São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 2004

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LUÍS NASSIF

O caso Garoto

A campanha que o presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), João Grandino Rodas, está conduzindo contra o órgão que dirige é o maior desserviço à luta pela autonomia das agências reguladoras e pela implantação do direito econômico no país de que se tem notícia.
Que Grandino discorde da decisão faz parte do jogo. Sua reação posterior é incompreensível por dois motivos. Primeiro, por expor amplamente o órgão às pressões políticas -maneira mais rápida de destruir sua autonomia. Segundo, pela própria reação em si.
No dia do julgamento da compra da Garoto pela Nestlé, apesar da maioria acachapante de conselheiros contrária -quatro votos contra e apenas o de Grandino a favor-, chamou a atenção a reação idêntica de total surpresa e agressividade contra a decisão por parte de duas pessoas: o presidente da Nestlé, Ivan Zurita, e Grandino.
Por que essa certeza cega de Zurita de que a compra seria aprovada? Por que essa reação desmedida de Grandino contra uma decisão tão maciçamente contrária à sua?
À medida que as informações vão pingando, se fica sabendo de um acordo prévio entre a Nestlé e o Cade, para não tomar nenhuma medida que pudesse transformar a compra em ato irreversível. Também se fica sabendo do interesse de outras gigantes do setor em adquirir a empresa e preservar a competição. Finalmente, se fica sabendo que a Nestlé, por precaução, nem sequer pagou integralmente o preço acertado com os antigos controladores da Garoto. Portanto o veto à compra era uma possibilidade que sempre esteve presente na operação e não coloca em risco a Garoto -a menos que a Nestlé decida liquidá-la.
O direito econômico é uma ciência viva, que deve ser permanentemente analisada à luz das transformações na economia e das experiências passadas. Chamo a atenção para os efeitos de dois episódios de concentração econômica sobre um aspecto mais visível da competição: as verbas publicitárias. Comparem-se os gastos publicitários da Antarctica e da Brahma antes e depois da fusão. Faça-se o mesmo com as verbas destinadas à guerra dos cremes dentais depois que a Kolynos foi absorvida. A queda foi brutal.
O que interessa nos exemplos são as campanhas como reflexo da competição. Só anuncia quem compete. E quem compete tem interesse em reduzir preços, melhorar o atendimento ao consumidor etc. Nos dois casos, a redução da competição no setor foi proporcional à queda das receitas publicitárias.
No caso da venda da Kolynos, a alegação é que o comprador precisava da empresa para garantir exportações e a sua sobrevivência econômica. Chegou-se a uma saída salomônica -não utilizar mais a marca Kolynos-, mas o resultado prático foi a preservação do market share da Kolynos.
O único risco da operação é a Nestlé optar por asfixiar a Garoto. Embora não se vá esperar atitude dessas, por parte de uma empresa com as preocupações sociais da Nestlé, o Cade precisa agir preventivamente.
Mas uma coisa está clara no processo: é hora de o sr. Grandino adotar a única atitude coerente com sua reação ao episódio e com o dano que causou a todos os que defendem agências reguladoras autônomas: pedir demissão.

Bingo!
As revelações da revista "Época" sobre o esquema do bingo e do bicho rasgam de vez a fantasia. Durante todo esse período a luta contra essa praga ficou nas mãos de poucos procuradores, enfrentando toda sorte de pressões e/ou de indiferença. Agora, virou tema central da política brasileira. Ou se aproveita a oportunidade para acabar de vez com essa praga urbana ou soçobram todos.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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