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OPINIÃO ECONÔMICA
As armadilhas do Orçamento
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
As limitações orçamentárias para 2004 ficam cada
dia mais evidentes. As tensões envolvendo a discussão do Orçamento federal no Congresso Nacional e os problemas crescentes
para a aprovação da chamada
reforma tributária no Senado são
apenas a ponta do iceberg das dificuldades que o governo terá no
próximo ano. Não vai ser fácil administrar o Orçamento público
em seu segundo ano de mandato.
O compromisso de repetir o superávit primário de 4,25% terá
dimensões dramáticas sobre a
ação administrativa e política do
governo federal. Quem já viveu
alguma experiência em Brasília
conhece as armadilhas que a passagem de um compromisso macroeconômico para o campo da
gestão do dia-a-dia do governo
cria. O primeiro é fácil de ser calculado; o segundo é um verdadeiro inferno de ser operado.
Esse conflito entre o burocrático
-a fixação do valor do superávit
primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB- e o
real -a gestão política e administrativa do Orçamento- será
ainda maior no segundo ano do
governo Lula. As promessas de
campanha e as demandas pontuais de uma base parlamentar
inchada e dominada pelo fisiologismo e a demagogia foram de
certa forma controladas em 2003.
De um lado, pela saída mágica
criada pela imagem de uma tal
herança maldita recebida do governo anterior; de outro, pelas
promessas eleitorais empurradas
para o futuro.
Um deputado, com a experiência de várias legislaturas, disse-me que o volume de cheques sem
fundos emitidos pelo governo,
que circulam hoje nas mãos de
deputados e senadores pelos corredores do Congresso, supera os
R$ 20 bilhões. São promessas de
verbas para ações que deverão ser
realizadas no próximo ano.
Mas em 2004 esses dois mecanismos, utilizados pelo governo
para compatibilizar o saldo primário com sua ação administrativa, vão perder muito de sua funcionalidade. O governo Fernando
Henrique Cardoso estará muito
longe para ser usado como desculpa, e os cheques voadores terão
que ser pagos.
Outro fator que vai fazer diferença são as eleições municipais.
A oposição certamente vai usar as
promessas não cumpridas para
tentar ganhar corações e mentes
dos eleitores. Tomemos, por
exemplo, a política de preços da
Petrobras. Nos últimos dez meses
essa empresa vem praticando preços para o óleo diesel muito superiores ao que vigoram no mercado internacional. Essa política foi
decidida para viabilizar o enorme lucro da empresa, requerido
para cumprir com as metas fixadas para o superávit primário das
estatais federais. Mas quem está
pagando boa parte desse imposto
não declarado são os trabalhadores, que dependem do transporte
coletivo nos grandes centros urbanos. Certamente uma eficiente
bandeira para enfrentar a prefeita de São Paulo nas eleições do
próximo ano.
Mas a execução desse Orçamento apertado também terá repercussões importantes sobre a economia. O governo tem reduzido
quase a zero os gastos previstos
para a execução de investimentos
em nossa infra-estrutura econômica. Recentemente, trocou gastos na recuperação da malha de
estradas federais por verbas para
o cambaleante programa Fome
Zero. Isso aconteceu depois que
não colou a história de que gastos
com certos programas sociais poderiam ser incluídos nas vinculações constitucionais da saúde.
Essa troca de estradas mais eficientes -ou melhor, menos
ruins- por programas de renda
mínima terá certamente uma repercussão negativa sobre a competitividade de nossas exportações. O governo usou do mesmo
artifício -troca de gastos em infra-estrutura por subsídios aos
mais pobres- no programa que
vai garantir eletrificação rural
para segmentos menos favorecidos de nossa população.
Teremos em 2004 o menor nível
de investimentos públicos em
áreas ligadas à economia em
muitas décadas. Essa decisão vai
cobrar um preço importante mais
à frente. Outra manobra do governo para viabilizar o superávit
primário e que tem repercussões
sobre nosso sistema produtivo foi
o aumento da Cofins em vários
setores. Ganha a indústria, mas à
custa do setor de serviços e de um
aumento da carga tributária sobre as importações. Por outro lado vai haver um aumento significativo no custo dos empréstimos
externos.
Como vivemos hoje no Brasil a
ditadura da análise macroeconômica e todos esses aspectos citados são de natureza microeconômica, pouca atenção tem sido dada a essas decisões do governo.
Mas elas vão afetar, no longo prazo, nossas condições de chegar a
um crescimento econômico sustentado. Disso não tenha dúvida,
meu leitor!
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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