São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Imposto, bola, pão e circo

Última grande lei de incentivo e subsídio ao esporte deu na farra do bingo e em escândalo político. Onde está o dinheiro?

"MENS SANA in corpore sano." Se você mama, eu também mamo. Nesses dias de lobby teatral e esportivo, para não dizer operístico, por subsídios e descontos de impostos, soava assim a tradução do verso de Juvenal "[peçam aos deuses] uma mente sadia num corpo sadio" (Juvenal, o poeta latino, não confundir com Juvenil, o deputado petista). Isto é, peçam aos governos um subsídio esportivo e um subsídio cultural.
Na mesma sátira em que dizia aos romanos para não pedirem futilidades aos deuses, mas orarem por temperança de corpo e alma, Juvenal criou o mote "pão e circo". Bidu.
Quando atores ameaçaram tirar as calças se pusessem a mão nos seus bolsos, encontrou-se um subsídio que estava "sobrando", cerca de R$ 500 milhões que as empresas poderiam descontar do seu imposto caso investissem, oh, ironia, em alimentação do trabalhador e inovação tecnológica. Como não havia interessados em subsidiar comida e ciência, passaram o subsídio para a lei de incentivo ao esporte. A "cultura" ficou feliz, manteve uma de suas reservas de subsídio, a Lei Rouanet, que seria mordiscada pelo esporte.
Devido à lei de incentivo à cultura, o governo federal deixou de arrecadar R$ 677 milhões em impostos em 2005. Mais que os R$ 400 milhões que o governo federal gastou para complementar o fundo de educação de meninos pobres.
O subsídio da cultura banca algumas coisas decentes, banca burrices como o "Fantasma da Ópera" e outras diversões de ricos. De resto, as empresas que "patrocinam" a cultura fazem propaganda de si mesmas com dinheiro público. E o esporte?
Foi uma lei de incentivo ao esporte que criou a praga dos bingos. Os bingos se multiplicaram no Brasil por causa de um contrabando enfiado na Lei Zico, de 1993, reafirmado na Lei Pelé, de 1998, e sustentado por liminares e outras chicanices.
A Lei Zico permitia bingos desde que parte do dinheiro arrecadado financiasse o esporte. Jamais se soube o destino do dinheiro dos bingos, que passaram a financiar esportes como "levantamento de peso em ouro" para campanhas políticas, entre outras ginásticas.
Os 13 anos da farra do bingo derrubaram ministros, deram em duas CPIs e acabaram em Waldomiro Diniz recebendo um capilé do bingueiro Carlos Cachoeira. O caso Diniz, ressalte-se, foi a caixa de Pandora das revelações sobre o cleptopetismo e seus miquinhos amestrados do mensalão, PTB, PL e PP.
Dadas a ficha corrida de várias das federações esportivas e as exalações mefíticas dos contratos de clubes, a gente estima o que pode ocorrer com o subsídio da lei de incentivo ao esporte, em si quase indefensável.
Não há dinheiro para comprar um rádio extra para o controle de vôo de Brasília nem para gaze e analgésicos em hospital público. Mas há dinheiro para subsidiar bola e circo para ricos, para o marketing de empresas.
Para estimular mais promiscuidade entre Estado e negócios, o que já se vê com ONGs, "distorções" da cultura, lobbies empresariais etc.
Quando um atacante perdia um gol de forma canhestra, os narradores da TV Cultura dos anos 70 não contavam o final da jogada, a bola fora do perna-de-pau. Quase ironicamente, em vez de dizer "furou" ou "chutou pra fora do estádio", diziam o slogan esportivo da TV: "Esporte é Cultura". É isso aí: subsídio é bola fora, se no esporte ou na cultura.


vinit@uol.com.br

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