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São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Xadrez e economia

O grande Emanuel Lasker, campeão mundial de xadrez do início do século passado, dizia que não há mentiras sobre um tabuleiro. Se a estratégia é errada no começo, o jogador até pode ter a sensação provisória de que está em boa situação, mas chega o momento em que o jogo desaba por si.
Na economia ocorre o mesmo. Como a discussão econômica foi tomada por uma desonestidade intelectual militante, entra-se novamente no ciclo dos factóides, de criar bolhas de expectativas em cima de alguns indicadores sem atentar para o todo. Ou então, sem plano de vôo, se entra em uma espiral suicida de atender a demandas dos setores politicamente mais influentes, sem atentar para o equilíbrio sistêmico da economia.
Tomem-se inicialmente os juros. Os desonestos intelectuais de sempre só enfatizam o superávit primário nas contas públicas (excluídos os juros). Tratam como grande feito. Quando se incluem os juros, percebe-se que nem o superávit efetivo de 5% do PIB foi suficiente para pagar metade do serviço da dívida. É sustentável? Se não é, o que se está pensando para impedir o maremoto que se avizinha?
Para atingir esse superávit, o Orçamento foi paralisado, obras fundamentais para a retomada do desenvolvimento foram adiadas, o país empobreceu fortemente com corte nas verbas de saúde, de educação, com cortes em planos que poderiam gerar emprego -como o de turismo.
O que se oferece em troca? Mais um ano com esse superávit fiscal? Mesmo que fosse possível a dívida interna continuaria crescendo.
Aí começam a surgir pressões, e o que a área econômica faz é ceder aos grupos mais organizados, sem nenhum plano de vôo. A indústria automobilística e as centrais sindicais chiam, vai uma reduçãozinha de PIS aqui. Os grandes industriais chiam, cria-se uma nova Cofins, que desonera as grandes indústrias e explode como uma bomba sobre o setor de serviços e as pequenas empresas -justamente os maiores empregadores. As exportações não estão com problemas agora? Mantém-se o câmbio apreciado e o futuro a Deus pertence, mesmo com a vulnerabilidade externa exigindo constante acompanhamento.
Para evitar turbulências maiores, impôs-se uma disciplina nas opiniões dos membros do governo críticos da política econômica. De um lado, está certo. Não se pode ter ministros atirando para todo lado. De outro, impôs-se um pacto de mediocridade tão estridente que há esse monumento de as atas do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) sempre serem assinadas por consenso. É inacreditável, típico de "boards" sem nenhuma estatura intelectual. É evidente que, nesse meio, existem pessoas que, individualmente, sabem das consequências temerárias de manter as taxas de juros por tanto tempo altas. Mas não se manifestam porque o contraditório foi abolido. E, sem o contraditório, impera a inércia.
Só que essa inércia não tem tempo longo de vida. O governo Fernando Henrique Cardoso pôde manter oito anos de malanismo porque recebeu o país com uma dívida interna e externa baixíssima. O governo Lula não tem nem essa folga para a inércia.

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