|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VINICIUS TORRES FREIRE
Imposto, bola, pão e circo
Última grande lei de incentivo e subsídio ao esporte deu na farra do bingo e em escândalo político. Onde está o dinheiro?
"MENS SANA in corpore sano." Se você mama, eu
também mamo. Nesses dias de lobby teatral e esportivo,
para não dizer operístico, por subsídios e descontos de impostos, soava
assim a tradução do verso de Juvenal "[peçam aos deuses] uma mente
sadia num corpo sadio" (Juvenal, o
poeta latino, não confundir com Juvenil, o deputado petista). Isto é, peçam aos governos um subsídio esportivo e um subsídio cultural.
Na mesma sátira em que dizia aos
romanos para não pedirem futilidades aos deuses, mas orarem por
temperança de corpo e alma, Juvenal criou o mote "pão e circo". Bidu.
Quando atores ameaçaram tirar
as calças se pusessem a mão nos
seus bolsos, encontrou-se um subsídio que estava "sobrando", cerca de
R$ 500 milhões que as empresas poderiam descontar do seu imposto
caso investissem, oh, ironia, em alimentação do trabalhador e inovação
tecnológica. Como não havia interessados em subsidiar comida e
ciência, passaram o subsídio para a
lei de incentivo ao esporte. A "cultura" ficou feliz, manteve uma de suas
reservas de subsídio, a Lei Rouanet,
que seria mordiscada pelo esporte.
Devido à lei de incentivo à cultura,
o governo federal deixou de arrecadar R$ 677 milhões em impostos em
2005. Mais que os R$ 400 milhões
que o governo federal gastou para
complementar o fundo de educação
de meninos pobres.
O subsídio da cultura banca algumas coisas decentes, banca burrices
como o "Fantasma da Ópera" e outras diversões de ricos. De resto, as
empresas que "patrocinam" a cultura fazem propaganda de si mesmas
com dinheiro público. E o esporte?
Foi uma lei de incentivo ao esporte que criou a praga dos bingos. Os
bingos se multiplicaram no Brasil
por causa de um contrabando enfiado na Lei Zico, de 1993, reafirmado
na Lei Pelé, de 1998, e sustentado
por liminares e outras chicanices.
A Lei Zico permitia bingos desde
que parte do dinheiro arrecadado financiasse o esporte. Jamais se soube o destino do dinheiro dos bingos,
que passaram a financiar esportes
como "levantamento de peso em
ouro" para campanhas políticas, entre outras ginásticas.
Os 13 anos da farra do bingo derrubaram ministros, deram em duas
CPIs e acabaram em Waldomiro Diniz recebendo um capilé do bingueiro Carlos Cachoeira. O caso Diniz,
ressalte-se, foi a caixa de Pandora
das revelações sobre o cleptopetismo e seus miquinhos amestrados do
mensalão, PTB, PL e PP.
Dadas a ficha corrida de várias das
federações esportivas e as exalações
mefíticas dos contratos de clubes, a
gente estima o que pode ocorrer
com o subsídio da lei de incentivo ao
esporte, em si quase indefensável.
Não há dinheiro para comprar um
rádio extra para o controle de vôo de
Brasília nem para gaze e analgésicos
em hospital público. Mas há dinheiro para subsidiar bola e circo para ricos, para o marketing de empresas.
Para estimular mais promiscuidade
entre Estado e negócios, o que já se
vê com ONGs, "distorções" da cultura, lobbies empresariais etc.
Quando um atacante perdia um
gol de forma canhestra, os narradores da TV Cultura dos anos 70 não
contavam o final da jogada, a bola fora do perna-de-pau. Quase ironicamente, em vez de dizer "furou" ou
"chutou pra fora do estádio", diziam
o slogan esportivo da TV: "Esporte é
Cultura". É isso aí: subsídio é bola
fora, se no esporte ou na cultura.
vinit@uol.com.br
Texto Anterior: Paulo Nogueira Batista Jr.: Síndrome de Estocolmo? Próximo Texto: Câmara aprova correção de 3% para o IR Índice
|