São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A luta continua

O BC não é impotente para frear a queda do dólar. O que falta é disposição de enfrentar dogmas e interesses

NA QUINTA-FEIRA passada, tentei argumentar que o governo e o Banco Central têm ou podem recuperar os instrumentos para segurar o dólar e estimular uma certa depreciação do real. Fiquei de completar a explicação hoje e estou aqui tentando cumprir a promessa.
A responsabilidade básica é do BC, pois tudo depende de uma combinação judiciosa da política de juros com compras de reservas e controles sobre o mercado cambial e os fluxos de capital. A variável crucial é a taxa de juro.
Os juros ainda são altos demais, apesar da diminuição recente. Eles podem ser reduzidos consideravelmente sem grande risco de inflação.
A economia tem margens expressivas de capacidade ociosa. Além disso, a redução favorece não só a ampliação da demanda mas também (embora com uma defasagem maior) a da oferta agregada. Em outras palavras, com a maturação dos investimentos induzidos por juros mais brandos, aumenta o potencial de produção para atender a demanda crescente.
A redução dos juros afetaria o câmbio por dois canais. Diretamente, porque a queda do diferencial de juros provocaria, de um lado, a saída de "hot money", e, de outro, desencorajaria a entrada de capitais voláteis e outras operações financeiras que estimulam a valorização do real.
Indiretamente, porque a ampliação da demanda interna resultaria em crescimento da demanda por importações de bens e serviços. Esse crescimento das importações seria bem-vindo, diferentemente daquele que viesse a ser induzido por uma liberalização comercial unilateral, que aumentaria o "market share" dos importados no mercado brasileiro e reduziria o poder de barganha do país nas negociações comerciais.
É verdade que, no passado recente, os juros brasileiros caíram gradualmente e os juros no resto do mundo aumentaram um pouco.
Apesar disso, continuou a tendência à valorização do real. Mas esse estreitamento da diferença de juros foi neutralizado pelo fortalecimento da expectativa de apreciação do real, pela queda do risco-país e pelos privilégios tributários concedidos a investidores estrangeiros em títulos públicos. Outros fatores, notadamente a persistência de uma economia mundial dinâmica e a continuação do aumento dos preços de commodities exportadas pelo Brasil, contribuíram também para manter o real sob pressão altista.
Nessas novas circunstâncias, a taxa de juro continua alta demais. Se o dólar se deprecia mais em relação ao real do que em relação à maioria das outras moedas, isso nada mais é do que outro sinal de que a política monetária brasileira está excessivamente apertada.
A diminuição dos juros traria inflação? Provavelmente, mas nada de extraordinário. A ampliação da demanda interna pressionaria os preços livres dos bens e serviços não-comercializáveis internacionalmente. A depreciação do real produziria algum aumento dos preços dos comercializáveis e dos produtos monitorados. Na verdade, parte da queda recente da inflação é artificial, pois decorre de uma valorização inconveniente da moeda brasileira. A inflação (hoje em torno de 3%) se aproximaria do centro da meta (4,5%) e poderia até ultrapassá-la, mas dificilmente romperia o teto da banda inflacionária do regime de metas (6,5%).
A validade dessas suposições depende, claro, do ritmo de queda dos juros. Em qualquer hipótese, a redução teria de ser gradual e calibrada, ainda que certamente mais rápida do que o ritmo atual do BC. Se for constatado que, a partir de certo ponto, a taxa de juro compatível com o controle da inflação não é capaz de produzir o efeito desejado em termos de depreciação cambial, cabe então acionar outros instrumentos.
A compra de reservas é um dos principais. Com a queda dos juros domésticos, o custo de carregar reservas diminui, o que permite conciliar as intervenções cambiais e o ajustamento das contas do governo e do BC. Outro tipo de instrumento é a introdução de controles sobre o mercado de câmbio e os fluxos de capital. Se bem desenhados, esses controles podem conter a especulação pró-apreciação do real e desestimular ingressos de capital volátil e outras manobras financeiras que solapem o objetivo de manter uma taxa de câmbio competitiva.
O BC não é impotente. O que falta é disposição de enfrentar dogmas e interesses. Disposição para desatrelar o país das políticas convenientes ao mercado e a uma minoria privilegiada de investidores brasileiros e estrangeiros.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).

pnbjr@attglobal.net


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