigo e outros representantes de países em desenvolvimento. O nosso papel é esse mesmo: lutar pelos interesses dos nossos países, e não simplesmente fazer parte de um clube confortável aqui em Washington.
Mas esses embates têm ocorrido de forma civilizada, sem levar a ruptura de relações pessoais. Tenho um diálogo constante e cordial com todos os demais 23 membros da diretoria, sem exceção. Em alguns casos, aliados estão se transformando em amigos.
Uma das grandes questões em jogo é a redistribuição do poder de voto dentro do Fundo, extremamente concentrado nas mãos dos países desenvolvidos. O Brasil, em aliança com outros países em desenvolvimento, luta há cerca de dez anos para mudar esse quadro. A luta começou quando Murilo Portugal era diretor-executivo e continuou com Eduardo Loyo, meu antecessor imediato. Foi difícil colocar o tema na agenda do FMI, mas conseguimos finalmente.
De uma maneira geral, os países desenvolvidos ainda tentam esvaziar a reforma. Um recurso que eles têm é alegar que a discussão está demorando demais e tentar arquivar a reforma. Esse caminho é politicamente inviável. Outra tentativa é fazer uma não-reforma, isto é, ajustes marginais nas cotas e nos votos que em nada alterariam a distribuição de poder.
Nós, representantes dos países em desenvolvimento, estamos argumentando que mudanças marginais danificariam ainda mais a legitimidade da instituição. E estamos tendo algum sucesso. Certamente por coincidência, as reportagens nos jornais brasileiros aparecem num momento em que, pela primeira vez, há sinais de que uma mudança significativa na estrutura de votos começa a ser aceita.
Para o Brasil e os demais países que represento, uma reforma aceitável seria aquela que resultasse em aumento apreciável da participação do Brasil, do nosso grupo de nove países e do conjunto dos países em desenvolvimento. Vamos continuar nessa luta.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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