São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2004

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INTEGRAÇÃO

Chanceler mexicano defende que todos os países da América Latina assinem documento que pede alteração em regra do Fundo

México apóia proposta brasileira para o FMI

Alan Marques/Folha Imagem
O economista e chanceler mexicano, Luis Ernesto Derbez, que veio ao Brasil discutir relações bilaterais e aliança entre os dois países


ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O México não só apóia o documento de Brasil e Argentina que propõe mudanças nas regras do Fundo Monetário Internacional como defende que todos os países da América Latina assinem um documento conjunto no mesmo sentido, para facilitar o desenvolvimento econômico de cada país e do continente como um todo.
"Seria uma declaração conjunta de todos os países da América Latina, como uma reivindicação ao FMI e ao Banco Mundial", disse em entrevista à Folha o chanceler do México, o economista Luis Ernesto Derbez, 57, que passou cerca de 24 horas em Brasília para discutir questões bilaterais e uma aliança Brasil-México que sirva de ponte entre o Norte e o Sul da América Latina.
Quanto ao FMI, a intenção é flexibilizar a inclusão de investimentos no peso do cálculo do superávit primário, que arrocha as economias e contém o desenvolvimento e os empregos. O mexicano esteve ontem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
 

Folha - O que é possível fazer para ampliar o comércio entre os dois países, se 85% da economia do México é atrelada aos EUA?
Luis Ernesto Derbez -
Há dois anos e meio, três anos, quando o Brasil viveu uma crise econômica, imediatamente o México acudiu, concedendo abertura do nosso mercado à indústria automobilística, via vários acordos conjuntos. O resultado foi um incremento no comércio bilateral, com vantagem superavitária para o Brasil. É bom para o Brasil e é bom para o México, que passa a ter uma dependência menor com os EUA e maior com outros países do nosso continente.

Folha - No Brasil, há a idéia de que o México é tão atrelado politica e economicamente aos EUA que não valeria a pena investir mais no país. Como o sr. reage a isso?
Derbez -
É uma percepção equivocada. Temos uma fronteira comum de 3.500 km com os EUA, mas, culturalmente, o México está muito mais próximo do Brasil e de toda a América Latina do que jamais estará dos EUA, até pela questão do idioma.
Brasil e México podem ser os motores de apoio para o resto dos países da América Latina tanto nos interesses econômicos quanto no diálogo político.

Folha - Que tipo de apoio Brasil e México podem dar aos demais países da América Latina?
Derbez -
Sendo os dois maiores países, temos o dever de respaldar nossos colegas em todos os acordos comerciais, nos investimentos, no desenvolvimento tecnológico. O México pode participar fundamentalmente com o desenvolvimento de sua indústria, de sua economia, e o Brasil pode fazer o mesmo. Se pudermos trabalhar em conjunto a relação com o Mercosul, com a América Central, com os países andinos, com o Chile, as duas nações podem se tornar líderes no apoio econômico e nos mercados comuns.

Folha - E na parte política?
Derbez -
A América Latina, como região, tem visões distintas de como deve ser a relação multilateral, da importância que nossos dois países dão desde a presença na OEA [Organização dos Estados Americanos] até na própria ONU [Organização das Nações Unidas] e trabalhar mais em conjunto, por exemplo, quanto às decisões do Conselho de Segurança.
Dessa forma, nosso bloco tenderá a ter cada vez mais força e mais apoio para políticas contra subsídios agrícolas, de equilíbrio entre Norte e Sul dos continentes e na relação com a União Européia. Se México e Brasil trabalharem mais juntos, farão eco e serão porta-vozes dos nossos grandes problemas. Há muito terreno que poderemos percorrer.
Em Evian, França, no ano passado, tivemos um bom exemplo disso. Nossos presidentes, [Vicente] Fox e Lula, trabalharam juntos no tema da forma e do tratamento público dos financiamentos de organismos como o Banco Mundial.

Folha - Qual a sua opinião sobre a atual política externa brasileira, que dá prioridade ao Mercosul e à aproximação Sul-Sul em detrimento, por exemplo, do México?
Derbez -
Eu não concordo com isso. Está havendo uma má interpretação de ambas as nações. O México sente que pode ser ponte entre o Mercosul e as nações da América do Norte, inclusive os EUA, até para resolver conflitos regionais. O Brasil tem um papel semelhante na América do Sul, por suas fronteiras, por sua força econômica e por uma questão de migração. Portanto, os dois países podem ser uma excelente ponte entre as duas regiões.
A visão equivocada, de certos setores no Brasil e também no México, é de competição. Esses setores preferiam ter competição, não colaboração, e ficam dizendo isso, que o México vai ser integrado pelos EUA, que o Brasil se volta exclusivamente para a América do Sul. São vozes minoritárias, não contam.
O presidente Fox já foi, inclusive, convidado para ser observador numa reunião do Mercosul e está convidado para a próxima.

