|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
Xadrez e economia
O grande Emanuel Lasker, campeão mundial de
xadrez do início do século passado, dizia que não há mentiras sobre um tabuleiro. Se a estratégia é errada no começo, o
jogador até pode ter a sensação provisória de que está em
boa situação, mas chega o momento em que o jogo desaba
por si.
Na economia ocorre o mesmo. Como a discussão econômica foi tomada por uma desonestidade intelectual militante, entra-se novamente no
ciclo dos factóides, de criar bolhas de expectativas em cima
de alguns indicadores sem
atentar para o todo. Ou então,
sem plano de vôo, se entra em
uma espiral suicida de atender
a demandas dos setores politicamente mais influentes, sem
atentar para o equilíbrio sistêmico da economia.
Tomem-se inicialmente os
juros. Os desonestos intelectuais de sempre só enfatizam o
superávit primário nas contas
públicas (excluídos os juros).
Tratam como grande feito.
Quando se incluem os juros,
percebe-se que nem o superávit efetivo de 5% do PIB foi suficiente para pagar metade do
serviço da dívida. É sustentável? Se não é, o que se está pensando para impedir o maremoto que se avizinha?
Para atingir esse superávit, o
Orçamento foi paralisado,
obras fundamentais para a retomada do desenvolvimento
foram adiadas, o país empobreceu fortemente com corte
nas verbas de saúde, de educação, com cortes em planos que
poderiam gerar emprego
-como o de turismo.
O que se oferece em troca?
Mais um ano com esse superávit fiscal? Mesmo que fosse
possível a dívida interna continuaria crescendo.
Aí começam a surgir pressões, e o que a área econômica
faz é ceder aos grupos mais organizados, sem nenhum plano
de vôo. A indústria automobilística e as centrais sindicais
chiam, vai uma reduçãozinha
de PIS aqui. Os grandes industriais chiam, cria-se uma nova
Cofins, que desonera as grandes indústrias e explode como
uma bomba sobre o setor de
serviços e as pequenas empresas -justamente os maiores
empregadores. As exportações
não estão com problemas agora? Mantém-se o câmbio apreciado e o futuro a Deus pertence, mesmo com a vulnerabilidade externa exigindo constante acompanhamento.
Para evitar turbulências
maiores, impôs-se uma disciplina nas opiniões dos membros do governo críticos da política econômica. De um lado,
está certo. Não se pode ter ministros atirando para todo lado. De outro, impôs-se um
pacto de mediocridade tão estridente que há esse monumento de as atas do Copom
(Comitê de Política Monetária
do Banco Central) sempre serem assinadas por consenso. É
inacreditável, típico de
"boards" sem nenhuma estatura intelectual. É evidente
que, nesse meio, existem pessoas que, individualmente, sabem das consequências temerárias de manter as taxas de
juros por tanto tempo altas.
Mas não se manifestam porque o contraditório foi abolido. E, sem o contraditório, impera a inércia.
Só que essa inércia não tem
tempo longo de vida. O governo Fernando Henrique Cardoso pôde manter oito anos de
malanismo porque recebeu o
país com uma dívida interna e
externa baixíssima. O governo
Lula não tem nem essa folga
para a inércia.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Protecionismo: Bush diz que ainda não tem decisão do aço Próximo Texto: "Espetáculo do crédito: Só 1,8% dos R$ 200 mi para eletrodoméstico é liberado Índice
|