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Pressão não incomoda BC, diz Bevilaqua
Diretor evita falar sobre futuro no banco, nega meta no câmbio e diz que instituição vai manter política de acúmulo de reservas
Alvo predileto das críticas
de petistas, ele diz que mais inflação não faz país crescer e que autonomia legal do
BC faria juros caírem mais
VALDO CRUZ
LEANDRA PERES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Alvo preferencial das críticas
de petistas de dentro e de fora
do governo Lula, o diretor de
Política Econômica do Banco
Central, Afonso Bevilaqua, diz
que isso não o incomoda.
Ele afirma que, segundo os
relatos feitos pelo chefe Henrique Meirelles à diretoria, o presidente Lula dá respaldo ao trabalho do banco. "Nós procuramos nos abstrair de quaisquer
fatores externos ao trabalho do
Copom."
Há três anos e oito meses no
banco, Bevilaqua, 47, defende a
política de juros do BC afirmando que os resultados foram
quatro anos de inflação baixa.
Elogia o PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento) e
rejeita a tese de aceitar mais inflação para crescer.
Sobre seu futuro, porém, é lacônico. "Não posso antecipar
uma conversa que ainda não
ocorreu", diz, a respeito dos rumores de sua saída do Banco
Central.
O diretor, porém, fala de projetos futuros do banco, como
manter a política de acúmulo
de reservas, hoje na casa dos
US$ 93 bilhões. Segundo ele,
ainda existe "um bom espaço"
para comprar dólares.
Bevilaqua comenta também
que a meta de inflação de 4,5%
ao ano é alta no longo prazo se o
Brasil for comparado com outras economias emergentes.
Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida por ele, ontem,
à Folha.
FOLHA - O sr. é o principal alvo das
críticas ao conservadorismo da política monetária do Banco Central. O
que acha disso?
AFONSO BEVILAQUA - A política
monetária tem de ser avaliada
por seus resultados. Fechamos
2006 com o quarto ano consecutivo de queda da inflação. Isso funciona como bem público,
traz uma série de benefícios para a sociedade.
FOLHA - No último ano, houve
uma certa calmaria às vésperas das
reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária). Desde janeiro, no
entanto, o volume das críticas subiu.
O sr. acha que a "tensão pré-Copom" voltou?
BEVILAQUA - Esse cenário não é
diferente de outras ocasiões. Às
vezes há mais, às vezes há menos atenção às decisões do Copom. Não sei exatamente quais
são as condicionantes de uma
maior ou menor atenção.
FOLHA - Isso incomoda?
BEVILAQUA - Não. De forma nenhuma nós fazemos o nosso
trabalho de uma maneira diferente em função de mais ou
menos discussão sobre o Copom. Nós procuramos nos abstrair de quaisquer fatores externos ao trabalho do Copom.
FOLHA - O senhor acha que o presidente Lula respalda o trabalho do
Banco Central?
BEVILAQUA - Essa é a informação que o presidente do BC, ministro Henrique Meirelles, dá à
diretoria.
FOLHA - O presidente Lula já expressou o desejo de que este ano a
inflação fique em 4,5% (centro da
meta) para que a economia cresça
mais, e não abaixo da meta, como
ocorreu em 2006. Isso é possível?
BEVILAQUA - É muito difícil você
estabelecer a priori que a inflação vai ficar exatamente na meta ou um pouco acima ou um
pouco abaixo do centro. A idéia
de que com mais inflação a economia crescerá mais não encontra respaldo na literatura
especializada, pelo contrário. A
manutenção da taxa de inflação
em níveis estáveis ao longo do
tempo é que proporciona o ambiente para que a economia
cresça mais.
FOLHA - O que o sr. acha da crítica
de que o baixo crescimento do PIB
em 2006 foi resultado da política
monetária?
BEVILAQUA - Há percepções distintas sobre isso. [Ante]ontem,
foi divulgada sondagem da
Fundação Getulio Vargas com
mais de mil empresas -65%
delas atribuem aos impostos o
principal fator impeditivo ao
crescimento da economia e 8%
acham que os juros são o principal fator impeditivo.
FOLHA - Muita gente atribuiu a recente oscilação na taxa de câmbio à
decisão do BC de reduzir o ritmo de
queda dos juros. Foi isso o que aconteceu?
