UOL


São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RETOMADA EM XEQUE

Segundo analistas, próximos anos serão de crescimento desigual; crédito favorece bens de consumo

Recuperação não atingirá todos os setores

SANDRA BALBI
JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O crescimento apenas bafejou a economia neste ano e deverá seguir desigual no ano que vem. De 17 setores produtivos, apenas nove terão desempenho positivo em 2003, segundo estudo da F Silveira Consultoria. No ano passado, 12 desses setores apresentaram expansão da produção.
Para 2004, a projeção da consultoria é que o crescimento continuará se dando de forma assimétrica -13 setores deverão crescer, e quatro seguirão patinando. "A expectativa do mercado é que o setor de bens de consumo, que depende mais do crédito, puxe o crescimento da economia em 2004", diz Fábio Silveira, sócio da consultoria.
Segundo Silveira, a expansão do setor de bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, tem efeitos multiplicadores no nível de emprego e de renda da população. Isso permitirá que, gradualmente, a reação da demanda se estenda aos demais setores da economia.
Esse, entretanto, é um processo lento. Os próximos dois anos ainda poderão ser de crescimento desigual, avalia Celso Martone, consultor da MCM Consultoria e professor de economia da Universidade de São Paulo. "Por um ou dois anos anos poderemos ter assimetria, depois tende a haver um equilíbrio entre os diferentes setores -para o bem ou para o mal", diz o analista.
Segundo Martone, no longo prazo, ou a economia cresce harmonicamente, apoiada na expansão mundial, ou todos os setores voltarão a ter problemas. O que pode dar errado é o crescimento esbarrar, lá na frente, nos gargalos da infra-estrutura.
"Se os investimentos no setor de energia elétrica e transportes não acontecerem, a expansão não se sustentará", diz Martone.
A retomada de fôlego da economia brasileira, avaliam os economistas, também poderia ter como inibidor um eventual choque externo. O maior risco, nesse caso, diz respeito à vulnerabilidade das contas externas dos EUA. O déficit em transações correntes daquele país equivale a cerca de 5% do PIB (Produto Interno Bruto).
Para controlar esse déficit, o governo dos EUA poderia promover uma maior depreciação do dólar: teria efeito imediato sobre as exportações da União Européia, visto que o euro tenderia a se valorizar mais ainda em relação à moeda norte-americana.
"Existe um cenário de grande liquidez no mundo, o consumo nos EUA voltou a se recuperar, a Europa começa a resolver seus problemas fiscais e a China parece não ter arrefecido o ímpeto de crescimento. O risco são as contas americanas", diz Armando Castelar Pinheiro, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
O economista Aloisio Campelo, coordenador do Núcleo de Bancos de Dados Especiais da Fundação Getúlio Vargas, sustenta que o "governo teria que fazer muita coisa errada" para impedir o crescimento da economia no primeiro semestre de 2004. Mas não é assertivo em relação ao segundo.
"O mercado analisará nos próximos meses a questão dos marcos regulatórios de energia e telecomunicações. Se esses marcos e as PPP (Parcerias Público-Privadas) não estimularem o retorno do investimento, o segundo semestre poderá ser mais conturbado", diz Campelo.
"Não bastasse a manutenção do cenário fiscal, o governo tem ainda toda essa agenda de microrreformas para cumprir", diz a economista Luciana Sá, da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).
Para Martone, 2004 deverá repetir, em menor escala, o padrão deste ano, em que o setor exportador sustentou a economia enquanto os setores voltados para o mercado interno definhavam. "A diferença é que deverá ocorrer uma recuperação da demanda interna, mas nada brilhante", diz.

Confiança
Na equação dos economistas, a pedra de toque para dar a partida no crescimento pela via do aumento da demanda interna, é o nível de confiança do consumidor. "A expansão do consumo depende da manutenção de expectativas favoráveis quanto ao futuro para que o consumidor vá às compras. Como o consumidor brasileiro está escaldado por sucessivas crises, ele irá "de gatinhas" para o consumo", diz Silveira.
Ao longo dos últimos anos o consumidor foi abalado por várias crises de confiança, perdeu o emprego, ficou inadimplente e agora está muito mais cauteloso.
Outro fator limitante do crescimento pela via da reativação do consumo interno é o aumento da carga tributária.
"Os tributos estaduais, municipais e federais vão subir, limitando o poder de consumo", diz ele. Por isso 2004 ainda será um ano de crescimento modesto.
Mais otimista, o economista Francisco Pessoa, da LCA, afirma que "a economia quer crescer". Ele lembra que as pessoas passaram os últimos meses "limpando o nome". "Se elas tiverem alguma chance de voltar a comprar, vão fazê-lo, mas endividamento requer além de juros e crédito, uma boa dose de confiança", diz.
O problema é que, hoje, não há outra alternativa para tentar crescer que não seja pela expansão da demanda interna de bens duráveis. "É a única possível dada a necessidade de respeitar os objetivos de meta fiscal, e devido à baixa competitividade de diferentes setores da economia", diz Silveira.


Texto Anterior: Retomada em xeque: Expansão não trará emprego, diz economista
Próximo Texto: Expansão ocorre em três etapas, diz economista
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.