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MERCADO FINANCEIRO
Para presidente da Bovespa, mais importante que a oscilação de ações é ganhar volume e listar mais empresas
Não importa se a Bolsa sobe, diz Magliano
FABRICIO VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de passar momentos difíceis em 2002, quando caiu 17%,
a Bovespa disparou e se tornou a
aplicação mais rentável deste ano.
Até a última sexta-feira, a Bolsa
acumulava alta no ano de 45,7%.
Esse sobe-e-desce não preocupa
Raymundo Magliano Filho, 61.
Presidente da Bolsa de Valores de
São Paulo desde 2001, Magliano
está atento é a outro movimento:
sonha com o dia em que houver
pelo menos mil empresas com capital aberto. Hoje, são apenas 377.
O máximo de companhias abertas que já houve foi em 89, quando chegaram a 592.
O irrequieto presidente da Bolsa
-joga tênis cinco vezes por semana, pratica ioga e estuda filosofia- diz que nem conseguiu
acompanhar direito os casos do
acordo entre o BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) e a AES e o
da Petrobras sobre a reavaliação
do tamanho da reserva de gás da
bacia de Santos. "Tive de fazer
muitas viagens nos últimos dias."
Investidores teriam ficado sabendo do ocorrido antes de a Bovespa
ser informada.
Com a bandeira da popularização da Bovespa, Magliano tem peregrinado por escolas, academias
e até mesmo pela praia na tentativa de divulgar o mercado acionário para potenciais investidores
que não conhecem a Bolsa. "Estamos preparando um projeto para
que as empresas possam pagar
parte dos dissídios com ações. Essa é uma forma de democratizar o
mercado de capitais."
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha por Magliano.
Folha - A Bolsa está num momento muito bom, já faz tempo que recuperou os 17% de perdas acumuladas em 2002. Esse movimento de
alta tem fôlego para durar ainda
quanto tempo?
Raymundo Magliano Filho - A
preocupação que a gente tem não
é nem a queda da Bolsa nem a subida da Bolsa. O que nos preocupa é que haja um volume de operações que dê uma consistência.
Estamos muito preocupados com
a criação de um grande mercado
interno. A Bovespa, como toda
Bolsa do mundo, pode oscilar para cima, pode oscilar para baixo.
Se tivermos uma liquidez realmente grande, poderemos motivar um grupo expressivo de empresas [a abrir capital]. Temos hoje só 377 empresas na Bolsa. Precisamos ter pelo menos mil listadas. Nós estamos com um número muito restrito.
Folha - Nas últimas semanas a
Bolsa tem tido um giro expressivo,
em torno de R$ 1 bilhão por dia.
Magliano - É, mas a Bolsa precisaria ter pelo menos uns R$ 2 bilhões [de giro diário], com o tamanho do país e o tamanho da
nossa economia...
Folha - O senhor sempre falou da
importância da transparência, da
credibilidade, para a Bolsa se desenvolver. Daí acontece um caso
como o da Petrobras [quando a informação sobre o aumento das reservas de gás natural na bacia de
Santos foi passada a investidores
em conferência via internet, sem
divulgação ampla]. Há agora o
acordo entre o BNDES e a AES [em
que foi renegociada dívida de US$
1,2 bilhão da Eletropaulo], que a
CVM vai investigar porque as ações
da Eletropaulo subiram muito na
véspera. Não acha que esses acontecimentos podem abalar a imagem da Bolsa?
Magliano - Não, não abala, não.
Não abala.
Folha - O senhor acha que houve
irregularidades nesses casos?
Magliano - Vou te dizer com sinceridade: nem vi. Não vi direito,
não sei te dizer. Não deu nem
tempo de ver. Isso é mais com a
CVM [Comissão de Valores Mobiliários, uma espécie de xerife do
mercado], que vai cuidar disso. A
responsabilidade é do órgão regulador [a CVM].
Folha - O que a Bolsa tem feito para atrair empresas para o mercado
de capitais? Há empresas fechando
capital mês a mês...
Magliano - Como as taxas de juros estavam muito altas e o país
está sem desenvolvimento econômico, as empresas não abrem [capital]. Sei lá se vou acertar, mas
acho que vamos ter uma série de
empresas entrando na Bolsa de
Valores. Acho que vamos ter uma
leva grande de empresas novas,
muitas ligadas a serviços.
Folha - O custo é um problema para as empresas manterem o seu capital aberto?
Magliano - Não, não é, desde que
a empresa utilize bem [o mercado]. É que nem clube. Se você usa
bem, a taxa fica baixa. Agora, se
você não for ao clube, a taxa fica
muito alta. Mas não adianta, com
o nível em que estavam os juros, a
empresa batia na porta e voltava.
