São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Dólares, cachinhos e helicópteros

Discurso do presidente do BC americano reduz incerteza nas finanças e reforça o cenário de valorização do real

MIL E UM motivos estão na mesa do debate sobre a queda do dólar e da alta do real, mas é difícil negar que Ben Bernanke azeitou ontem a rampa em que desliza a moeda americana, em especial a rampa brasileira, embora o dólar tenha ontem ficado mais barato em muitos países e moedas: euros, rands, rublos etc. etc.
Ben "Helicopter" Bernanke é o presidente do banco central dos Estados Unidos, o Fed. Falou ontem a um comitê do Senado americano, parte de sua prestação semestral de contas ao Congresso dos EUA. Reafirmou o que ele e seus banqueiros centrais haviam indicado na última decisão do Copom deles, no final de janeiro: o núcleo da inflação parece sob controle; o crescimento econômico é moderado e vai se adequando aos poucos a seu nível potencial.
E daí? No que interessa ao Brasil, tudo o mais constante, alguns dos fatores que valorizam o real devem ganhar agora mais impulso, assim como o tom das queixas de alguns exportadores, de parte da indústria e dos críticos do Banco Central.
O discurso de Bernanke reduz incertezas e volatilidades no mercado. Isto é, parece dar um sinal mais seguro do que tende a acontecer com os juros da maior economia do mundo, baliza da finança mundial.
Menos incerteza, menos inconstância na avaliação de ativos financeiros: menos risco. Ambientes aparentemente mais tranqüilos a princípio incentivam mais investimentos de risco, como aqueles em ações, títulos de dívida (juros) e moedas de países como o Brasil e de outros emergentes.
Esse horizonte não é apenas mais previsível mas também oferece oportunidades contínuas de lucro com ativos brasileiros, pois o cenário de juros americanos é agora de estabilidade-queda; no Brasil, a perspectiva é de queda lenta. Mais dólares apostados em ativos brasileiros ajudam a valorizar o real.
Ben Helicopter, enfim, ratificou o cenário "goldilocks" ("cachinhos dourados"). No conto infantil, a menininha de cachinhos dourados come o mingau que a família urso deixara amornar: nem tão frio nem tão quente. O mingau da economia americana não estaria quente a ponto de exigir mais aperto monetário nem tão frio que sugerisse cortes imediatos de juros. Mas muito analista de mercado e blogueiro de Wall Street já acredita em juro menor a partir de agosto. O PIB americano do último trimestre tem sido revisado bem para baixo depois que saíram os dados da balança comercial e do nível de estoques da indústria.
Por que "Helicopter Ben"? Em novembro de 2002, já na direção do Fed, Bernanke fez um discurso famoso no Clube dos Economistas dos EUA. Disse que o governo pode evitar deflação injetando dinheiro na economia, como se jogasse dinheiro do céu, "de um helicóptero". Citava o monetarista Milton Friedman, para quem, grosso modo, inflações e deflações decorrem de excesso ou escassez de moeda na economia.
Ganhou de seus críticos mais sarcásticos o apelido de "Helicopter Ben", pelo qual é chamado até hoje.
O suave discurso de Bernanke no Senado reavivou, entre a finança mais linha-dura, o apelido. No Brasil, e sendo menos rigorista, Ben seria chamado de "deixa a vida me levar Bernanke".


vinit@uol.com.br

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