São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2008

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China se desacelera com menos lucros

Crescimento nos ganhos deste ano das grandes empresas listadas em Bolsas de Valores foi de 16%, ante 80% em 2007

Após crescer por cinco anos seguidos acima de 11%, PIB deve ter alta de 9% em 2008; renda per capita equivale a um terço da média mundial

Eugene Hoshiko - 6.ago.08/ Associated Press
Operária em fábrica chinesa; cerca de 67 mil pequenas e médias empresas declaram falência no primeiro semestre deste ano

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

O descompasso da China otimista e que não pára de crescer com a desaceleração do mundo desenvolvido parece estar chegando ao fim. Acompanhando sinais de recessão nos Estados Unidos e na Europa, números desanimadores sobre consumo e exportações na China estão ganhando espaço até na mídia estatal.
Depois de crescer por cinco anos seguidos acima de 11%, o PIB chinês deve crescer 9% em 2008 e 8% no ano que vem. A renda per capita chinesa ainda equivale a um terço da média mundial e é dez vezes menor que a dos países desenvolvidos.
Até pelo poder de compra, é quase a metade da renda per capita do Brasil.
A recessão global, o aumento nos preços de matérias-primas, a valorização da moeda local, o yuan, e o controle ao crédito doméstico são problemas que afligem principalmente o setor de exportações.
Cerca de 67 mil pequenas e médias empresas, a maioria de exportadores, declararam falência no primeiro semestre.
As pequenas e as médias empresas foram responsáveis pela criação de 85% das vagas de trabalho criadas em 2007. As fábricas que exportam têxteis e brinquedos são as mais afetadas. As grandes empresas não estão imunes à desaceleração. Entre as que estão listadas em Bolsas de Valores, o crescimento nos lucros deste ano foi de 16% -no ano passado, tinha sido de 80%.
Os investimentos respondem por 40% do PIB chinês. Menos exportações exigem menores investimentos de produtores e fornecedores. Metade dos investimentos no país se devem aos setores de infra-estrutura e construção civil.

Crise imobiliária
O setor imobiliário, um dos mais pujantes do país, também vive a ressaca. O número de metros quadrados vendidos este ano caiu em 10% em relação a 2007 -ano que teve um crescimento de 25% em relação a 2006. As ações nas Bolsas de Valores das principais imobiliárias caíram 70% em um ano.
A Vanke, a maior imobiliária da China, divulgou uma queda de 35% nas vendas em agosto em relação ao mesmo mês do ano passado. A empresa está oferecendo descontos de 25% em condomínios fechados em Xangai e Hangzhou.
Na semana passada, futuros moradores que compraram na alta vandalizaram uma central de vendas -eles exigiam receber o mesmo desconto dos novos compradores e reclamaram que seus apartamentos já se desvalorizaram antes mesmo da inauguração dos prédios.
Em Xangai, o volume de metros quadrados em conjuntos residenciais caiu em 69% em relação a 2007.
"Construiu-se demais, os preços do metro quadrado subiram muito e o consumidor chinês é cauteloso", disse o professor Song Guoqing, do Centro de Pesquisa Econômica da Universidade de Pequim.
"Os salários ainda são baixos na China e as pessoas têm acesso a informações da desaceleração no mundo e das crises nas bolsas. O consumidor está esperando para ver", diz.
Sem o apartamento novo, o consumo de toda uma cadeia de produtos é atingido. A venda de carros, em um país onde a maioria ainda anda de bicicleta, caiu 10% em agosto em relação ao mesmo mês do ano passado. São três meses consecutivos de queda.
Em 2007, 36% da renda das famílias urbanas e 43% da renda das famílias no campo foram gastas em alimentação. Preços de vários alimentos subiram de 10% a 60% no último ano, como a carne de porco, base da culinária chinesa, o que retira dinheiro para outros gastos.

Impacto mundial
Se forem confirmadas como um fenômeno permanente e não sazonal, a desaceleração da construção civil e da indústria automobilística pode ter impactos mundiais nos preços de aço, ferro e cimento, dos quais a China é das maiores importadoras.
A produção de aço caiu 0,2% em agosto e a de cimento cresceu 1,5% -ambos os produtos tinham uma alta média de 7% em relação ao ano passado.
Mas, ainda assim, boa parte dos números chineses, apesar de abaixo do esperado, revelam um país que cresce bem acima da média mundial. As vendas no varejo em julho foram 15% maiores que no ano passado.
As exportações, ainda que não cresçam 30% ao ano como em tempos recentes, cresceram 22% em julho -mas a crise na União Européia deve afetar esse número. Cerca de 40% do crescimento das exportações chinesas em 2007 foi para o resto da Ásia e do Oriente Médio. "Não há razão para pânico", diz Stephen Green, economista-sênior do banco Standard Chartered, em Xangai.
"O consumo representa 35% do PIB nacional. Só poderá aumentar com salários maiores e a instalação de um sistema de bem-estar social", diz. Como no país não existe previdência social, e a saúde e a educação públicas são pagas, muitas famílias preferem economizar para garantir uma velhice ou um tratamento de saúde dignos em vez de ir às compras.

Inflação
Para o professor Song, a desaceleração chinesa ocorre, em parte, por decisão governamental. Tentando conter a inflação e evitar uma bolha de crescimento, foram criadas restrições ao crédito, o yuan foi valorizado e incentivos para parte da indústria exportadora que é considerada poluidora e de baixo valor agregado foram cortados.
Mas a inflação, que chegou a 8,7% em fevereiro, em relação ao ano passado, caiu a 4,9% em agosto, por conta do freio no consumo.
Sinal de que talvez seja hora de relaxar no tratamento antiinflacionário, o governo chinês anunciou novos estímulos fiscais e o yuan foi desvalorizado pela primeira vez desde 2005. De lá para cá, a moeda chinesa se valorizou em 20%.
A crise nas Bolsas de Valores -o índice de Xangai caiu 58% neste ano- também foi respondida. Bem ao seu estilo, o Departamento de Propaganda do governo determinou que sejam censurados comentários negativos sobre o mercado chinês ou sobre ações de empresas estatais em portais financeiros na internet.
Ainda que esteja longe do estado recessivo de países desenvolvidos, economistas esperam um pacote de investimentos na China para estimular a confiança e compensar a desaceleração.
Segundo o economista Green, há espaço de sobra para o governo chinês. A arrecadação aumentou 30% no último ano, quando a previsão era de 14%. São esperados grandes investimentos para a reconstrução da Província de Sichuan, destruída por um terremoto em maio, e para desenvolver o centro-oeste do país. A China tem US$ 1,8 trilhão em reservas internacionais.


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