Batia e voltava, porque não tinha
liquidez, a Bolsa estava barata.
Se você é dono de empresa, vai
vendê-la pela metade do preço?
Precisa ter alguma coisa, um sinal
bom aí a empresa vai [para a Bolsa de Valores].
Folha - E os investidores estrangeiros? São importantes para esse
momento por que passa a Bolsa?
Magliano - Sim, os investidores
estrangeiros têm sido muito importantes, mas a nossa preocupação é ter um mercado interno forte e consistente. Precisamos ter
um mercado que tenha escala.
Nós precisamos ter daqui a pouco
R$ 2 bilhões de giro por dia, ter
mil empresas com capital aberto.
Folha - O investidor estrangeiro
pode sair da Bolsa facilmente?
Magliano - Lógico, eles estão
sempre operando no mundo inteiro com liberdade. O que eles
querem é isso. É por isso que quero evitar essa preocupação. Vamos falar com o pequeno investidor, com o pequeno trabalhador,
criar um mercado interno grande.
Folha - Uma das principais bandeiras da sua gestão é a popularização da Bolsa. O que se conquistou até o momento nesse sentido?
Magliano - Nós já fomos a academias de tênis, clubes, fomos ao
metrô, às praias, escolas, universidades, a todos os locais. O que a
gente está querendo exatamente
não é vender ações. Nós queremos esclarecer as pessoas. Muita
gente pensava que a Bolsa fosse
caixa-preta, fosse cassino, fosse
casa de jogo.
Folha - E essa visão tem mudado?
Magliano - Depois que o sujeito
vê que ser acionista é ter uma parte da empresa, ele começa a ficar
esclarecido e alguns se motivam.
Na Força Sindical foi feito um clube de investimento de cem operários, em que cada um dá R$ 29 por
mês. Só vai haver Bolsa forte se
você tiver milhões de trabalhadores e milhões de pequenos investidores.
Folha - A Bolsa de Valores está focada na democratização do mercado de capitais?
Magliano - Isso. Isso, porque nós
estamos baseados -eu gosto
muito de estudar filosofia- nesse
grande filósofo que é o [italiano]
Norberto Bobbio. E o que ele diz
sobre o que é democracia? Visibilidade, transparência e acesso. A
Bolsa está pautada nisso, ela precisa se tornar visível, precisa se
tornar transparente, precisa dar
acesso.
Folha - E o projeto para a liberação de parte do FGTS para a compra
de ações? Como está andando?
Magliano - O projeto do FGTS
[Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço] está lá no Senado. Mas
está andando muito lentamente,
há uma resistência muito grande
por parte do pessoal da construção civil, mas é uma resistência
muito democrática, por isso eu
aceito bem. O Bobbio ensina sobre a democracia: é aceitar o diferente. Eles têm os interesses deles,
nós temos os interesses nossos. O
que vai acontecer? Quem vai arbitrar é o Poder Legislativo. Eu acho
que a luta deles é perfeita, é democrática, e a nossa também. Então,
vamos ver o que o Legislativo vai
decidir.
Folha - O mercado de capitais
conseguiu a isenção da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).
Magliano - Foi uma luta muito
grande porque nós visitamos 480
deputados e 60 senadores, com
muita humildade, sentando, esperando... Cada vez mais gente está sentindo que nós precisamos
ter uma Bolsa de Valores forte.
Se nós não tivermos uma Bolsa
forte, não vai ter desenvolvimento. Por quê? Dinheiro a curto prazo você tem nos bancos, mas não
é dinheiro para empresa de investimento. O BNDES, o que ele tem?
Ele tem linhas, mas são linhas seletivas e limitadas. E o que é realmente aberto para a população? A
Bolsa de Valores. Isso está começando a ficar claro para a sociedade, para os operários, para todo
mundo.
Folha - É um problema a taxa de
corretagem cobrada do pequeno
investidor?
Magliano - Não, o que eu acho é
que o pequeno investidor precisa
ter um bom aconselhamento. A
taxa de corretagem não é importante ao longo do tempo. Importante, já que o corretor é um conselheiro, é ele falar: olha, se você
tem uma postura conservadora,
então essas são ações certas. Se
você tem uma postura agressiva,
aquelas são as ações. Essa é a
grande função do corretor. A taxa
em si não é o relevante.
Folha - Luiz Inácio Lula da Silva,
quando visitou a Bovespa há cerca
de um ano, ainda candidato à Presidência, disse que gostaria de ser
convencido da vantagem de comprar ações. Já foi convencido?
Magliano - - Está sendo [risos],
está sendo. Ele falou isso, não é?
Acho que ele está sendo.
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