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OPINIÃO ECONÔMICA
A Alca depois das eleições nos EUA e no Brasil
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Como fica a Alca (Área de
Livre Comércio das Américas) depois das recentes eleições
nos EUA e no Brasil? Tudo indica
que pior. Um acordo só será concluído se o Brasil se conformar
com uma negociação que se revelará cada vez mais problemática
e desequilibrada.
Ao longo dos últimos anos, tentei explicar nesta coluna, em diversas ocasiões, por que a Alca era
uma iniciativa potencialmente
perigosa para o Brasil. Com o governo de George W. Bush, as perspectivas da Alca tornaram-se ainda mais sombrias. Os EUA passaram a seguir, com uma dose de
franqueza maior do que a habitual, uma concepção muito peculiar de livre comércio. Concepção
que pode ser resumida da seguinte forma: por um lado, o máximo
de abertura nos temas e setores
em que os EUA apresentam vantagens competitivas; por outro,
protecionismo, não raro sem disfarces, para os setores frágeis ou
pouco competitivos da economia
norte-americana.
Sempre foi um pouco assim.
Mas nos tempos de Bush as sutilezas e hipocrisias foram para o espaço.
Essa nova linha recebeu um claro endosso nas eleições de meio de
mandato, neste início de novembro. É claro que pesou decisivamente o prestígio conquistado pelo governo Bush na luta contra o
terrorismo. Eis aí a grande contribuição de Bin Laden e seus correligionários: conseguiram despertar e legitimar os piores instintos e
tendências dos EUA. Em retrospecto, pode-se perceber que, graças a eles, um governo que começou fraco e meio desacreditado
encontrou um ponto de apoio para se recuperar politicamente.
Mas, além do efeito Bin Laden,
questões econômicas e de comércio exterior tiveram grande influência nos resultados das eleições em vários Estados ou regiões.
Em 2001-2002, a aplicação de medidas de apoio setorial ou proteção contra a concorrência estrangeira foi cuidadosamente calibrada para reforçar o cacife político-eleitoral do presidente Bush e do
Partido Republicano. Por exemplo: as restrições às importações
de produtos siderúrgicos, a ampliação do apoio à agricultura, o
uso continuado da legislação antidumping para proteger diversos
setores e a aprovação pelo Congresso de um mandato muito restritivo para negociar acordos comerciais ("Trade Promotion Authority" de 2002).
Em outras palavras, medidas
que já vinham indicando, de forma bastante evidente, que a Alca
pouco nos poderia trazer de positivo contribuíram para a importante vitória de Bush e dos republicanos nas eleições recentes.
Ora, em time que está ganhando...
Tradicionalmente, os democratas eram vistos como mais protecionistas do que os republicanos
em matéria de comércio internacional e, em compensação, mais
flexíveis em matéria financeira
(FMI, dívida externa etc.). O governo George W. Bush, entretanto, vem sendo mais protecionista
do que o seu antecessor democrata. E não compensa essa maior rigidez comercial com flexibilização na área financeira. Ao contrário, no campo financeiro Bush
segue a tradição republicana e
tende a ser mais rígido do que
Clinton (vide tratamento dispensado pelo FMI e pelo governo dos
EUA à Argentina em 2001-2002).
É verdade que nesse terreno o
governo Bush não tem sido tão rígido quanto se chegou a temer. O
tratamento dispensado ao Brasil,
notadamente o tamanho do empréstimo previsto no nosso mais
recente acordo com o FMI, indica
que a rigidez financeira é menor
na prática do que no discurso da
administração republicana.
Para o Brasil, porém, o acordo
com o FMI é "uma faca de dois legumes", como diria Vicente Matheus. Traz, sem dúvida, um importante alívio de curto prazo para as nossas agruras financeiras.
Mas um país que depende do FMI
corre o risco de perder poder de
barganha em negociações que envolvam interesses de países desenvolvidos que controlam essa entidade. Os EUA têm, como se sabe,
muita influência no FMI. E são os
principais mentores e propulsores
da Alca. Não é preciso dizer mais
nada.
Por outro lado, há que considerar também as eleições brasileiras. Todos os candidatos à Presidência, inclusive José Serra, propuseram a retomada de um projeto nacional de desenvolvimento
e fizeram campanha sob o lema
da mudança de orientação econômica. Nas eleições de 2002, a
política econômica do governo
Fernando Henrique Cardoso foi
alvo de severas críticas e não teve
defensores convictos.
Ora, o que é a Alca senão o
aprofundamento e a consolidação, em tratado internacional, do
modelo econômico e de inserção
externa que foi aplicado no Brasil, com resultados preponderantemente desfavoráveis, desde o
início dos anos 90? Como disse
um ex-ministro brasileiro, em
conversa recente comigo, a Alca é
uma espécie de "super-Malan".
Um Malan preservado e garantido em acordo internacional com
a maior potência econômica e
militar do planeta!
Se as eleições valeram alguma
coisa, o Brasil não poderá entrar
na Alca. E, sem o Brasil, não haverá Alca.
PS: Convido os interessados no tema da Alca para uma conferência que apresentarei na próxima
quinta-feira, dia 21, às 10h, no auditório da sede do Instituto de Estudos Avançados da USP, av.
Prof. Luciano Gualberto, travessa
j 374, sala 15, Cidade Universitária.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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