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OPINIÃO ECONÔMICA
Não baixem a guarda!
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Em resposta ao artigo da semana passada, os leitores
acudiram em massa e me deram
uma tremenda injeção de ânimo.
Estou respondendo às mensagens
aos poucos. Continuo pensando,
porém, naquele leitor que se referiu à minha "obstinação". Ele poderia ter falado em "obsessão".
Teria sido menos gentil, porém
mais realista.
Obsessão, como se sabe, é obstinação com um toque de exagero
doentio. Esse toque não é necessariamente negativo, em especial
quando o que está em discussão é
a realidade econômica brasileira.
O exagero ajuda a vencer as forças subjetivas e objetivas da inércia. E, depois, quem disse que essa
realidade não é, em si mesma,
doentia, cronicamente doentia
até?
Dei essa pequena volta para retomar um tema que anda meio
esquecido: a taxa de câmbio. O
câmbio já foi objeto de tratamento obsessivo nesta coluna. No passado recente, entretanto, a evolução dos acontecimentos tem sido
tranqüilizadora. Tornou-se claro
que a passagem para a flutuação
cambial e a depreciação do real
desde 1999, e particularmente
desde 2002, trouxeram mais benefícios do que custos. O impacto
sobre a inflação, embora não desprezível, foi bem menor do que se
previa. E as exportações responderam bem mais do que se esperava.
Mas obsessivo é como alcoólatra: nunca fica inteiramente curado. A menor provocação pode
reacender o impulso obsessivo. A
provocação, no caso, é a nova fase
de valorização do real em relação
ao dólar. Alguém poderia perguntar: se as exportações continuam crescendo e o superávit comercial excede US$ 30 bilhões em
12 meses, por que se preocupar?
Esse é o argumento do governo.
O raciocínio parece ser o seguinte:
o superávit externo está acima do
esperado, mas a inflação também. Valeria a pena então permitir certa apreciação cambial para
ganhar alguns pontos em termos
de inflação.
Raciocínio míope. Na questão
cambial (não só no combate à inflação), é preciso olhar para a
frente e agir de forma preventiva.
Que bom seria se o Banco Central
e a Fazenda atuassem na área externa com o mesmo cuidado obsessivo que aplicam ao sistema de
metas para a inflação!
Há motivos de sobra para não
baixar a guarda na área cambial.
Menciono apenas alguns, de forma telegráfica.
1) Como o passivo externo é
muito elevado, as despesas líquidas com juros da dívida, remessas
de lucros e outras rendas do capital estrangeiro superam os US$ 20
bilhões por ano.
2) Como não há administração
adequada do perfil da dívida privada, as amortizações de principal também pesam bastante e devem alcançar mais de US$ 40 bilhões em 2004.
3) A conta de capitais do balanço de pagamentos permanece excessivamente aberta; o problema
foi agravado por decisões recentes
que facilitaram o pagamento antecipado de dívidas externas.
4) As reservas internacionais líquidas do Brasil continuam insuficientes, inferiores aos níveis registrados antes da crise cambial
de 2002.
Nessa situação, intervenções do
Banco Central no mercado de
câmbio, comprando moeda estrangeira, seriam duplamente
convenientes: reforçariam as reservas e evitariam a valorização
exagerada do real.
Mais do que isso: o Banco Central deveria calibrar suas intervenções de maneira a induzir alguma depreciação. A posição da
balança comercial não é tão tranqüila quanto parece. Refletindo a
expansão da economia e a própria valorização do real, o ritmo
de crescimento das importações
começa a ultrapassar o das exportações. O desempenho das exportações continua forte, mas se deve
em grande parte a circunstâncias
internacionais que podem não
durar (aumento dos preços de diversos produtos exportados pelo
Brasil, demanda externa aquecida, crescimento excepcional de
alguns parceiros comerciais, notadamente China e Argentina).
As exportações também podem
ser prejudicadas por restrições internas, em especial pelas notórias
deficiências de infra-estrutura
(estradas, portos, energia etc.) e o
progressivo esgotamento da capacidade ociosa nos setores mais
voltados para o mercado externo.
Mais uma razão para não descuidar do câmbio e não subordiná-lo (outra vez!) a uma política
míope de combate à inflação. A
melhor maneira de estimular o
investimento em setores que exportam e competem com importações é manter uma taxa de
câmbio competitiva e sinalizar,
de maneira clara, que o governo
não cairá novamente na tentação
de permitir apreciações oportunistas da moeda nacional.
Infelizmente, a equipe econômica parece partir do pressuposto
ingênuo de que a flutuação cambial sempre corrige automaticamente os desequilíbrios externos.
Em situações de estresse, contudo,
esse ajustamento automático tende a não funcionar. A depreciação cambial se auto-alimenta,
convertendo-se em fator de desestabilização. Recorde-se, por
exemplo, da experiência traumática de 2002!
Mesmo que a tensão não chegue
a se tornar tão aguda, um surto
de depreciação cambial pressiona
a taxa de inflação e, ao distanciá-la das metas oficiais, costuma levar o Banco Central a aumentar
a taxa de juro, com efeitos danosos sobre a produção e o emprego.
Quem nos obriga a repetir, obsessivamente, os mesmos erros?
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail -
pnbjr@attglobal.net
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