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São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003

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MERCADO FINANCEIRO

Para presidente da Bovespa, mais importante que a oscilação de ações é ganhar volume e listar mais empresas

Não importa se a Bolsa sobe, diz Magliano

FABRICIO VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de passar momentos difíceis em 2002, quando caiu 17%, a Bovespa disparou e se tornou a aplicação mais rentável deste ano. Até a última sexta-feira, a Bolsa acumulava alta no ano de 45,7%. Esse sobe-e-desce não preocupa Raymundo Magliano Filho, 61. Presidente da Bolsa de Valores de São Paulo desde 2001, Magliano está atento é a outro movimento: sonha com o dia em que houver pelo menos mil empresas com capital aberto. Hoje, são apenas 377. O máximo de companhias abertas que já houve foi em 89, quando chegaram a 592.
O irrequieto presidente da Bolsa -joga tênis cinco vezes por semana, pratica ioga e estuda filosofia- diz que nem conseguiu acompanhar direito os casos do acordo entre o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a AES e o da Petrobras sobre a reavaliação do tamanho da reserva de gás da bacia de Santos. "Tive de fazer muitas viagens nos últimos dias." Investidores teriam ficado sabendo do ocorrido antes de a Bovespa ser informada.
Com a bandeira da popularização da Bovespa, Magliano tem peregrinado por escolas, academias e até mesmo pela praia na tentativa de divulgar o mercado acionário para potenciais investidores que não conhecem a Bolsa. "Estamos preparando um projeto para que as empresas possam pagar parte dos dissídios com ações. Essa é uma forma de democratizar o mercado de capitais."
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha por Magliano.

Folha - A Bolsa está num momento muito bom, já faz tempo que recuperou os 17% de perdas acumuladas em 2002. Esse movimento de alta tem fôlego para durar ainda quanto tempo?
Raymundo Magliano Filho -
A preocupação que a gente tem não é nem a queda da Bolsa nem a subida da Bolsa. O que nos preocupa é que haja um volume de operações que dê uma consistência. Estamos muito preocupados com a criação de um grande mercado interno. A Bovespa, como toda Bolsa do mundo, pode oscilar para cima, pode oscilar para baixo. Se tivermos uma liquidez realmente grande, poderemos motivar um grupo expressivo de empresas [a abrir capital]. Temos hoje só 377 empresas na Bolsa. Precisamos ter pelo menos mil listadas. Nós estamos com um número muito restrito.

Folha - Nas últimas semanas a Bolsa tem tido um giro expressivo, em torno de R$ 1 bilhão por dia.
Magliano -
É, mas a Bolsa precisaria ter pelo menos uns R$ 2 bilhões [de giro diário], com o tamanho do país e o tamanho da nossa economia...

Folha - O senhor sempre falou da importância da transparência, da credibilidade, para a Bolsa se desenvolver. Daí acontece um caso como o da Petrobras [quando a informação sobre o aumento das reservas de gás natural na bacia de Santos foi passada a investidores em conferência via internet, sem divulgação ampla]. Há agora o acordo entre o BNDES e a AES [em que foi renegociada dívida de US$ 1,2 bilhão da Eletropaulo], que a CVM vai investigar porque as ações da Eletropaulo subiram muito na véspera. Não acha que esses acontecimentos podem abalar a imagem da Bolsa?
Magliano -
Não, não abala, não. Não abala.

Folha - O senhor acha que houve irregularidades nesses casos?
Magliano -
Vou te dizer com sinceridade: nem vi. Não vi direito, não sei te dizer. Não deu nem tempo de ver. Isso é mais com a CVM [Comissão de Valores Mobiliários, uma espécie de xerife do mercado], que vai cuidar disso. A responsabilidade é do órgão regulador [a CVM].

Folha - O que a Bolsa tem feito para atrair empresas para o mercado de capitais? Há empresas fechando capital mês a mês...
Magliano -
Como as taxas de juros estavam muito altas e o país está sem desenvolvimento econômico, as empresas não abrem [capital]. Sei lá se vou acertar, mas acho que vamos ter uma série de empresas entrando na Bolsa de Valores. Acho que vamos ter uma leva grande de empresas novas, muitas ligadas a serviços.

Folha - O custo é um problema para as empresas manterem o seu capital aberto?
Magliano -
Não, não é, desde que a empresa utilize bem [o mercado]. É que nem clube. Se você usa bem, a taxa fica baixa. Agora, se você não for ao clube, a taxa fica muito alta. Mas não adianta, com o nível em que estavam os juros, a empresa batia na porta e voltava. Batia e voltava, porque não tinha liquidez, a Bolsa estava barata.
Se você é dono de empresa, vai vendê-la pela metade do preço? Precisa ter alguma coisa, um sinal bom aí a empresa vai [para a Bolsa de Valores].

