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São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

As armadilhas do Orçamento

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

As limitações orçamentárias para 2004 ficam cada dia mais evidentes. As tensões envolvendo a discussão do Orçamento federal no Congresso Nacional e os problemas crescentes para a aprovação da chamada reforma tributária no Senado são apenas a ponta do iceberg das dificuldades que o governo terá no próximo ano. Não vai ser fácil administrar o Orçamento público em seu segundo ano de mandato.
O compromisso de repetir o superávit primário de 4,25% terá dimensões dramáticas sobre a ação administrativa e política do governo federal. Quem já viveu alguma experiência em Brasília conhece as armadilhas que a passagem de um compromisso macroeconômico para o campo da gestão do dia-a-dia do governo cria. O primeiro é fácil de ser calculado; o segundo é um verdadeiro inferno de ser operado.
Esse conflito entre o burocrático -a fixação do valor do superávit primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB- e o real -a gestão política e administrativa do Orçamento- será ainda maior no segundo ano do governo Lula. As promessas de campanha e as demandas pontuais de uma base parlamentar inchada e dominada pelo fisiologismo e a demagogia foram de certa forma controladas em 2003. De um lado, pela saída mágica criada pela imagem de uma tal herança maldita recebida do governo anterior; de outro, pelas promessas eleitorais empurradas para o futuro.
Um deputado, com a experiência de várias legislaturas, disse-me que o volume de cheques sem fundos emitidos pelo governo, que circulam hoje nas mãos de deputados e senadores pelos corredores do Congresso, supera os R$ 20 bilhões. São promessas de verbas para ações que deverão ser realizadas no próximo ano.
Mas em 2004 esses dois mecanismos, utilizados pelo governo para compatibilizar o saldo primário com sua ação administrativa, vão perder muito de sua funcionalidade. O governo Fernando Henrique Cardoso estará muito longe para ser usado como desculpa, e os cheques voadores terão que ser pagos.
Outro fator que vai fazer diferença são as eleições municipais. A oposição certamente vai usar as promessas não cumpridas para tentar ganhar corações e mentes dos eleitores. Tomemos, por exemplo, a política de preços da Petrobras. Nos últimos dez meses essa empresa vem praticando preços para o óleo diesel muito superiores ao que vigoram no mercado internacional. Essa política foi decidida para viabilizar o enorme lucro da empresa, requerido para cumprir com as metas fixadas para o superávit primário das estatais federais. Mas quem está pagando boa parte desse imposto não declarado são os trabalhadores, que dependem do transporte coletivo nos grandes centros urbanos. Certamente uma eficiente bandeira para enfrentar a prefeita de São Paulo nas eleições do próximo ano.
Mas a execução desse Orçamento apertado também terá repercussões importantes sobre a economia. O governo tem reduzido quase a zero os gastos previstos para a execução de investimentos em nossa infra-estrutura econômica. Recentemente, trocou gastos na recuperação da malha de estradas federais por verbas para o cambaleante programa Fome Zero. Isso aconteceu depois que não colou a história de que gastos com certos programas sociais poderiam ser incluídos nas vinculações constitucionais da saúde.
Essa troca de estradas mais eficientes -ou melhor, menos ruins- por programas de renda mínima terá certamente uma repercussão negativa sobre a competitividade de nossas exportações. O governo usou do mesmo artifício -troca de gastos em infra-estrutura por subsídios aos mais pobres- no programa que vai garantir eletrificação rural para segmentos menos favorecidos de nossa população.
Teremos em 2004 o menor nível de investimentos públicos em áreas ligadas à economia em muitas décadas. Essa decisão vai cobrar um preço importante mais à frente. Outra manobra do governo para viabilizar o superávit primário e que tem repercussões sobre nosso sistema produtivo foi o aumento da Cofins em vários setores. Ganha a indústria, mas à custa do setor de serviços e de um aumento da carga tributária sobre as importações. Por outro lado vai haver um aumento significativo no custo dos empréstimos externos.
Como vivemos hoje no Brasil a ditadura da análise macroeconômica e todos esses aspectos citados são de natureza microeconômica, pouca atenção tem sido dada a essas decisões do governo. Mas elas vão afetar, no longo prazo, nossas condições de chegar a um crescimento econômico sustentado. Disso não tenha dúvida, meu leitor!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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