São Paulo, terça-feira, 14 de setembro de 2004

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LUÍS NASSIF

A inércia do sucesso

Do que se ouve no centro do poder, em Brasília, é possível tirar as seguintes conclusões.
O governo Lula vive seu melhor e seu pior momento. A recuperação da economia permitiu, pela primeira vez, juntar uma base ampla de apoio ao governo. Mas tudo isso poderá ir por água abaixo, a depender da decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de aumentar a taxa básica de juros (Selic) e manter o real apreciado.
Não existe nenhuma hipótese de mudança na política econômica que não passe pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho. A cabeça de Lula é típica de um trabalhador classe média de São Paulo: abomina qualquer forma de risco. Essa posição favorece a inércia da política econômica.
Mesmo em setores do governo contrários à ortodoxia econômica, há enorme temor das conseqüências de uma redução brusca dos juros. A visão dominante é que hoje em dia a opinião pública é composta por 40 milhões de pessoas. Há uma sociedade complexa, que não aceita medidas goela abaixo. Qualquer sinal mal dado, por parte do governo, provoca um terremoto.
O exemplo mencionado foi o do Conselho Federal do Jornalismo. O tema não era para ter passado por Lula. Alguém, dentro do Palácio, queimou etapas, levou Lula ao engano, e o que se observou foi um terremoto. O que não poderia ocorrer se houvesse alguma sinalização errada nos juros?
O núcleo não-ortodoxo tentou negociar uma alternativa com Palocci: aumentar para 5,25% o superávit fiscal (que já está em 4,75%) para combater alguma eventual pressão de demanda, mas não mexer nos juros e não permitir que o câmbio continue caindo. Em janeiro, o saldo fiscal seria utilizado para investimentos em infra-estrutura. A proposta foi rechaçada. A questão da inflação tornou-se idéia fixa na Fazenda e no Banco Central, mas com tal intensidade que surpreendeu até o próprio núcleo duro do governo.
Nas conversas com empresários e economistas não-ortodoxos, esses interlocutores têm ouvido alertas graves sobre o risco do câmbio abaixo de R$ 3,00 ou de a elevação dos juros precipitar mais uma onda de stop-and-go. Mas a impressão que passam é de absoluta impotência para conter a ortodoxia do BC.
O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, tem alertado Lula para os efeitos danosos de uma nova rodada de elevação de juros. Nas reuniões do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, previu que, com a queda dos preços dos commodities e a queda do dólar, daqui a dois anos poderá explodir um festival de inadimplência no campo.
Nos últimos dias, Lula anda completamente irritadiço, denotando a preocupação com a próxima reunião do Copom. Mas nada indica que a decisão de aumentar os juros e manter o câmbio apreciado seja revertida. Talvez os últimos indicadores de inflação ajudem.
Mas o governo está entorpecido pelo sucesso atual e paralisado pelo medo do futuro. Algo similar ao que ocorreu com o governo Fernando Henrique Cardoso.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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