São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 1998

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TRABALHO
Indicador de produtividade, salário e câmbio é positivo, mas resposta na exportação esbarra na crise mundial
Custo da mão-de-obra na indústria cai 10%

GABRIEL J. DE CARVALHO
da Redação

A competitividade da indústria brasileira, medida pelo custo da mão-de-obra, conseguiu superar neste ano o nível de 1994, o primeiro ano do Plano Real. Só entre 1997 e 1998, o custo caiu 10,1%.
A conclusão é dos economistas Regis Bonelli (Ipea) e Renato Fonseca (CNI), em trabalho sobre custo unitário da mão-de-obra na indústria, indicador composto por dados sobre produtividade, salário e câmbio.
Para um índice 100 em 1990, o ULC (de "unit labor costs") chegou a 96,1 no ano de estréia do Real, se elevando nos dois anos seguintes para 113,9 e 113,7. O crescimento do índice mostra perda de competitividade.
Em 1997 o ULC já havia caído para 104,7. Dados até agosto revelam que em 1998 o indicador recuou para 94,1. Em 1993, ano anterior ao Real, o ULC estava em 92,7.
Visto assim, isoladamente, o ULC indicaria que a indústria brasileira está em condições de ganhar mercados por todo o mundo, impulsionando as exportações.
Acontece que os demais países, concorrentes do Brasil, tem seus respectivos ULCs. Como aqui, o quadro da competitividade industrial não é estático lá fora. Além disso, há outros fatores que influenciam a disputa por mercados.
Fonseca diz que o ULC dos EUA e de países europeus tem mantido certa estabilidade. Mais recentemente, o Brasil até melhorou sua posição relativa quanto à Europa, devido à componente cambial.
O dólar, ao qual o real está atrelado, embora não tenha paridade estrita, se desvalorizou diante das principais moedas européias -e também em relação ao iene.
O maior problema, observa o economista, é que depois das crises asiática e russa a demanda mundial se retraiu muito, afetando as exportações brasileiras. Os produtos asiáticos, por sua vez, ganharam competitividade com a forte desvalorização cambial, não anulada pela inflação interna.
²

Ganhos de produtividade A melhoria da competitividade da indústria brasileira foi puxada pelos ganhos de produtividade. Os demais componentes do ULC, salário e câmbio, seguraram o avanço desse indicador, só melhorando a partir de 1997.
Não é de hoje que a produtividade da indústria brasileira vem crescendo, num ritmo sem precedentes, segundo os autores do trabalho. Paradoxalmente, afirmam, o país perdeu competitividade em relação a vários países desde 91/92.
No entender de Fonseca e Bonelli, os ganhos de produtividade foram anulados pelo crescimento do custo da mão-de-obra. Entre 1990 e 1996, a produtividade avançou 61,9%, mas o salário médio em dólares cresceu 84%, e o salário real, 75,5%.
Isso não significa que o trabalhador na indústria passou a nadar em dinheiro. O salário real a que se referem os autores foi deflacionado pelo IPA-industrial. Mede o salário do ponto de vista do empregador, e não do poder de compra do operário. Aqui, o salário real relevante é o deflacionado por índices de preços ao consumidor.
Para medir competitividade, entretanto, o que importa é o salário em relação ao preço da indústria, refletido no IPA setorial.
A perda de competitividade da indústria brasileira, segundo Bonelli e Fonseca, não se relacionou apenas à valorização do real diante do dólar. O salário também avançou bem mais que os preços da indústria.
No mesmo período de 1990 a 1996, enquanto o salário deflacionado pelo IPA-industrial crescia 75,5%, o real apresentava uma valorização de 4,6% diante do dólar (deflacionado pelo mesmo índice).
De 1990 a 1998, o maior crescimento do custo unitário da mão-de-obra (18,6%) ocorreu em 1995, quando o salário real cresceu 13,9% e a valorização cambial alcançou 7,5%. No mesmo ano, a produtividade subiu 3,8%, e o salário médio em dólares, 23,1%.
Depois de 1996 o ULC da indústria brasileira passou a cair de forma crescente (ver tabela), indicando melhoria na competitividade.
Entre 1997 e 1998 (média até agosto), quando o ULC recuou 10,1%, o índice da produtividade continuou a avançar (9%), ao passo que o salário médio em dólares caiu 2%, o salário real cresceu 3,1% e a desvalorização cambial (em termos reais) atingiu 5,2%.
O custo unitário da mão-de-obra da indústria brasileira, portanto, evolui favoravelmente. O ritmo de crescimento da produtividade caiu, mas, em compensação, os componentes de salário e câmbio deixaram de atuar na contramão. O do salário, diz o economista, pode melhorar ainda mais com a flexibilização dos encargos trabalhistas.
Um sinal da maior competitividade, no entender de Fonseca, está no aumento das exportações de manufaturados brasileiros para a Europa e EUA este ano. De janeiro a setembro, o crescimento foi de 26% e 12,5%, respectivamente.
Mas, segundo ele, isso não vai resolver o problema do déficit comercial do país, pelo menos até o ano que vem. A estratégia gradualista da política econômica do governo FHC tropeçou justamente onde não deveria tropeçar. "Infelizmente, entramos numa crise mundial", afirma Fonseca.



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