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ARTIGO
Nike luta pela liberdade de expressão
PATTI WALDMEIR
DO "FINANCIAL TIMES"
Será que as grandes empresas têm o direito constitucional de dizer inverdades? O
mundo dos negócios dos EUA está lutando por estabelecer esse direito no pior momento possível:
quando a indignação pública contra a comunidade empresarial
inspirada pelo escândalo da
Enron está em seu pico histórico.
Ao longo das últimas semanas,
a Suprema Corte dos Estados
Unidos se viu inundada por vigorosas petições apresentadas por
ampla gama de empresas norte-americanas, as quais alegam que o
tribunal deveria sustentar o direito das corporações a fazer declarações que posteriormente são
apontadas como falsas.
Nos próximos dias, os juízes se
reunirão para decidir se acatarão
ou não o caso que envolve a Nike,
popular fabricante de equipamentos esportivos. Descrito como um potencial marco no que
tange às leis de liberdade de expressão, o caso envolve os esforços da Nike para se defender contra as acusações de que controla
unidades fabris cujas práticas trabalhistas são predatórias.
Tribunal da Califórnia
A Suprema Corte do Estado da
Califórnia decidiu em maio passado um veredicto que causou
choque às empresas e à mídia
-que a Nike podia ser processada por argumentos apresentados
em defesa de suas práticas de negócios.
Sem considerar a veracidade
das alegações da Nike, o tribunal
decidiu que a empresa não tinha
liberdade de expressão, nem mesmo em uma situação de debate
público sobre a globalização e os
níveis salariais em outros países.
As declarações da Nike, decidiu
o tribunal, eram "fala comercial",
cujo objetivo é vender produtos
aos consumidor, e portanto não
estavam sob a proteção da Primeira Emenda à constituição dos
Estados Unidos (que garante a liberdade de expressão). Se a Nike
cometesse qualquer erro factual
no debate mesmo que honesto,
poderia ser severamente punida,
de acordo com a decisão.
Mas os críticos da Nike não estão sujeitos a restrições equivalentes, argumenta Walter Dellinger,
ex-procurador geral da Justiça
dos Estados Unidos e parte da poderosa equipe judicial montada
para representar a Nike.
Os críticos da empresa têm o direito constitucional de cometer
erros sem que sejam considerados judicialmente responsáveis,
contanto que suas declarações
não sejam "deliberadamente ou
irresponsavelmente falsas", diz
Stephen Barnett, da Escola Boalt
Hall de Direito na Universidade
da Califórnia.
Se a decisão for mantida, dizem
os críticos nas empresas, ela na
verdade equivaleria a amordaçar
ampla gama de companhias. De
acordo com a petição apresentada
pela Nike ao tribunal, ela se aplicaria a "expressão em qualquer
parte do mundo por qualquer
empresa que faça negócios na Califórnia".
E se aplicaria igualmente, diz
Robin Conrad, do centro judicial
da Câmara do Comércio dos Estados Unidos, a "qualquer empresa
que fale na Califórnia ou seja ouvida na Califórnia". Em um mundo de comunicação via internet,
dizem os especialistas judiciais, isso se aplicaria a qualquer empresa
que tenha um site.
Empresas importantes e companhias de mídia, do "The New
York Times" à Microsoft, protestaram contra o efeito potencialmente paralisante da decisão, que
cobre até mesmo cartas a uma publicação ou comentários feitos
para jornalistas.
"Uma empresa só poderia garantir sua segurança contra uma
indenização potencialmente devastadora se recusando terminantemente a falar", diz o professor Laurence Tribe, um estudioso
da Constituição, em petição favorável à Nike.
No momento em que o público
exige mais transparência da parte
das empresas, dizem os advogados da Nike, não faz sentido silenciar as corporações por medo.
"Sob a decisão, erros são passíveis de punição, mas erros são
inevitáveis em qualquer debate
público", disse Dellinger.
Esse é o cerne do argumento da
Nike: o de que suas declarações
eram parte de um debate quase
político sobre a globalização, e assim se qualificam para o nível
mais alto de proteção garantido
ao discurso político. O tribunal da
Califórnia, em contraste, tratou as
palavras da Nike quase como publicidade "fala comercial", que recebe proteção muito menor.
Proteção à fala
"A Suprema Corte está interessada nesses casos quanto à liberdade de expressão empresarial",
diz Robin Conrad, da Câmara de
Comércio dos Estados Unidos,
que espera fervorosamente que os
juízes acatem o caso e rejeitem a
definição do tribunal californiano. Alguns dos juízes favorecem
conceder plena proteção à fala comercial, enquanto outros prefeririam continuar a tratá-la de maneira mais restrita. As empresas
esperam que o tribunal use o caso
para esclarecer sua posição.
Os adversários da Nike no processo dizem que as empresas honestas nada têm a temer. Eles
aplaudem o que classificam como
"um novo padrão de prestação de
contas" e de transparência corporativa definido pela decisão do tribunal californiano.
A corte mesma, em sua decisão,
assumiu posição semelhante: "Isso significa apenas que um empreendimento comercial, quando
promove suas vendas e lucros por
meio de representações factuais
de seus produtos ou operações,
deve dizer a verdade", escreveu a
juíza Joyce Kennard, que redigiu a
opinião majoritária na decisão
por quatro a três.
A Suprema Corte deve decidir
em breve se revisará ou não o veredicto da instância inferior.
Tradução de Paulo Migliacci
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