Folha - E os investidores estrangeiros? São importantes para esse momento por que passa a Bolsa?
Magliano -
Sim, os investidores estrangeiros têm sido muito importantes, mas a nossa preocupação é ter um mercado interno forte e consistente. Precisamos ter um mercado que tenha escala. Nós precisamos ter daqui a pouco R$ 2 bilhões de giro por dia, ter mil empresas com capital aberto.

Folha - O investidor estrangeiro pode sair da Bolsa facilmente?
Magliano -
Lógico, eles estão sempre operando no mundo inteiro com liberdade. O que eles querem é isso. É por isso que quero evitar essa preocupação. Vamos falar com o pequeno investidor, com o pequeno trabalhador, criar um mercado interno grande.

Folha - Uma das principais bandeiras da sua gestão é a popularização da Bolsa. O que se conquistou até o momento nesse sentido?
Magliano -
Nós já fomos a academias de tênis, clubes, fomos ao metrô, às praias, escolas, universidades, a todos os locais. O que a gente está querendo exatamente não é vender ações. Nós queremos esclarecer as pessoas. Muita gente pensava que a Bolsa fosse caixa-preta, fosse cassino, fosse casa de jogo.

Folha - E essa visão tem mudado?
Magliano -
Depois que o sujeito vê que ser acionista é ter uma parte da empresa, ele começa a ficar esclarecido e alguns se motivam. Na Força Sindical foi feito um clube de investimento de cem operários, em que cada um dá R$ 29 por mês. Só vai haver Bolsa forte se você tiver milhões de trabalhadores e milhões de pequenos investidores.

Folha - A Bolsa de Valores está focada na democratização do mercado de capitais?
Magliano -
Isso. Isso, porque nós estamos baseados -eu gosto muito de estudar filosofia- nesse grande filósofo que é o [italiano] Norberto Bobbio. E o que ele diz sobre o que é democracia? Visibilidade, transparência e acesso. A Bolsa está pautada nisso, ela precisa se tornar visível, precisa se tornar transparente, precisa dar acesso.

Folha - E o projeto para a liberação de parte do FGTS para a compra de ações? Como está andando?
Magliano -
O projeto do FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] está lá no Senado. Mas está andando muito lentamente, há uma resistência muito grande por parte do pessoal da construção civil, mas é uma resistência muito democrática, por isso eu aceito bem. O Bobbio ensina sobre a democracia: é aceitar o diferente. Eles têm os interesses deles, nós temos os interesses nossos. O que vai acontecer? Quem vai arbitrar é o Poder Legislativo. Eu acho que a luta deles é perfeita, é democrática, e a nossa também. Então, vamos ver o que o Legislativo vai decidir.

Folha - O mercado de capitais conseguiu a isenção da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).
Magliano -
Foi uma luta muito grande porque nós visitamos 480 deputados e 60 senadores, com muita humildade, sentando, esperando... Cada vez mais gente está sentindo que nós precisamos ter uma Bolsa de Valores forte.
Se nós não tivermos uma Bolsa forte, não vai ter desenvolvimento. Por quê? Dinheiro a curto prazo você tem nos bancos, mas não é dinheiro para empresa de investimento. O BNDES, o que ele tem? Ele tem linhas, mas são linhas seletivas e limitadas. E o que é realmente aberto para a população? A Bolsa de Valores. Isso está começando a ficar claro para a sociedade, para os operários, para todo mundo.

Folha - É um problema a taxa de corretagem cobrada do pequeno investidor?
Magliano -
Não, o que eu acho é que o pequeno investidor precisa ter um bom aconselhamento. A taxa de corretagem não é importante ao longo do tempo. Importante, já que o corretor é um conselheiro, é ele falar: olha, se você tem uma postura conservadora, então essas são ações certas. Se você tem uma postura agressiva, aquelas são as ações. Essa é a grande função do corretor. A taxa em si não é o relevante.

Folha - Luiz Inácio Lula da Silva, quando visitou a Bovespa há cerca de um ano, ainda candidato à Presidência, disse que gostaria de ser convencido da vantagem de comprar ações. Já foi convencido?
Magliano -
- Está sendo [risos], está sendo. Ele falou isso, não é? Acho que ele está sendo.


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