São Paulo, Sexta-feira, 14 de Janeiro de 2000


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LUÍS NASSIF

Um ano depois

Um ano depois do anúncio da "banda cambial exógena" e da implosão da política cambial anterior, nenhuma das expectativas catastróficas se confirmou. Queda do PIB de mais de 6%, inflação de mais de 60% ao ano, desorganização da economia, nada ocorreu. Pelo contrário, inicia-se o ano 2000 com o país ainda machucado pelos desmandos anteriores, mas com a melhor perspectiva em muitos anos.
Instados a explicar os erros de previsão, economistas que transformaram política cambial em matéria de fé safaram-se com o álibi da maioria -se todo mundo errou, ninguém errou.
O episódio merece considerações um pouco mais aprofundadas do que a mera busca de álibis ou de culpados. Sua importância reside no fato de ter representado o canto de cisne de uma das politizações mais nefastas que vitimou o país no período: a manipulação do conhecimento econômico como forma de exercício de poder, por parte de grupos acadêmicos encastelados no governo ou em consultorias.
Infelizmente, ainda não significou uma reavaliação do jornalismo econômico, em relação à importância da diversificação de fontes, para não se apresentarem visões parciais da realidade.
O processo de formação de consenso sobre a política cambial anterior foi prova inequívoca do subdesenvolvimento intelectual que caracteriza ainda o país. A defesa intransigente do câmbio permitiu a um conjunto de consultores e de autoridades públicas conquistar um espaço hegemônico na mídia, inicialmente pela facilidade de acesso a essas fontes -as chamadas fontes em permanente disponibilidade.
Quando os fatos começaram a demonstrar a loucura de se prosseguir com a política anterior, passou-se a recorrer a slogans vazios de sentido. O absurdo maior era o argumento de que não se poderia reduzir os juros enquanto não se tivesse superávit fiscal -quando a própria manutenção da política de juros inviabilizava qualquer ajuste futuro.
O pior foi o fundamentalismo que cercava as discussões. Qualquer pessoa que questionasse o nível de juros ou a manutenção do câmbio era jogada na vala comum dos "inimigos do ajuste fiscal". O patrulhamento chegou ao auge com um famoso artigo onde se tentava caracterizar todas as críticas contra a política cambial e monetária como provindas do "arco do atraso".
Esqueceu-se completamente da análise da realidade, da utilização de princípios básicos de prudência financeira. Qualquer executivo financeiro, de posse do histórico do balanço de pagamentos e do aumento da dívida pública, concluiria pela impossibilidade de manutenção do modelo.
No dia em que assumiu o Banco Central, Francisco Lopes fez uma declaração de pouca repercussão na época: o BC, ou pelo menos ele, jamais contara com os US$ 40 bilhões de reservas de "hot money" -cuja manutenção implicou um custo pesadíssimo para o país.
Mas, como a cobertura girava sempre em torno de meia dúzia de fontes, passava-se para a opinião pública que a defesa do câmbio era verdade científica. Esse movimento inibiu o aparecimento de posições contrárias, pelo acomodamento de muitos analistas de preferir errar junto com a maioria, do que arriscar-se em raia própria.
O preço para o país foi fantasticamente elevado. Não apenas pelos passivos criados, mas por ter atrasado em vários anos a retomada do desenvolvimento e a atração de capitais para atividades produtivas -justamente no período das mais velozes transformações da história.
É difícil saber se as lições foram aprendidas. Mas, se o país aprendesse com facilidade, há muito teria deixado de lado o subdesenvolvimento.



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