São Paulo, sábado, 14 de dezembro de 2002

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LUÍS NASSIF

O feito diplomático de Lula

São precipitadas as críticas contra a suposta moderação excessiva de Luiz Inácio Lula da Silva no encontro com o presidente norte-americano, George W. Bush. Pretendia-se que Lula saísse do encontro tecendo críticas contra o unilateralismo das decisões diplomáticas norte-americanas. Calma! Há o momento da cortesia e o do enfrentamento. E o enfrentamento tem que ocorrer em torno de questões objetivas, não de retórica de palanque.
A diplomacia é constituída de gestos e de posições. Por gestos, entenda-se o método diplomático, a escolha das palavras. Por atitudes, as posições em torno de problemas concretos. O que sempre importa é a solução de problemas. Assim como a guerra, a retórica é extensão da política, quando ocorre o impasse em negociações.
Acontece que, por trás de interesses de países, existem suscetibilidades pessoais de negociadores, sejam diplomatas ou presidentes da República. Quando a frente das relações pessoais está apaziguada, fortalece-se a posição negociadora no campo das decisões. Por isso mesmo, a postura do bom negociador é ser o mais civilizado possível no campo do relacionamento e o mais duro no da negociação.
A visita de Lula a Bush se constituiu em um notável feito diplomático. A diplomacia é constituída de simbologias, de sinais que ajudam a fortalecer ou enfraquecer a posição das partes nos fóruns internacionais.
Lula foi recebido na Casa Branca, conversou com Bush em seu gabinete, permaneceu mais tempo do que o previsto na agenda, e o presidente norte-americano se deixou fotografar ao seu lado na própria sala. Fez mais que isso. Reafirmou a posição brasileira de defender com unhas e dentes nossos interesses. Depois, assegurou que os acordos firmados serão cumpridos. Enfim, uma aula de diplomacia política surpreendente, em um setor no qual ninguém imaginava que, ainda mais depois de Fernando Henrique Cardoso, haveria um sucessor capaz de se firmar internacionalmente.
Imagine o que ocorreria com a visita de Lula, com sua imagem e a do Brasil se, na saída do encontro, ele desandasse a fazer críticas contra a diplomacia comercial norte-americana. Ora, as críticas devem ser feitas, sim, mas no momento e na hora adequados, quando começarem os embates comerciais para valer. Um gesto retórico no momento do encontro significaria descortesia, falta de amadurecimento, e enfraqueceria a posição brasileira na hora em que, efetivamente, precisar endurecer o jogo, na defesa de interesses concretos brasileiros.
Haverá muito a criticar no futuro governo Lula. A possibilidade de crítica é e continuará sendo o grande fator de controle dos sucessivos governos nacionais. Mas, se antes das eleições o que se temia era a falta de amadurecimento de Lula, o voluntarismo e o radicalismo do PT, não há razão para criticar o fato de Lula ter se comportado como um chefe de Estado.
O pior serviço que se poderia fazer ao país, neste momento, seria cobrar de Lula e o PT a postura que tinham enquanto oposição. Deve-se criticar o excesso de cautela, quando houver, o excesso de conservadorismo, quando ocorrer, ou as loucuras, se aparecerem. Mas não se pode criticar uma estratégia diplomática por ter prescindido de arroubos retóricos sem razão de ser, naquela hora e local.

E-mail - LNassif@uol.com.br

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