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INTEGRAÇÃO
Chanceler mexicano defende que todos os países da América Latina assinem documento que pede alteração em regra do Fundo
México apóia proposta brasileira para o FMI
Alan Marques/Folha Imagem
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O economista e chanceler mexicano, Luis Ernesto Derbez, que veio ao Brasil discutir relações bilaterais e aliança entre os dois países |
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O México não só apóia o documento de Brasil e Argentina que
propõe mudanças nas regras do
Fundo Monetário Internacional
como defende que todos os países
da América Latina assinem um
documento conjunto no mesmo
sentido, para facilitar o desenvolvimento econômico de cada país
e do continente como um todo.
"Seria uma declaração conjunta
de todos os países da América Latina, como uma reivindicação ao
FMI e ao Banco Mundial", disse
em entrevista à Folha o chanceler
do México, o economista Luis Ernesto Derbez, 57, que passou cerca de 24 horas em Brasília para
discutir questões bilaterais e uma
aliança Brasil-México que sirva de
ponte entre o Norte e o Sul da
América Latina.
Quanto ao FMI, a intenção é flexibilizar a inclusão de investimentos no peso do cálculo do superávit primário, que arrocha as economias e contém o desenvolvimento e os empregos. O mexicano esteve ontem com o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
Folha - O que é possível fazer para
ampliar o comércio entre os dois
países, se 85% da economia do México é atrelada aos EUA?
Luis Ernesto Derbez - Há dois
anos e meio, três anos, quando o
Brasil viveu uma crise econômica,
imediatamente o México acudiu,
concedendo abertura do nosso
mercado à indústria automobilística, via vários acordos conjuntos.
O resultado foi um incremento no
comércio bilateral, com vantagem
superavitária para o Brasil. É bom
para o Brasil e é bom para o México, que passa a ter uma dependência menor com os EUA e
maior com outros países do nosso
continente.
Folha - No Brasil, há a idéia de
que o México é tão atrelado politica e economicamente aos EUA que
não valeria a pena investir mais no
país. Como o sr. reage a isso?
Derbez - É uma percepção equivocada. Temos uma fronteira comum de 3.500 km com os EUA,
mas, culturalmente, o México está
muito mais próximo do Brasil e
de toda a América Latina do que
jamais estará dos EUA, até pela
questão do idioma.
Brasil e México podem ser os
motores de apoio para o resto dos
países da América Latina tanto
nos interesses econômicos quanto no diálogo político.
Folha - Que tipo de apoio Brasil e
México podem dar aos demais países da América Latina?
Derbez - Sendo os dois maiores
países, temos o dever de respaldar
nossos colegas em todos os acordos comerciais, nos investimentos, no desenvolvimento tecnológico. O México pode participar
fundamentalmente com o desenvolvimento de sua indústria, de
sua economia, e o Brasil pode fazer o mesmo. Se pudermos trabalhar em conjunto a relação com o
Mercosul, com a América Central, com os países andinos, com o
Chile, as duas nações podem se
tornar líderes no apoio econômico e nos mercados comuns.
Folha - E na parte política?
Derbez - A América Latina, como região, tem visões distintas de
como deve ser a relação multilateral, da importância que nossos
dois países dão desde a presença
na OEA [Organização dos Estados Americanos] até na própria
ONU [Organização das Nações
Unidas] e trabalhar mais em conjunto, por exemplo, quanto às decisões do Conselho de Segurança.
Dessa forma, nosso bloco tenderá a ter cada vez mais força e
mais apoio para políticas contra
subsídios agrícolas, de equilíbrio
entre Norte e Sul dos continentes
e na relação com a União Européia. Se México e Brasil trabalharem mais juntos, farão eco e serão
porta-vozes dos nossos grandes
problemas. Há muito terreno que
poderemos percorrer.
Em Evian, França, no ano passado, tivemos um bom exemplo
disso. Nossos presidentes, [Vicente] Fox e Lula, trabalharam
juntos no tema da forma e do tratamento público dos financiamentos de organismos como o
Banco Mundial.
Folha - Qual a sua opinião sobre a
atual política externa brasileira,
que dá prioridade ao Mercosul e à
aproximação Sul-Sul em detrimento, por exemplo, do México?
Derbez - Eu não concordo com
isso. Está havendo uma má interpretação de ambas as nações. O
México sente que pode ser ponte
entre o Mercosul e as nações da
América do Norte, inclusive os
EUA, até para resolver conflitos
regionais. O Brasil tem um papel
semelhante na América do Sul,
por suas fronteiras, por sua força
econômica e por uma questão de
migração. Portanto, os dois países
podem ser uma excelente ponte
entre as duas regiões.
A visão equivocada, de certos
setores no Brasil e também no
México, é de competição. Esses
setores preferiam ter competição,
não colaboração, e ficam dizendo
isso, que o México vai ser integrado pelos EUA, que o Brasil se volta exclusivamente para a América
do Sul. São vozes minoritárias,
não contam.
O presidente Fox já foi, inclusive, convidado para ser observador numa reunião do Mercosul e
está convidado para a próxima.
Folha - Os presidentes Lula e Néstor Kirchner (Argentina) firmaram
documento propondo mudanças
no FMI, inclusive para que os investimentos das estatais deixem de
pesar tanto na meta de superávit
fiscal. O México endossa?
