São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Estados Unidos mergulham em desemprego estrutural

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

As atenções estão voltadas para os escândalos corporativos, para a corrupção nas altas esferas do governo, para a insegurança que transforma as grandes cidades em teatros de uma paranóia permanente. O déficit público cresce. A moeda se desvaloriza, refletindo a perversa combinação de fuga de capitais e queda nos investimentos. Parece o Brasil, mas trata-se dos EUA.
Nesse cenário sombrio, os dados sobre desemprego nos Estados Unidos têm merecido menos destaque, mas são muito preocupantes. Surge uma tendência de desemprego estrutural, em que o crescimento lento da economia é incapaz de reanimar o mercado de trabalho. Estrutural quer dizer profundo ou difícil de reverter.
Ao mesmo tempo, ninguém é capaz de apontar uma fonte de crescimento vigorosa o suficiente para reverter o quadro de fragilização do mercado de trabalho.
A taxa de desemprego nos EUA está na casa dos 6% há três meses. O processo já está sendo descrito como "recuperação sem emprego". O fato é que a péssima saúde das empresas vem sendo enfrentada com demissões em massa. A onda de corrupção corporativa deve produzir números ainda mais dramáticos e principalmente mudar o sistema de remuneração construído pela tecnocracia privada nos últimos 20 anos.
O fim do império desses gestores exigirá não apenas mudanças jurídicas e de regulação financeira, mas um novo modelo de contratação de executivos e gerentes. Uma nova cultura organizacional será produzida, causando mudanças inimagináveis na ética yuppie que associou trabalho e empreendedorismo nas últimas duas décadas.
O último momento de vigor no mercado de trabalho norte-americano aconteceu em outubro de 2000, com taxa de desemprego de 3,9%. Em pouco mais de um ano e meio, o exército de desempregados ganhou cerca de 3 milhões de excluídos.
Um dos principais indicadores da tendência estrutural ao desemprego, no entanto, é o tempo médio que cada trabalhador gasta para encontrar nova colocação. Em junho, esse indicador chegou ao seu nível mais alto desde que a estatística começou a ser calculada nos Estados Unidos, em 1948 (o recorde está em 12 semanas).
Mais que o desemprego em si, esse é o sinal de que o problema se torna de longo prazo. Hoje, nos EUA, 20% dos trabalhadores passam mais de seis meses procurando um novo emprego. Esse indicador está agora 8,1% acima do seu nível em março do ano passado, quando a recessão norte-americana começou.
O crescimento da força de trabalho também perde ímpeto. É cada vez maior o número de trabalhadores em situação de desalento, ou seja, que simplesmente desistem de procurar trabalho e abandonam o mercado de trabalho. Segundo alguns indicadores, eles não estariam "tecnicamente" desempregados. Sem essa tecnicalidade, os números do desemprego nos EUA seriam ainda mais assustadores.
O arrocho salarial completa o cenário deprimente. No segundo trimestre o ganho salarial anualizado foi de 2,6%, contra uma taxa de inflação acima dos 3% entre março e maio.
A crise econômica japonesa, estrutural, tem sido forte o suficiente para destruir o sistema de emprego vitalício e outras regras do jogo no mercado de trabalho do país. O panorama nos EUA, que mergulham no desemprego estrutural, vai mudar com intensidade comparável. Em nenhum dos casos estão claros os sistemas e os valores que prevalecerão.


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