São Paulo, sábado, 14 de julho de 2007

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Freud e Darwin explicam decisão de investir

Pesquisadores investigam como recalques com origem em frustrações ou áreas do cérebro afetam escolhas financeiras

Tendência chega com força ao Brasil; pesquisadores se articulam para desenvolver laboratórios e linhas de pesquisa em economia

MAELI PRADO
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

A neurologia e a psicologia começam a explicar o que Adam Smith e os economistas mais convencionais que vieram depois dele jamais conseguiram, seja olhando diretamente para dentro do cérebro ou recorrendo a Freud para analisar decisões de investimento.
Se as finanças tradicionais não explicam por que investidores continuam comprando ações mesmo quando os preços não justificam mais o lucro proporcionado ou por que um simples espirro na Bolsa de Xangai leva uma manada de investidores a sair vendendo ações mundo afora, as finanças comportamentais e a neuroeconomia explicam esses fenômenos a partir de recalques com origem em frustrações individuais ou pela atuação de áreas do cérebro com a preocupação darwiniana de sobreviver, matar ou morrer.
A tendência chega com força ao Brasil, onde pesquisadores se articulam para desenvolver laboratórios e linhas de pesquisa em economia experimental. Professores da Faculdade de Medicina da USP e da FGV (Fundação Getulio Vargas) se juntaram para criar o primeiro laboratório de neuroeconomia do país em São Paulo. Os pesquisadores querem entender como áreas do cérebro tomam decisões sobre investimentos.
A mesma FGV inaugurou, em 2004, as atividades do Lijia (Laboratório de Investigação em Jogos Interdisciplinares Aplicados), coordenado pelas pesquisadoras Jolanda Ygosse Battisti e Julia von Maltzan Pacheco, que simula situações de compra e venda de ativos para analisar "in loco" as reações de investidores.
Uma das pesquisas investiga por que os investidores privados no Brasil colocam só 3% dos recursos no mercado de ações e todo o restante em renda fixa. A conclusão é que o investidor sofre de aversão à perda, um dos primeiros conceitos das finanças comportamentais (veja outros nesta página). Ou seja, as pessoas tendem a sentir mais a dor de perder R$ 10, por exemplo, do que o prazer de ganhar R$ 10 -o que não é lógico, já que o montante perdido é o mesmo (veja teste).
"As finanças comportamentais estão mostrando que os indivíduos são bem menos racionais do que a teoria econômica supõe. Eu me interesso por mostrar as fragilidades da premissa básica da economia tradicional, que é a racionalidade", diz o economista Eduardo Giannetti da Fonseca.
"Esse ramo de estudo surge com a insuficiência da economia "mainstream" de explicar as coisas", afirma a psicanalista Vera Rita de Melo Ferreira, representante no Brasil da Iarep (associação de pesquisa em psicologia econômica).

Economistas x psicólogos
Para Vera Rita, os economistas mais ortodoxos ficaram sempre furiosos diante de qualquer tentativa de humanizar a economia. Até que o psicólogo húngaro George Katona, radicado nos EUA nos anos 40, foi contratado pelo governo americano para ir a campo perguntar o que os americanos pretendiam fazer quando terminasse a Segunda Guerra Mundial. À época, os economistas previam uma nova recessão. Katona descobriu o contrário, que haveria um boom. Os americanos queriam comprar e trabalhar.
"Os economistas tiveram de calar a boca. A psicologia econômica procura observar o que está acontecendo. A economia faz fórmulas matemáticas e enfia à força as pessoas no modelo. O que não cabe dentro os economistas chamam de anomalia. E anomalia, para nós, é objeto de estudo. É o que mais acontece", disse.
Os psicólogos econômicos ganharam credibilidade após dois prêmios Nobel. O primeiro foi do economista e psicólogo Herbert Simon, em 1978. Ele mostrou que o gestor não toma decisões totalmente racionais porque nunca dispõe, naquele momento, de todas as informações necessárias para tomá-las.
O Nobel de maior repercussão foi o do psicólogo Daniel Kahneman, em 2002, que mostrou como as emoções impedem os investidores de calcularem corretamente os riscos mesmo acreditando que tomam decisões racionais.
De acordo com Luiz Rogério de Camargos, economista da FGV, que articula a criação do laboratório de neuroeconomia com professores da USP, os novos estudos humanizam a economia. "A economia experimental começa explicar como o "Homo economicus", que era removido da realidade humana, toma decisões", disse.
Para o pesquisador Mauro Halfeld, o gap entre a economia "mainstream" e a comportamental fica cada vez mais estreito. Ele afirma que a psicologia orienta a matemática a formular os modelos econômicos.
"Acabou o preconceito. A psicologia dá uma luz para que a economia não seja só matemática. Economia é uma ciência social, em que as pessoas estão sujeitas a depressão e euforia. O estudo dessas faculdades não é só saudável como lucrativo. Várias corretoras e gestoras de ativos acordaram para isso. As mais sofisticadas utilizam esses conceitos."


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