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OPINIÃO ECONÔMICA
Social-democracia
JOÃO SAYAD
Hotéis e restaurantes têm nomes misteriosos. Ritz, Esplanada, Luxor ou então, aqui no
Brasil, Avenida, Central. O que
quer dizer Ritz, onde está a esplanada, por que Central se está tão longe de tudo?
O que aconteceu com a social-democracia brasileira,
francesa e espanhola?
Não serve a resposta "eles
aprenderam que mercado, concorrência e privatização são as
melhores soluções". Por que
mudaram de idéia se a realidade de pobreza, desemprego e
concentração da distribuição
de renda não mudou, ao contrário, se agravou nos últimos
20 anos em todos os países da
Europa e nos Estados Unidos?
Será que o pensamento social-democrata ainda existe,
mas as forças poderosas do capital financeiro internacional,
dos mercados e da concorrência
internacional silenciaram sua
voz? Será que o mercado impede que no Brasil, na França e
na Espanha, pelo menos, o governo faça investimentos em
áreas estratégicas do desenvolvimento industrial, impede que
a distribuição de renda se deteriore, preocupa-se com o pleno
emprego e com o nível de salários?
A China desmente a resposta.
É o país que mais cresce no
mundo, nos últimos dez anos
(10% a.a.), recebe grande volume de capital externo, incentiva
as exportações, controla as importações, não quer privatizar
as empresas que continuam gigantescas e estatais, não é democrática e não quer nem ouvir
falar em propriedade privada
da terra ou do capital.
Entretanto, o capital está lá e
argumenta, otimista, que um
dia tudo isto vai mudar e a China oriental e misteriosamente
vai se tornar o paraíso do livre
comércio.
Pode ser que a China tenha
dois atrativos para o capital financeiro internacional -1 bilhão de chineses e salários muito baixos- que permitam aos
chineses continuarem comunistas e desobedientes aos ditames
da razão da época e do mercado.
Por que os governos social-democratas da França, da Espanha e do Brasil gastam pouco
na área social, têm a privatização como prioridade número
um e querem "flexibilizar" o
mercado de trabalho e reformar
a previdência?
Talvez a classe que o partido
social-democrata representava
tenha mudado de idéia. Os trabalhadores perderam o emprego e deixaram de ter voz na
vida política nacional. Ou porque foram terceirizados e hoje
se consideram empresários. Ou
porque depois de vender o trabalho às empresas foram seduzidos pela mídia e venderam a
alma também. E a social-democracia apenas se adaptou ao
mercado de eleitores.
Talvez a social-democracia
nunca tenha sido a representante legítima dos interesses dos
trabalhadores e nunca tenha
passado de um grupo de intelectuais e políticos que imaginavam que compreendiam e representavam trabalhadores,
mas não compreendiam nem
representavam.
Mas se é assim, por que os
intelectuais dos partidos social-democratas mudaram de
idéia? Apenas pela ambição do
poder? Mas para que ganhar o
poder se querem se comportar
como líderes de outros partidos
e seguir passivamente as regras
do mercado?
Existe uma resposta otimista
para tantas perguntas. Talvez a
social-democracia aqui e em
outros países latinos esteja
agindo maquiavelicamente.
Entrega alguns anéis -a privatização, o abandono da política
industrial, as taxas de juros altas, o pleno emprego-, mas
não perde os dedos- aproveita
a tranquilidade propiciada ao
capital para investir em educação, saúde pública e combate à
pobreza. Estaria fazendo a política possível em face dos limites
impostos pela realidade.
Existe também uma resposta
pessimista.
O partido que apoiava o governo militar passou a se chamar Partido Democrata Social.
Hoje, o partido mais à direita
do espectro político se chama
Partido Popular Brasileiro. O
partido dos políticos mais ligados às práticas de negociação
pessoal, setorial ou regional se
chama Partido da Frente Liberal.
O governo brasileiro se apóia
em dois partidos: a frente liberal e a social-democracia brasileira. Talvez social-democracia
em português, francês e espanhol seja apenas um nome como outro qualquer, escolhido
no dicionário dos nomes de
partidos políticos, como nomes
de hotéis e restaurantes.
João Sayad, 51, economista, professor da
Faculdade de Economia e Administração da
USP e ex-ministro do Planejamento (governo
José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta
coluna. E-mail:jsayad@ibm.net.br
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