São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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ÁGUIA ACUADA

Desvalorização do dólar estimula o reajuste dos preços, o que pode atingir consumo e afetar crescimento

Volta da inflação já é ameaça para os EUA

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

O governo dos Estados Unidos teme que a inflação coloque um final no ímpeto dos consumidores norte-americanos, derrubando o único obstáculo que está impedindo os escândalos corporativos de contaminarem a economia real do país.
Esse é o maior temor do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), do Tesouro e de analistas que acompanham, com surpresa, a desvalorização acentuada do dólar ante outras moedas, como o iene e o euro.
Desde a concordata da empresa energética Enron, em dezembro passado, a moeda americana perdeu cerca de 10% de seu valor em comparação com o euro. Em parte, essa queda resulta da fuga de parcela dos US$ 5 trilhões que investidores estrangeiros mantêm em ações de empresas norte-americanas.
Por enquanto, os índices de preços estão sob controle, apesar de uma nítida tendência de alta. Se essa tendência se mantiver, os preços de produtos importados poderão afugentar os consumidores e, provavelmente, forçar o Fed a aplicar um choque de juros para conter a inflação.
Seria o fim do modelo de expansão econômica iniciado em 1992 e que conseguiu controlar os preços por meio de um dólar fortalecido e da contribuição indispensável das importações baratas.

Febre do consumo
Até agora, a coluna vertebral desse modelo sobreviveu ao estouro da bolha das empresas de tecnologia, em 2001, e aos atentados de 11 de setembro. Os EUA não registram um único trimestre de queda no consumo desde 1992, apesar de o país ter entrado oficialmente em recessão no ano passado.
"Poucas pessoas prestaram atenção, mas o ímpeto do consumo se manteve mesmo depois de a Nasdaq ter desabado de 5.000 pontos para 2.000 pontos nos dois últimos anos", disse o analista David Kelly, da corretora Putnam Investments.
"Minha única explicação para esse fato é que, contrariamente ao que supúnhamos, o consumo está sendo guiado por jovens que nunca viram uma recessão de verdade e que, dotados de cartões de crédito com juros baixos, não perderam dinheiro nas Bolsas. Quem perdeu foram seus pais."
Por causa disso, Kelly não acredita que a ameaça à economia real dos EUA venha de uma queda mais acentuada ainda das Bolsas. O perigo estaria na queda do dólar, causada pela fuga dos investidores estrangeiros escandalizados com o mundo corporativo norte-americano.
Não se trata somente de adivinhação. Pesquisas de opinião nos EUA indicam que, depois do desemprego, a inflação é o segundo fator capaz de afastar os consumidores das lojas de carros e das imobiliárias.

Risco latente
Por enquanto, a esmagadora maioria deles continua trabalhando, apesar de o índice de desemprego ter chegado a 5,9% em junho. Companhias como a Enron e a WorldCom acabaram com os postos de trabalho de mais de 20 mil pessoas e com a credibilidade das corporações norte-americanas, mas o setor industrial dos EUA encontrou outras maneiras (que não a Bolsa) de se financiar e de manter empregos.
"A rentabilidade dos títulos públicos ficou muito baixa porque os investidores trocaram as Bolsas por papéis do Tesouro", afirmou David Horner, analista da corretora Merrill Lynch. Com isso, empresas de setores tradicionais viram uma oportunidade de lançar títulos privados com renda fixa maior que a dos papéis do Tesouro.
Como o financiamento e os empregos estão se mantendo, a inflação passou a ser o único risco real para a economia americana.
"Claramente, há um risco elevado de que os problemas nas Bolsas de Valores irão comprometer a economia real", disse Steve Stanleu, economista da Greenwich Capital Markets. "E esse risco passa pela desvalorização do dólar e pela inflação."
O preços de produtos importados (excluídos os produtos de energia) subiram em três dos quatro últimos meses nos EUA. Entre outros temores, o Fed acredita que os produtores locais de bens similares irão elevar seus preços a reboque, criando um ciclo vicioso não visto nos EUA desde a década de 80.


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