São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

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MEA-CULPA

Secretário-executivo diz que o governo deveria ter reduzido as tarifas quando instituiu a Cofins sobre os importados

Fazenda admite ter pressionado a inflação

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Ministério da Fazenda admitiu ontem ter adotado em 2004 medidas que pressionaram a inflação e obrigaram o BC (Banco Central) a elevar os juros.
A uma platéia de empresários, o secretário de Política Econômica da Pasta, Bernard Appy, fez o mea-culpa e disse que o governo deveria ter reduzido as tarifas de importação quando instituiu a cobrança da Cofins sobre os produtos importados.
"Faço aqui o nosso mea-culpa. Não é possível dissociar o surto inflacionário que nós tivemos em meados de 2004 até meados de 2005 dessa mudança que foi feita na legislação tributária. Isso exigiu uma reação por parte do Banco Central que tem efeitos macroeconômicos", afirmou.
Em maio do ano passado, entrou em vigor a cobrança da Cofins sobre os produtos importados. Em fevereiro, o governo havia mudado a sistemática de cobrança da contribuição, acabando com a cumulatividade -o chamado "efeito cascata".

Juros
De acordo com o secretário, quando os importados passaram a ser tributados, o governo deveria ter promovido a redução nas tarifas de importação para compensar o aumento de custo para as empresas. Como isso não foi feito, o setor produtivo acabou repassando para os preços a nova cobrança, o que pressionou a inflação. Para conter a escalada de preços, o BC endureceu a política monetária a partir de setembro do ano passado.
Somente em setembro deste ano as taxas de juros começaram a cair e estão hoje em 18,5%. O mercado espera que o Copom (Comitê de Política Monetária) do BC realize um corte de 0,5 ponto percentual na taxa hoje, na última reunião que terá neste ano.
"Com a introdução da isonomia com os produtos importados, talvez nós devêssemos ter aproveitado para compensar esse efeito através da redução da proteção tarifaria. Nós perdemos essa oportunidade. Faltou clareza no momento", disse Appy.
Mais tarde, em conversa com jornalistas, Appy esclareceu que a taxação dos importados não foi o único fator que contribuiu para o surto inflacionário, já que os preços das commodities estavam em alta na época.
Segundo ele, agora a discussão sobre reduções tarifárias está sendo feita no âmbito das negociações da OMC (Organização Mundial do Comércio). "Existe espaço para redução. Isso vai ser utilizado como instrumento de negociação", disse.
Para os empresários, Appy chegou a pedir apoio do setor produtivo à proposta da Fazenda de elevar o grau de abertura comercial do país. O comentário provocou reações na platéia, que enumerou vários problemas dos empresários brasileiros, como a elevada carga tributária, hoje superior a 36% do Produto Interno Bruto.

Ajuste fiscal
Os comentários de Appy foram feitos durante o seminário "Agenda Microeconômica: Evidências e Perspectivas", realizado pelo Banco Mundial e pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). No encontro, o secretário-executivo da Fazenda, Murilo Portugal, voltou a insistir na necessidade de o Brasil assumir um compromisso mais longo de ajuste fiscal.
O plano de esforço fiscal de longo prazo em estudo pela área econômica foi duramente criticado pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). O episódio deu início a uma grave crise e quase culminou com a saída do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) do governo. Dilma chamou a proposta de "rudimentar". Para encerrar o conflito, o presidente Lula determinou o fim do debate público sobre o tema.

Ganhos antecipados
Ontem, Portugal voltou a insistir no plano. "Nós temos de compatibilizar questões tributárias com o nosso esforço, que é permanente, de assegurar uma trajetória cadente para a dívida pública. Aqui entra a questão de melhorar a qualidade do ajuste fiscal que temos feito, assumindo compromissos de mais longo prazo, como o Ministério da Fazenda tem defendido", disse Portugal aos empresários.
O secretário-executivo reafirmou que um compromisso de longo prazo e uma maior limitação nas despesas do governo permitiriam que o Brasil antecipasse ganhos do futuro para o presente. "Essa é uma discussão para a sociedade como um todo, não apenas para o governo. Necessariamente envolve tempo e prazo."


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