São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Surpresa! Agora somos o 15º

PAULO RABELLO DE CASTRO

Uma das principais notícias da semana passada não foi novidade, mas foi surpresa. Rendeu vários editoriais, entre recomendativos e consternados, o fato de se haver atualizado a estatística da posição relativa do Brasil, em termos de produção e renda nacional, ante os demais países do mundo. Feitas as contas -bingo!-, o PIB brasileiro teria caído da 12ª para a 15ª posição no ranking dos países mais robustos.
Só que não há novidade nenhuma no fato. A surpresa está no fato de terem feito a conta, para conferir o que todos já sabíamos: que estamos partindo para uma desclassificação antecipada do campeonato mundial de países considerados economicamente relevantes. A surpresa é antiga. Antes da eclosão dos chamados "tigres asiáticos", que crescem a uma faixa média de 7% a 8% por ano, o desempenho brasileiro do pós-guerra (período 1950-1980) nos dava a chance até de disputar a liderança mundial do crescimento. Quem não se lembra de como era fácil (visto de hoje) arrumar um emprego ou empreender um negócio nos anos 60 ou 70?
O crescimento acelerado do país proporcionava a multiplicação das oportunidades, mesmo apesar da herança histórica de nossa péssima distribuição de renda e a gravosa falta de escolaridade básica. O país funcionava. Até o governo conseguia funcionar. Isso era PIB crescendo. Com isso, chegamos a encostar na posição da oitava economia do planeta, posição invejável para um país moreninho, pouco educado, mas alegre, altivo, cordial e trabalhador. Esse era o Brasil.
A autoconfiança se perdeu. Vimos despencando há bastante tempo no ranking dos países. Sem surpresa, o Plano Real, com a provisória valorização da moeda que propiciou, nos fez sentir que tínhamos reencontrado o pote de ouro no quilo do frango cotado a R$ 1 e nas viagens gastadoras dos turistas brasileiros. Nesse breve período, chegamos a calcular nosso PIB a US$ 800 bilhões, o que nos devolvia a nona posição. Por conta desse "barato", Lula perdeu sua terceira eleição presidencial. Mas era mentirinha...
O mundo cresce, em média, cerca de 3% ao ano. O Brasil está com seu pedal de aceleração ajustado para rodar a 2% ao ano. É para onde converge a curva do PIB do Brasil dos últimos dez anos. A matemática é simples. O Brasil crescerá menos que a média mundial. A cada ano, um ou dois países vão passar o tamanho da economia brasileira até que nos acomodemos lá pela 30ª posição. Nada de espantoso. É o que temos feito por merecer.
Nossa definição de políticas econômicas não é voltada para o objetivo de crescer. Nosso compromisso político não é com o crescimento. Quando falo de compromisso, não me refiro a bondosas declarações de intenção. Ninguém é bobo. Do presidente da República ao mais modesto chefe político local, todos sabem reconhecer o papel da esperança coletiva no imaginário de um povo. Só que está difícil convencer o pessoal. Discursos e promessas desabam diante da fila dos desempregados ou debaixo do cobertor curto do orçamento familiar que não chega ao final do mês. É a estagnação econômica de largos segmentos da vida nacional, por benção divina aliviada de ruína maior graças ao desempenho dos setores "esquecidos": a agricultura, os serviços pessoais e os pequenos negócios.
Mas a grande verdade é que não se pode mais falar de uma "arquitetura do crescimento" no Brasil, já que planejamento virou palavrão, e plano de metas o mercado só deixa adotar se forem as metas inflacionárias! Piada pura. De mau gosto. Viramos personagens ridículos na cena mundial, não porque sejamos mais pobres ou menos dotados, mas por havermos perdido a chama do querer. Quando uma torcida se enraivece diante do time que só decepciona, isso é bom. Mas a torcida pelo crescimento do Brasil está abafada pelo mais abjeto conformismo, uma espécie de tolerância na espera tão absurda quanto a do solitário passageiro aguardando o trem na velha estação desativada.
Uma notícia financeira, também da última semana, emoldura e dá o colorido pálido dessa realidade. A notícia boa é que a CPMF vai deixar de ser cobrada em transferências realizadas, por um mesmo investidor, entre distintas contas de seus investimentos. Ou seja, o Estado deixa de cobrar o pedágio da CPMF quando o investidor transfere depósitos na tentativa de melhorar o desempenho de sua carteira.
Só que há a má notícia junto. A bondade do fisco de não cobrar o que jamais deveria ser objeto de cobrança só começa a vigorar em agosto e para contas novas. As contas já existentes, só daqui a dois anos. Entendeste o porquê? Se não, é por que compreendeste o sentido maior da coisa. Não há aquela urgência em prol da desobstrução dos obstáculos ao crescimento. Não há a angústia pelo aperfeiçoamento, por exemplo, dos instrumentos de formação das poupanças familiares de longo prazo. Outro exemplo. Pela regra atual, o fisco taxa, como se fosse produto de uma renda anual, o resultado do pecúlio de poupança formado por um cidadão de renda baixa ao longo de 10 ou 20 anos de acumulação constante.
Não há o desenho de um mercado de capitais capaz de ajudar o país a voltar a crescer no seu potencial. Por isso, amargamos, hoje, a 15ª posição. Por enquanto.


Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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rabellodecastro@uol.com.br


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