São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Síndrome de Estocolmo?

Fica a impressão de que o BC prepara-se para reduzir o ritmo de redução dos juros e depois acabar com os cortes

UM LEITOR me enviou há poucos meses um e-mail em que dizia: "Quando Lula foi seqüestrado pelo BankBoston, ainda havia a desculpa da resistência inviável. O problema é que o longo cativeiro desenvolveu no nosso presidente a Síndrome de Estocolmo (apaixonou-se pelo Meirelles)".
Será mesmo? A Síndrome de Estocolmo é o estado psicológico em que o seqüestrado acaba desenvolvendo uma relação afetiva com o seqüestrador, relação que se transforma às vezes até mesmo em cumplicidade, com a vítima chegando a ajudar o seu captor a escapar da polícia ou a se defender na Justiça.
Espero que o leitor esteja equivocado, mas há indícios de que o presidente da República hesita em se livrar de Meirelles e cia. É uma lástima. Basta ler a última ata do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central), publicada na semana passada, para compreender que já passou a hora de despachar essa turma de volta para casa (ou melhor, para o sistema financeiro).
Como se sabe, a taxa básica de juro foi reduzida em apenas 0,5 ponto percentual na última reunião do Copom. Mas a ata registra que três dos oito integrantes do comitê preferiam uma diminuição menor, de 0,25 ponto percentual, tendo havido "consenso" entre os oito membros de que "diversos fatores" respaldariam essa decisão ainda mais conservadora. O Copom avisou, também, que por vários motivos, entre eles a menor distância entre a atual taxa básica de juros e a taxa de juro "que deve vigorar em equilíbrio no médio prazo", a flexibilização monetária terá de ser "conduzida com maior parcimônia" a partir de certo momento.
Ainda mais parcimônia? Fica a impressão de que o Banco Central, que já vem sendo lento demais na diminuição dos juros, agora prepara o terreno para reduzir o ritmo de corte da taxa básica para, em seguida, interromper o processo de flexibilização da política monetária. Além disso, pouco ou nada faz -diga-se de passagem- para diminuir os "spreads" bancários, a enorme diferença entre as taxas de juro que as instituições financeiras cobram e aquelas que pagam a seus depositantes. Para que incomodar os bancos, não é verdade?
O Copom se referiu cripticamente à "taxa de juro de equilíbrio". O que significa isso? Qual seria essa taxa de equilíbrio? O Banco Central não dá pistas. Mas, se tomarmos o levantamento das expectativas de mercado compilado pelo Banco Central, a projeção mediana para a taxa básica de juro é 12% no final de 2007.
Admitindo-se uma inflação esperada da ordem de 4%, a taxa real básica do Brasil ainda seria da ordem de 8% no final do ano que vem! Um nível muito elevado para padrões internacionais, uma vez que a média dos principais países desenvolvidos e emergentes tem oscilado entre 1,5% e 2,5% no período recente.
Em termos internacionais, o Brasil parece estar ficando cada vez mais para trás, especialmente quando se compara o nosso desempenho com o dos demais países emergentes. Enquanto o PIB do Brasil cresce menos do que 3%, o crescimento médio dos emergentes supera 6%. A China cresce 10%; a Índia, 9%; a Argentina, 8%; a Rússia, 7%. Até o México, único dos principais emergentes que vinha ombreando com o Brasil em termos de crescimento medíocre, aumentou o seu ritmo para quase 5%.
Não basta, evidentemente, substituir a diretoria do Banco Central. Como diz um amigo meu, os meirelles e os bevilacquas se reproduzem por cissiparidade. É grande o risco de simplesmente acabar trocando seis por meia dúzia. O fundamental é reformar as instituições monetárias, de maneira a alterar em profundidade o arcabouço em que são tomadas as decisões referentes a juros, câmbio e crédito no Brasil e torná-las mais compatíveis com o desenvolvimento da economia.
O meu espaço acabou. Volto ao assunto, talvez na semana que vem.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net


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