São Paulo, terça-feira, 14 de maio de 2002

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LUÍS NASSIF

Quem não gosta de Serra

A campanha contra o presidenciável José Serra já extrapolou o mero processo rotativo de "abate o candidato" que tem caracterizado a cobertura jornalística.
As acusações contra sua honra não pegam, apesar de um ou outro episódio polêmico. Há pessoas que ambicionam a riqueza, outras que ambicionam o poder. O sonho de Serra sempre foi a Presidência. E os cuidados que tomou ao longo de toda a sua vida política passaram não apenas em se preparar tecnicamente para o cargo como fugir de tudo o que pudesse significar "rolo".
Além disso, há unanimidade sobre sua competência como presidenciável. Há muitos anos Serra tornou-se o brasileiro mais preparado para tratar dos problemas nacionais em toda a sua extensão. Sua vida pública sempre se caracterizou pela formação de equipes competentes e por se dedicar a temas institucionais complexos e fundamentais, como a questão tributária e fiscal, o desenvolvimento, a saúde. Politicamente, sempre manteve a coerência.
No entanto tem a óbvia capacidade de aglutinar setores dos mais variados contra a sua candidatura. Tanta resistência não se cria gratuitamente.
Há dois problemas fundamentais na formação de Serra, nenhum ligado às suas qualidades públicas, mas que são empecilhos ao bom exercício do poder: é intransigente na defesa de seus princípios e não perdoa uma crítica contra ele.
A intransigência é moeda com duas faces. A face virtuosa é o fato de não fazer concessões políticas que atropelem suas convicções técnicas. Esse lado de Serra lhe trouxe respeito dos formadores de opinião e a inimizade mortal de todos os coronéis políticos remanescentes do PFL, embora, num pragmatismo duvidoso, tenha se aliado a Jader Barbalho para derrotar ACM. O foco central da resistência dos coronéis não é o mero desejo de vingança, embora gostassem de comer o fígado de Serra, mas o sentimento de que, com ele, não haveria as concessões do governo FHC.
Um segundo foco de resistência vem dos beneficiários da atual política econômica, mas que, em todo caso, o aceitariam como mal menor. Como escreveu recentemente Delfim Netto em sua coluna no jornal "Valor", de todos os candidatos Serra é o que tem mais condições de corrigir os erros do atual modelo econômico. O que esses setores temem nos demais candidatos não é o radicalismo, mas a dificuldade em lidar com a economia sem desarrumar o país.
Mas há a outra face da intransigência. Serra considera que o fato de ter competência técnica e as melhores idéias é suficiente para legitimar sua ação. Política é mais do que isso: é a capacidade de tratar com todos os setores, de compreender os limites que a política impõe, de fazer concessões, mesmo sem exagerar como FHC.
Além disso, há um traço de comportamento de Serra responsável pela criação de uma legião de inimigos na mídia. É o fato de encarar cada crítica como uma guerra, demonstrando suscetibilidade extremada. Fala mal do jornalista que o criticou, assim como do adversário político e do companheiro de partido. Frequentemente atropela o jornalista e vai se queixar diretamente à chefia. Suas guerras sempre se deram no campo verbal, mas como se comportaria Serra se revestido da caneta da Presidência? E está no cerne de toda imprensa livre, daqui ou dos EUA, a resistência a toda forma de poder imperial. É a maior virtude da mídia.
É esse o pano de fundo de todo esse tiroteio contra Serra. Como esse tipo de percepção sobre Serra não ficaria muito claro para o leitor, e poderia ser interpretado como guerra de poderes, fica mais fácil atacar o candidato de outras maneiras.
De qualquer forma, é o ponto central que precisará ser removido, não apenas para viabilizar a candidatura Serra, como o exercício da Presidência, em caso de vitória. Serra terá que comprovar enfaticamente seu compromisso em aprender a arte da negociação, da mesma maneira como aprendeu os demais temas nos quais se tornou especialista.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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