Folha - Os presidentes Lula e Néstor Kirchner (Argentina) firmaram documento propondo mudanças no FMI, inclusive para que os investimentos das estatais deixem de pesar tanto na meta de superávit fiscal. O México endossa?
Derbez -
Basicamente, esse documento é uma manifestação específica do que foi reivindicado na reunião do Grupo do Rio no ano passado. O presidente Alejandro Toledo, do Peru, solicitou a mudança dos organismos internacionais em relação ao déficit.
Desde essa data, Lula e Fox foram indicados pelos colegas para fazer uma solicitação em Evian tanto ao FMI e ao Banco Mundial quanto aos representantes do G8 [grupo dos países ricos]. E o mesmo pedido já foi repetido com a presença de Kofi Annan [secretário-geral da ONU], prestigiando o desenvolvimento, a justiça social, em vez dessas contas excessivamente justas, apertadas.
O documento do Brasil e da Argentina é apenas uma extensão dessa manifestação que já existia. Mas é claro que isso dá ânimo e consistência à reivindicação. Se trabalhamos em conjunto, todos os países do grupo do Rio, poderemos ter um documento similar de maneira coletiva.

Folha - Em qual prazo?
Derbez -
Isso depende da forma e da união com que vamos trabalhar. Eu me arriscaria a dizer que em um ano, um ano e meio. Seria uma declaração conjunta de todos os países da América Latina, como uma reivindicação ao FMI e ao Banco Mundial.

Folha - Qual a posição do México diante da proposta do presidente Lula de uma "CPMF Mundial" para criar um fundo social para os países pobres?
Derbez -
Nós apoiamos a idéia, que é uma reivindicação também internacional. Há, porém, uma diferença de forma e de concepção. Pelo que entendo, o presidente Lula está mais dedicado a um tipo de imposição aos fluxos de capital para criar um fundo de questões de pobreza. Na visão do presidente Fox, não haveria necessariamente um imposto, mas sim contribuições voluntárias das nações para o fundo. E esse fundo não seria apenas para programas sociais, mas também para obras de infra-estrutura. Em muitos casos, elas são fundamentais para um processo de desenvolvimento econômico que tenha reflexos sociais e geração de emprego. O grande obstáculo que vemos, neste momento, é a dificuldade de criação de um imposto internacional. É muito complicado.

Folha - Por que o México não apóia a pretensão brasileira de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?
Derbez -
Nós manifestamos ao presidente Lula e ao chanceler Celso Amorim que, se isso ocorresse, o México também reivindicaria uma vaga permanente. É complicado pensar isso como solução para a problemática atual. A posição mexicana, mais importante do que aumentar o número de vagas permanentes, é flexibilizar o sistema, a forma de atuação, inclusive quanto aos vetos de umas poucas nações. Isso não é operativo. No nosso ponto de vista, a mudança não deve ser quantitativa, mas sim operacional.

Folha - E quanto à Alca?
Derbez -
É uma situação muito complicada. Para o México, se não tiver a profundidade necessária, principalmente para a abertura do setor de serviços, não é uma proposição atraente. Já temos uma série de acordos comerciais com a maior parte dos países da América Latina, principalmente com EUA e Canadá, mas não só com eles. Temos também com outros países latino-americanos, inclusive com a grande maioria, senão a totalidade, das grandes economias sul-americanas. A própria ampliação de nosso acordo com o Brasil nos dá autoridade para pedir mais do que está sendo proposto na Alca neste momento.
Uma "Alca light" não nos interessa muito, e isso é a diferença na posição mexicana e brasileira na questão. Há dicotomia de interesses. O Brasil está mais interessado na questão agrícola, mas nós não temos muito a ver com ela e preferimos mais profundidade no setor de serviços e no setor industrial, em que ganharíamos. É mais fácil tratar a questão entre Mercosul e México.

Folha - México e Brasil coincidem num ponto: parecem não acreditar mais no prazo de janeiro de 2005.
Derbez -
Estamos sendo mais realistas. Fechar a porta e dizer que não é possível é excessivamente pessimista, mas, que está difícil, está. Sem abordar a questão agrícola, vai ser difícil fechar em 2005.

Folha - O México vem devolvendo uma média de cem brasileiros por mês, depois do fim da exigência de vistos. Esse é um dos temas de sua atual visita?
Derbez -
Esse é um fenômeno internacional e que está se agudizando para nós no México. Temos muitos migrantes centro-americanos que tentam chegar aos EUA via México. No ano passado, repatriamos 175 mil centro-americanos a seus países. A mesma rota terrestre vem sendo usada, por exemplo, por equatorianos, peruanos, colombianos. No caso do Brasil, é preciso evitar que isso aumente. É preciso também um acordo sobre o tratamento a esses migrantes. Assim como exigimos bom tratamento aos nossos migrantes nos EUA, queremos dar aos que estejam no nosso país. É um tema fundamental. A idéia é criar centros brasileiros no México para garantir um processo ordenado. Além disso, é possível um trabalho conjunto México-Brasil sobre o tratamento a nossos cidadãos que estejam nos Estados Unidos.

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