São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Trinta anos depois...


Biênio econômico de 2008-09 deve ser o melhor em 30 anos, e o país não corre na direção do poste, embora ainda medíocre

OS ECONOMISTAS do Itaú acham que o crescimento em 2008 bate o de 2007: 5,6% a 5,4%. Dadas as manhas e ocasionais esquisitices dos números do PIB, afora incertezas da vida, os décimos de vantagem suscitam o ceticismo normal diante de previsões. Mas, vá lá, os dados do segundo trimestre já garantiriam um placar de 4,66% para 2008 mesmo que o país ficasse parado até o fim do ano. Só com desastre o PIB anda abaixo de 5%.
Se apostarmos que os cavalos do PIB de 2008 empatam com os de 2007, o Brasil não terá tido um biênio assim faz quase 30 anos. Ou mais. Sob Itamar Franco (1993-94), a economia cresceu um tanto assim, e outro tanto na transição do Real de FHC (1994-95). Mas os números ficam menos expressivos quando se lembra que o país vinha dos três anos da recessão de Collor (o PIB caiu então uns 4%). No biênio de 1984-85, na transição da ditadura para o governo Sarney, o crescimento foi bem maior que o atual. Mas, de novo, diga-se que os dados do período também são meio dopados, pois o país saía de outros três anos de uma recessão que fizera o PIB encolher mais de 6%. O resultado de 1986 não vale, dada a fraude do Cruzado. Então voltamos para os últimos anos "chineses", o "boom" final do Brasil Grande dos generais, em 1979-80, porém outra receita de colapso.
Mas isso tudo sabe a numerologia. Em todos os períodos concorrentes com 2007-08, a economia corria em direção a um poste, com déficits externos e fiscais enormes e/ou superinflação e/ou baixa produtividade, movido a estelionatos político-econômicos, para não falar do aumento da desigualdade e de outros horrores. Lula, o Salvador, nos redimiu?
Não. Nem nos atolou. Dez anos de democracia ensinaram que o país dava cabo da inflação ou entrava em colapso político-social lá por meados dos 1990. Então vieram quase 14 anos de alguma estabilidade, menos esquisitices econômicas e coisas como as Bolsas de Lula, que diferem pouco das velhas receitas "neoliberais" do Banco Mundial. Embora faça quase nada pelo crescimento, essa conservadora "rede de proteção social" reduz a conturbação política e o risco de populismo.
Lula também montou o cavalo selado da expansão de crédito mundial e da brutal mudança no peso das economias no mundo, que favoreceu as exportações brasileiras. Por não deixar esse cavalo passar, o país enfim deixou de ter dívida externa, fator eterno de crises. Mas sob Lula o país ainda cresceu abaixo da média mundial, embora com descompasso menor que o dos anos FHC.
O Brasil, porém, continua muito ignorante, conservador e dependente das marés globais. Nem privatiza o que deveria faz tempo estar em mãos privadas nem coloca o Estado com força onde deve (pesquisa científica e educação), deixou passar a oportunidade de colocar a dívida pública em nível civilizado, gasta mal e é um inferno burocrático-fiscal. Parece confortável com milhões de favelados assediados pelo crime mas pacificados à base de frango, puxadinho novo, TVs e eventuais iogurtes e internet. Tal mediocridade vai cobrar outra vez seu preço no período de turbulência do biênio por vir, de menos crédito e consumo no mundo todo. Nada desastroso, parece. Apenas meio assim -Brasil.

vinit@uol.com.br


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