São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Estacas e estacamento (Piripaque 2)

Gerenciar obras de vulto é aventura fantástica, mas não resolve o enigma do estancamento nacional

COMO SÃO sempre longos os vôos de deslocamento para promover e fiscalizar as muitas estacas do PAC, recomendaria ao presidente Lula levar o texto "Simplificando o Brasil" como leitura de bordo. O pequeno livro, recém-publicado sob os auspícios da Fecomercio SP, que pretende logo encaminhá-lo ao nosso presidente, contém a narrativa dos melhores momentos de extensa pesquisa sobre nossas principais mazelas econômicas e como tentar se livrar delas. Por isso é uma receita segura para crescer com sustentabilidade.
Os profissionais encarregados das várias fases da pesquisa estão entre os mais destacados do país, nomes do quilate de Maria Helena Zockun, Helio Zylberstajn, Juarez Rizzieri e Simão Silber, do time de grandes professores da Fipe-SP, e outros, como Fabio Silveira, da RC Consultores, e Carlos Thadeu de Freitas Gomes, do Ibmec e do CNC.
O "Simplificando o Brasil" é um recado de alerta para os incautos do neodesenvolvimentismo "made in Brasília". É preciso ter muito cuidado com a conclusão, curta e torta, de que a retomada do crescimento depende só de o setor público apertar o botão e soltar a manivela dos investimentos públicos. Evidentemente investimentos liderados pelo Estado em certos setores-chave, como treinamento, pesquisa, saúde e desburocratização geral, ajudariam demais. Esses são, contudo, os que o governo menos fez. Ai estão os números catastróficos da "educação" para comprová-lo.
Segue na cabeça da inteligência nacional a falsa noção de que o crescimento minguou porque o impulso do gasto público passava a ser menor do que antes. Mas como? A questão é inversa. Não tem tido e não terá êxito a aplicação do remédio sugerido pelo economista inglês J. M. Keynes para a situação vivida pelas economias industriais na Grande Depressão: fazer déficit público maior, liberar recursos do Estado para obras, resgatando o setor privado do buraco da deflação de preços. A cartilha keynesiana é inaplicável como remédio ao "rentismo estatogênico", tão bem descrito outro dia (10/02) pelos professores da USP Leda Paulani e Rodrigo Teixeira nesta coluna da Folha.
A insistência em crer que o Brasil precisa de um "plano de obras" é fruto da inocência mal informada. Óbvio que o país carece de muitas obras. Mas a articulação entre os setores público e privado é essencial. Como bem demonstrado na pesquisa publicada no "Simplificando" (pág. 113), os investimentos do setor privado seriam de 10% a 20% mais elevados se houvesse mudança de expectativas entre os empresários, grandes e pequenos, de que as principais fontes de vazamento do gasto público seriam consertadas com rapidez: Previdência, encargos da enorme dívida pública, fundos sociais, desperdícios correntes.
Tudo isso é acompanhado pelos agudos sensores dos que tomam decisões na economia, seja grande empresário ou dona-de-casa e, como a pesquisa revela, tem efeito de neutralizar os esforços do governo em tentar convencer a sociedade de ter encontrado a fórmula do equilíbrio fiscal ao gastar mais e comprometer ainda mais a carga tributária da sociedade no futuro.
Há quem duvide da sensibilidade das pessoas diante das questões econômicas. Então impõe-se aos céticos um exercício fácil: qual tem sido o efeito do extraordinário crescimento mundial dos últimos nove anos sobre a economia do Brasil? Onde foi parar tanta demanda externa puxando a produção nacional para a frente? Os péssimos números do crescimento brasileiro indicam que o Estado cresceu, em gastos, o dobro da velocidade do abúlico setor privado.
Por quê? Óbvio que não foi falta de estímulo externo a origem da desanimação nacional. Pelo contrário: o próprio Estado, que tem ocupado (embora mal) todo o espaço do crescimento, previne qualquer reação do setor inibido ao praticar a política de juros que conhecemos bem, cuja transmissão ao câmbio é imediata, deprimindo a rentabilidade da produção doméstica, enquanto mantém, com os depósitos compulsórios bancários mais altos do mundo, uma pena de morte ao crédito produtivo.
Gerenciar obras de vulto é aventura fantástica, um "barato" que dá uma mídia excelente, mas não resolve o enigma do estancamento nacional, essa forma rara de esclerose precoce da sociedade brasileira pós-inflacionária.


PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

rabellodecastro@uol.com.br


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