São Paulo, Sábado, 14 de Agosto de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

A revolução silenciosa no BC

JAIRO SADDI

Passada a crise financeira que assolou o país, bem como seus recentes desdobramentos políticos, com a CPI dos Bancos, o Banco Central deve voltar a concentrar-se no seu plano de vôo, que o levará ao novo milênio disposto a cumprir o papel histórico que ele precisa desempenhar.
Inúmeras mudanças estão a caminho, outras tantas já se realizaram. O que já foi feito e é digno de nota refere-se à definição de metas inflacionárias, à regulamentação dos fundos e do depósito compulsório e à entrada de bancos estrangeiros, dando fim ao critério arbitrário, vago e ineficiente do pedágio.
Além disso, com o objetivo de reduzir risco no sistema de compensação, também está sendo transformado o sistema dos meios de pagamento. Prometidas estão ampla reforma no cabedal regulamentar do câmbio, na área dos títulos públicos, com o fim das vinculações, e na cunha fiscal das taxas de juro; e ampla faxina no "clearing" das instituições financeiras e nas contas de reserva de capital. No tocante à supervisão, está sendo mudado o sistema de intervenção e liquidação das instituições financeiras, e o espírito da supervisão passa a ser mais preventivo do que reativo.
Enfim, a lista de tarefas do sr. Armínio Fraga é vasta o suficiente para que se desconfie de que muitos dos assuntos ainda por atacar não saiam do plano das idéias. Coragem e determinação não lhe faltam, o que já é um ponto de partida muito positivo; mas é necessário que o BC consiga criar o clima político para que tantas e tamanhas modificações ecoem para a sociedade como algo vantajoso e útil para a economia.
Para tanto, o Poder Legislativo precisa dar um voto de apoio ao Banco Central. Reviver a CPI agora, com a reabertura do Congresso, é ato de politicagem que presta um verdadeiro desserviço a essa causa. Erros e omissões devem ser investigados pelo Ministério Público e exemplarmente punidos por quem de direito. O Congresso deveria apressar-se em votar assuntos ligados ao art. 192 da Carta de 1988 -que, de resto, já sofreu emenda constitucional, ainda por ser sancionada, retirando algumas barbaridades folclóricas, que nem dignas de nota são.
Entretanto, até mais importante do que isso, o Congresso deve avaliar de maneira proativa suas recentes ações e cobrar mais transparência da autoridade monetária como instituição. Uma extensa revisão acerca do uso e dos instrumentos da política monetária poderia ser um passo inicial e importante nesse processo. Segundo passo, igualmente importante: planejar a estratégia da abertura financeira, especialmente tendo em vista a concentração bancária e o mercado de não-bancos (ou seja, instituições não-financeiras que servem como intermediadoras de capital sem estar sujeitas às regras do BC).
O Poder Legislativo é imprescindível numa sociedade democrática. Cabe a ele não apenas exercer a atividade legiferante, mas também dar o tom da harmonia política de uma nação. Está mais do que na hora de deixarmos questões do passado, olharmos para o futuro e definirmos o Banco Central que queremos entre nós: autônomo, forte e crível. Com responsabilidade e maturidade para enfrentar questões institucionais das mais sérias, de modo a poder contribuir decisivamente para elas sem, contudo, perder o foco de suas atividades para o desenvolvimento nacional.


Jairo Saddi, 34, advogado e doutor em direito econômico pela USP (Universidade de São Paulo), é coordenador do curso de direito do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais). É autor de "O Poder e o Cofre" e de "Liquidação e Intervenção no SFN -25 Anos da Lei 6.024" (editora Textonovo).

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