São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Entre o sonho e a realidade

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Gostaria de dividir com meu leitor algumas reflexões que fiz a partir de uma longa conversa com um jovem economista de um dos grandes bancos brasileiros. Penso ser relevante reportar essa conversa, pois ela permite entender um dos grandes perigos que o Brasil corre nos dias de hoje: o comando da política econômica nas mãos de uma corrente de pensamento que tem uma leitura errada dos desafios que temos de enfrentar para chegar ao eldorado do crescimento econômico.
Ao longo de minha vida profissional, no setor privado e no governo, convivi com várias gerações de economistas bem formados e na faixa dos 35 anos, como o meu interlocutor de agora. O padrão de comportamento desse grupo de profissionais apresenta uma intrigante semelhança ao longo do tempo: o uso intenso de modelos matemáticos para acompanhar nossa economia. O jornalista Luís Nassif tem uma expressão deliciosa para caracterizar esses economistas: cabeça de planilha!
Para eles, a economia de um país pode ser reduzida a um complexo modelo matemático, construído a partir de variáveis econômicas quantitativas observadas ao longo dos anos passados. As técnicas para a construção desses modelos têm evoluído de forma impressionante nos últimos anos, ampliando a qualidade das estimativas dessas relações matemáticas entre passado e futuro.
Mas nem mesmo os modelos mais sofisticados conseguem reproduzir a dinâmica de uma economia que funciona à base de ações humanas e que depende de construções institucionais e políticas, que mudam de sociedade para sociedade. No caso brasileiro, essa armadilha é ainda maior, em razão das alterações ocorridas nos últimos anos. Neste início de século, evoluímos para uma economia aberta, mas ainda submetida a regras herdadas do modelo anterior, fechado e estatista.
Outra característica marcante da realidade brasileira de hoje é o desafio representado por uma dívida pública interna de proporções gigantescas quando comparada com os recursos financeiros que existem no país. A absorção pelo governo da poupança interna é desproporcionalmente elevada, e os prazos dos títulos colocados ao público, perigosamente curtos.
Como fruto desse aleijão financeiro, temos uma taxa de juros elevada demais para permitir o funcionamento normal do circuito de crédito ao setor privado. Outra limitação, que deriva dessa situação particular, é a necessidade de superávits fiscais, antes do pagamento dos juros da dívida pública, de grande dimensão. Isso é condição necessária para que a solvência do governo evite crises de confiança desestabilizadoras.
Com isso, cria-se um processo perverso de concentração de renda e de diminuição continuada da capacidade de consumo da sociedade. Além disso, a carga fiscal de equilíbrio é elevada demais para permitir o funcionamento eficiente da economia. Os recursos canalizados para pagar o serviço da dívida reduzem a capacidade de consumo de dezenas de milhões de brasileiros e acabam nos bolsos de um número muito pequeno de pessoas e empresas. Como os gastos de consumo representam mais de dois terços de nosso PIB, não fica difícil entender o crescimento econômico medíocre dos últimos dez anos.
Essa característica da economia brasileira não está incorporada nos modelos que servem de orientação para os economistas da escola de meu jovem interlocutor. Para eles, o equilíbrio macroeconômico, que temos hoje, deve levar o país a uma situação de crescimento acelerado a partir de 2009/2010. Por isso essa contradição entre seu otimismo contagiante e o pessimismo da sociedade que vive no mundo real.
Não percebe o nosso jovem entusiasta, com a política econômica atual, que essa mesma promessa de progresso, sempre alguns anos à frente, vem sendo feita desde 1996. Os modelos de então não previram a crise de energia elétrica, por falta de investimento público no setor, nem as crises financeiras de 1997 e 1998, e sua quimera desenvolvimentista não ocorreu. Da mesma forma como seu modelo atual não prevê as limitações que a falta de investimento em nossa infra-estrutura econômica, inclusive o mesmo setor elétrico, terá sobre o crescimento de nossas exportações em futuro próximo. Não estão também em seu modelo as dificuldades que vamos enfrentar em razão das turbulências no mundo financeiro.
Por isso, segundo eles, a necessidade de sempre continuar tentando, pois um dia chegaremos ao tão esperado crescimento econômico sustentado. Falta combinar com o povo...


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Previdência: Safra pode ajudar a pagar a aposentado
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.