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ARTIGO
O capitalismo e a compressão de crédito
SAMUEL BRITTAN
DO "FINANCIAL TIMES"
Qual é o efeito da grande
compressão de crédito sobre os
argumentos em defesa do capitalismo competitivo? Muitos
políticos de esquerda revisionistas não só colocaram suas
carreiras em risco ao defender
as forças de mercado, mas, para
fazê-lo, tiveram de ejetar as
convicções que defenderam
por toda a vida. Será que agora
terão de se virar de cabeça para
baixo e afirmar que estavam errados? E, caso o façam, para onde poderiam se voltar?
Mesmo que no final venhamos a sofrer não mais que uma
das recessões médias do período posterior à Segunda Guerra
Mundial, persistirá a impressão de que escapamos por pouco, devido à disposição de líderes como o secretário do Tesouro norte-americano, Henry
Paulson, de não só abandonar
os princípios de mercado como
assumir riscos imprudentes
para resgatar as entidades corporativas dos Estados Unidos.
Não vai haver uma "alegre manhã da confiança" para os princípios de livre mercado, e por
um bom período.
É por motivos como esses
que recebo de maneira positiva
um livro curto e bem escrito,
"The Origin of the Financial
Crises" [A Origem das Crises
Financeiras], de George Cooper, que se esforça por correlacionar questões financeiras
aparentemente esotéricas às
teorias econômicas elementares. Ele cita Paul Samuelson,
autor do manual de economia
provavelmente mais vendido
do século 20, "Economics: An
Introductory Analysis" [Economia: uma Análise Introdutória]. O professor Samuelson
oferece um panorama introdutório simples sobre o sistema
de concorrência do livre mercado. Se surgir um dilúvio de
novas encomendas de, digamos, sapatos, o preço do produto subirá e mais pares serão
produzidos. Caso haja excesso
de chá, o preço será reduzido,
as pessoas beberão mais e os
produtores reduzirão sua oferta. "O equilíbrio entre oferta e
procura será restaurado."
A crítica de Cooper fica reservada a uma sentença que parece esquecida no final do relato de Samuelson. "Aquilo que
se aplica ao mercado de bens de
consumo se aplica igualmente
ao mercado de fatores de produção, tais como mão-de-obra,
terras e insumos de capital."
Cooper se concentra no capital,
o mercado do qual ele acredita
ser completamente diferente
do mercado de bens de consumo. Eu expressaria de maneira
ligeiramente diferente a distinção crucial: entre produtos que
têm valor em si -"valor de
uso", no jargão marxista- e
produtos cujo valor depende no
todo ou em parte de seu futuro
valor de revenda, e que ficam
portanto propensos a bolhas.
A principal alegação de Cooper é que os mercados de ativos
são especialmente vulneráveis
a ciclos de contração e expansão e que eles representam portanto a verdadeira força desestabilizadora no sistema financeiro, enquanto os bancos centrais concentram suas atenções
nos preços ao consumidor. Alguma coisa chamada "a hipótese dos mercados eficientes"
aparece e reaparece ao longo do
livro de Cooper como a cabeça
do rei Charles. Essa hipótese
terminou por florescer na forma de uma crença em que os
ativos, sempre e em toda parte,
têm seus preços corretamente
determinados.
Vou aceitar a palavra de Cooper quanto ao fato de que a hipótese dos mercados eficientes
embasa os modelos preparados
pelos cientistas financeiros que
trabalham para os bancos e
fundos de hedge. E, em forma
diluída, ela pode também embasar a relutância dos modernos bancos centrais para agir
de forma a conter bolhas nos
ativos. Isso contrasta com o ditado de William McChesney
Martin, um antigo chairman do
Federal Reserve (Fed, o banco
central dos Estados Unidos),
segundo o qual o papel do Fed
era "levar a bebida embora bem
quando a festa começa a se animar". As palavras dele eram
sem dúvida metafóricas demais
para a era que vivemos, mas é
possível que estivesse certo.
Doutrina Cooper
A mais inovadora doutrina
de Cooper é a de que os investidores não precisam ser irracionais para gerar bolhas. Eles
simplesmente não dispõem do
conhecimento requerido pela
hipótese dos mercados eficientes. Mas será que essa ignorância não representaria um obstáculo para ações oficiais quanto aos preços dos ativos, que alguns gostariam de ver suplementando e outros substituindo totalmente as metas quanto
a preços ao consumidor?
No entanto, por mais difícil
que venha a se provar, a reconsideração que deve se seguir à
compressão de crédito certamente abrirá mais espaço aos
preços dos ativos entre os objetivos dos bancos centrais, ainda
que a custo de um certo desmazelo intelectual.
Os leitores não se surpreenderão ao descobrir que Cooper
atribui as atuais dificuldades ao
rápido crescimento no crédito
encorajado pela política de dinheiro ultrabarato instituída
pelo Fed alguns anos atrás. É
interessante que um estudo
conduzido por Noureddine
Krichene para o FMI (Fundo
Monetário Internacional) argumente, de maneira convincente, que, no período entre
2003 e 2007, não houve um
choque confinado ao petróleo
ou qualquer outra commodity,
mas um aumento paralelo nos
preços de quase todas as commodities. Durante esse período, os preços ao consumidor se
mantiveram controlados, o que
gerou uma falsa sensação de segurança.
Agora chegou a hora de pagar, com aquela combinação de
inflação e recessão que representa o pesadelo dos bancos
centrais. O autor do estudo do
FMI não duvida de que estamos vendo "o efeito retardado
de uma política monetária demasiadamente expansiva, que
gerou uma vasta expansão de
todos os tipos de crédito, desconsiderando a questão da qualidade creditícia". Eu ainda me
preocupo com quais teriam sido os efeitos de uma política de
maior aperto diante dos grandes superávits da China e da
Opep (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo).
Mas pode bem ser que os Estados Unidos continuassem a ser
o consumidor mundial de último recurso mesmo sem medidas de estímulo do Fed.
Para retornar à questão mais
ampla quanto ao capitalismo
competitivo com a qual comecei, nada do que aconteceu sugere que os governos são eficientes em selecionar quem deve sair vitorioso, que o comércio internacional é ruim ou que
as escolhas dos consumidores
deveriam ser desconsideradas.
Mas é bom ter em mente o ditado de Keynes, de que "o dinheiro não administra a si mesmo".
O mesmo vale para o crédito.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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