Derbez - Basicamente, esse documento é uma manifestação específica do que foi reivindicado
na reunião do Grupo do Rio no
ano passado. O presidente Alejandro Toledo, do Peru, solicitou
a mudança dos organismos internacionais em relação ao déficit.
Desde essa data, Lula e Fox foram indicados pelos colegas para
fazer uma solicitação em Evian
tanto ao FMI e ao Banco Mundial
quanto aos representantes do G8
[grupo dos países ricos]. E o mesmo pedido já foi repetido com a
presença de Kofi Annan [secretário-geral da ONU], prestigiando o
desenvolvimento, a justiça social,
em vez dessas contas excessivamente justas, apertadas.
O documento do Brasil e da Argentina é apenas uma extensão
dessa manifestação que já existia.
Mas é claro que isso dá ânimo e
consistência à reivindicação. Se
trabalhamos em conjunto, todos
os países do grupo do Rio, poderemos ter um documento similar
de maneira coletiva.
Folha - Em qual prazo?
Derbez - Isso depende da forma
e da união com que vamos trabalhar. Eu me arriscaria a dizer que
em um ano, um ano e meio. Seria
uma declaração conjunta de todos os países da América Latina,
como uma reivindicação ao FMI e
ao Banco Mundial.
Folha - Qual a posição do México
diante da proposta do presidente
Lula de uma "CPMF Mundial" para
criar um fundo social para os países
pobres?
Derbez - Nós apoiamos a idéia,
que é uma reivindicação também
internacional. Há, porém, uma
diferença de forma e de concepção. Pelo que entendo, o presidente Lula está mais dedicado a
um tipo de imposição aos fluxos
de capital para criar um fundo de
questões de pobreza. Na visão do
presidente Fox, não haveria necessariamente um imposto, mas
sim contribuições voluntárias das
nações para o fundo. E esse fundo
não seria apenas para programas
sociais, mas também para obras
de infra-estrutura. Em muitos casos, elas são fundamentais para
um processo de desenvolvimento
econômico que tenha reflexos sociais e geração de emprego. O
grande obstáculo que vemos, neste momento, é a dificuldade de
criação de um imposto internacional. É muito complicado.
Folha - Por que o México não
apóia a pretensão brasileira de ter
um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?
Derbez - Nós manifestamos ao
presidente Lula e ao chanceler
Celso Amorim que, se isso ocorresse, o México também reivindicaria uma vaga permanente. É
complicado pensar isso como solução para a problemática atual. A
posição mexicana, mais importante do que aumentar o número
de vagas permanentes, é flexibilizar o sistema, a forma de atuação,
inclusive quanto aos vetos de
umas poucas nações. Isso não é
operativo. No nosso ponto de vista, a mudança não deve ser quantitativa, mas sim operacional.
Folha - E quanto à Alca?
Derbez - É uma situação muito
complicada. Para o México, se
não tiver a profundidade necessária, principalmente para a abertura do setor de serviços, não é uma
proposição atraente. Já temos
uma série de acordos comerciais
com a maior parte dos países da
América Latina, principalmente
com EUA e Canadá, mas não só
com eles. Temos também com
outros países latino-americanos,
inclusive com a grande maioria,
senão a totalidade, das grandes
economias sul-americanas. A
própria ampliação de nosso acordo com o Brasil nos dá autoridade
para pedir mais do que está sendo
proposto na Alca neste momento.
Uma "Alca light" não nos interessa muito, e isso é a diferença na
posição mexicana e brasileira na
questão. Há dicotomia de interesses. O Brasil está mais interessado
na questão agrícola, mas nós não
temos muito a ver com ela e preferimos mais profundidade no setor de serviços e no setor industrial, em que ganharíamos. É mais
fácil tratar a questão entre Mercosul e México.
Folha - México e Brasil coincidem
num ponto: parecem não acreditar
mais no prazo de janeiro de 2005.
Derbez - Estamos sendo mais
realistas. Fechar a porta e dizer
que não é possível é excessivamente pessimista, mas, que está
difícil, está. Sem abordar a questão agrícola, vai ser difícil fechar
em 2005.
Folha - O México vem devolvendo
uma média de cem brasileiros por
mês, depois do fim da exigência de
vistos. Esse é um dos temas de sua
atual visita?
Derbez - Esse é um fenômeno internacional e que está se agudizando para nós no México. Temos muitos migrantes centro-americanos que tentam chegar
aos EUA via México. No ano passado, repatriamos 175 mil centro-americanos a seus países. A mesma rota terrestre vem sendo usada, por exemplo, por equatorianos, peruanos, colombianos. No
caso do Brasil, é preciso evitar que
isso aumente. É preciso também
um acordo sobre o tratamento a
esses migrantes. Assim como exigimos bom tratamento aos nossos migrantes nos EUA, queremos dar aos que estejam no nosso
país. É um tema fundamental. A
idéia é criar centros brasileiros no
México para garantir um processo ordenado. Além disso, é possível um trabalho conjunto México-Brasil sobre o tratamento a
nossos cidadãos que estejam nos
Estados Unidos.
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