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São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Por que a pressão contra o IGP?

ANTONIO CARLOS PÔRTO GONÇALVES

O igp , Índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas, tem sido alvo de muitas críticas. Muitos o têm acusado de ser um índice antigo e desatualizado, não refletindo, assim, a real inflação da economia. Além disso, dizem que, por sua composição, estaria superestimando a variação dos preços. O que se pretende aqui é desmistificar algumas lendas criadas em torno do IGP e avaliar a sua real utilidade.
O IGP não é um índice que capta meramente o movimento dos preços ao consumidor ou dos por atacado. Como o próprio nome diz, é um índice geral, criado para funcionar como um deflator mensal do nível de preços praticados na economia como um todo. Dessa forma, o índice leva em conta tanto os preços praticados no atacado quanto os praticados no varejo, além dos custos da construção civil. É importante ressaltar que, diferentemente do que alguns apontam, quando são considerados simultaneamente os preços por atacado e ao consumidor, não há dupla contagem, pois as ponderações utilizadas são baseadas em valor adicionado, como é feito no cálculo do deflator do Produto Interno Bruto.
Por sua composição, o IGP não reflete os custos diretamente ligados à operação de um setor específico da economia -e é aqui que reside grande parte das críticas dirigidas ao índice. Se o IGP não é um índice setorial, como pode, então, ser usado como indexador de contratos de empresas de telefonia, eletricidade ou qualquer outro serviço público?
Primeiramente, é preciso lembrar que as empresas não têm apenas custos operacionais. Elas têm também significativos custos financeiros, que muitas vezes flutuam na mesma direção da taxa de câmbio. E o IGP, como todos sabem e alguns criticam, é composto 60% pelo IPA (Índice de Preços por Atacado), o qual, por sua vez, é influenciado pela taxa de câmbio.
Nesse sentido, o IGP é inegavelmente um índice apropriado para corrigir os custos de qualquer empresa que tenha dívida ou capital externo. E empresas com esse perfil de endividamento não são raras. Ao contrário, têm importante participação no produto total da economia, até porque o governo incentiva a captação de recursos no exterior. Isso sem falar nos inúmeros insumos utilizados na produção de qualquer empresa, seja ela pertencente ao setor industrial, de comércio, de serviços ou agropecuário, cujos preços são cotados pelo dólar.
Vale lembrar que os preços por atacado não são instantaneamente contaminados pelo câmbio, o que ocorre, em média, em cerca de dois meses. Da mesma forma, os preços ao consumidor não são imediatamente afetados pelos do atacado, pois ocorre uma espécie de bolha ou represamento de preços, caso a demanda na economia esteja fraca. Mas cedo ou tarde, em menor ou em maior grau, a bolha acaba estourando, afetando os preços ao consumidor.
Assim, no longo prazo observa-se que as variações do IGP e do IPC são bastante semelhantes. A diferença entre as taxas de variação do IGP-DI e do IPC-RJ, desde 1944 até hoje, foi, em média, de 0,014 ponto percentual. Enfatizando: a taxa de variação do IPC foi, em média, 0,014 ponto percentual superior à do IGP!
Outra crítica bastante comum ao IGP é que ele estaria caduco, por sua "idade". No entanto, quem assim pensa ignora que há uma grande diferença entre ser antigo e ser ultrapassado. De fato, o IGP é um índice antigo -aliás, um dos mais antigos do país. É calculado mensalmente e ininterruptamente desde 1944 -o que, a meu ver, só lhe confere qualidades. Além disso, sua composição é revista constantemente. Ou seja, trata-se de uma série de índice de preços consistente, confiável e atualizada, feita mês a mês há quase 60 anos. E essa, sozinha, já seria uma excelente razão para dar continuidade a informações econômicas tão valiosas.
A confiabilidade do IGP não se restringe apenas à sua composição e tradição. A idoneidade do índice já foi mais que comprovada em outras ocasiões em que o IGP também foi atacado. E, sem querer tirar o mérito dos outros índices de preços brasileiros, aos olhos dos investidores um indicador calculado por uma instituição privada transmite mais imparcialidade.
É preciso sempre analisar com muito cuidado as críticas dirigidas ao IGP e o momento em que são feitas. Os contratos jurídicos que envolvem a correção de algum valor monetário prevêem que, no caso de extinção do índice indexador, ele será automaticamente substituído por outro. E, por ser um índice que tende a atingir taxas mais altas quando há desvalorização cambial, não são poucas as pressões para a sua extinção nesses momentos. As campanhas "anti-IGP" chegam a apelar até para aspectos sociais, como se a extinção do índice fosse também eliminar a pobreza ou as desigualdades do país.
Obviamente, o fato de o IGP ser um índice com as já mencionadas qualidades de tradição, consistência e confiabilidade não o isenta de sofrer revisões técnicas constantes, tornando-o sempre o mais apropriado possível. À medida que alguns mercados ganham e outros perdem importância, determinados itens devem passar a fazer e outros a deixar de fazer parte do índice. Em alguns casos, pode ser necessário fazer uma nova ponderação dos itens que o compõem. Esse é um trabalho contínuo e, ao final do primeiro semestre deste ano, estará concluída mais uma revisão de todo o processo metodológico de cálculo do IGP, de maneira a aperfeiçoá-lo ainda mais.
Enfim, se o IGP fosse arbitrariamente alterado ou extinto, o país estaria perdendo, pois isso seria o mesmo que rasgar contratos, o que acarretaria grave queda no nível de confiança e de investimentos na economia, com implicações negativas para o nosso desenvolvimento econômico e social. E a Fundação Getúlio Vargas, cuja missão é estimular o desenvolvimento nacional, sabe muito bem de suas responsabilidades.


Antonio Carlos Pôrto Gonçalves, 56, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).


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