BEVILAQUA - Os dados não respaldam essa avaliação. Primeiro, desde que o Copom tomou a
decisão, houve, na verdade,
uma redução de taxas de juros
de mercado. Segundo, após a
divulgação do comunicado do
Fed [banco central americano],
no final de janeiro, a lira turca
se apreciou mais de 1% em relação ao dólar, o euro, 0,5%, o peso colombiano, alguma coisa
como 0,7%, o peso mexicano,
algo próximo de 0,8%. É muito
difícil imaginar que todo esse
movimento de apreciação de
moedas está ligado à decisão
tomada pelo Copom.
FOLHA - Na semana passada o BC
fez forte intervenção no mercado de
câmbio. Pode-se deduzir que o câmbio confortável para o BC está em
torno de R$ 2,10?
BEVILAQUA - De forma nenhuma. Você pode deduzir daí que
o BC continua com seu programa de acumulação de reservas
anunciado em janeiro de 2004.
Temos um programa que avançou bastante e continuaremos
conduzindo esse programa.
FOLHA - As reservas já estão chegando a US$ 100 bilhões. É hora de
parar de comprar?
BEVILAQUA - Não há como estabelecer a priori um número
mágico para o nível das reservas. A forma de proceder é
olhar para outras economias
emergentes que têm classificação de risco melhor que a brasileira. Se você avaliar o nível de
reservas como proporção do
PIB, vai chegar à conclusão de
que ainda existe um bom espaço para ser utilizado. Em países
como Rússia e Coréia, as reservas como porcentagem do PIB
estão próximas a 30%. O Chile
tem 15%. No nosso caso, estamos perto de 10%.
FOLHA - A compra de reservas é feita à custa do aumento do endividamento interno, que é mais caro. Esse
custo fiscal não é muito elevado?
BEVILAQUA - A acumulação de
reservas ao longo do tempo envolve custos e benefícios. Os
benefícios estão associados
com a redução da percepção de
risco pelo fato de o país ter uma
situação melhor nos seus indicadores de sustentabilidade externa.
FOLHA - O sr. acha que o país pode
crescer 4,5% ou 5%, como previsto
no PAC sem pressão inflacionária?
BEVILAQUA - É uma coisa que
vamos ver ao longo tempo, à
medida que a economia continue acelerando a sua taxa de
crescimento. A projeção do relatório de inflação de dezembro
é que o PIB cresça 3,8% neste
ano.
FOLHA - O governo tomou a decisão de reduzir superávit primário
para estimular investimentos públicos. Essa medida, que aumenta a demanda na economia, exige uma resposta da política monetária na forma de aumento de juros?
BEVILAQUA - Para que a política
monetária possa continuar fazendo seu trabalho, é fundamental que exista a percepção
de que há sustentabilidade das
contas públicas. Não existe nenhuma dúvida de que, com o
superávit primário que temos,
a trajetória da relação dívida
ante o PIB ao longo do tempo é
de queda.
FOLHA - O sr. fala que o crescimento depende de investimentos e aumentos na produtividade. O PAC, no
entanto, está centrado nos investimentos públicos que são menos
produtivos que os privados. Nesse
sentido, o programa não vai contra
o crescimento?
BEVILAQUA - Temos nesse início
de governo uma mudança bastante importante em relação às
últimas décadas, quando sempre começava um governo com
a preocupação imediata de debelar uma crise de balanço de
pagamentos ou estabilizar uma
inflação que estava fora de controle, ou com as duas coisas.
Acho muito importante que
agora estejamos começando
um mandato presidencial com
uma preocupação focada no
crescimento.
FOLHA - O sr. não acha, porém, que
falta ao PAC o estímulo ao aumento
do investimento privado e da produtividade?
BEVILAQUA - Eu acho uma ilusão imaginar que uma série de
distorções introduzidas na economia ao longo de várias décadas possam ser resolvidas no
curto prazo.
FOLHA - Já houve discussões dentro do BC de fazer mudanças no sistema de metas de inflação. Essas
discussões avançaram?
BEVILAQUA - Economias que
migraram de um sistema de
metas de inflação baseado no
ano calendário para o sistema
de cumprimento contínuo de
metas fizeram isso no momento que existia a percepção de
que a economia já estaria num
nível de inflação de longo prazo
que seria o ideal. Eu não tenho
certeza se no nosso caso 4,5% é,
a longo prazo, a meta que vai
ser perseguida.
FOLHA - O sr. acha que 4,5% é uma
meta muito elevada?
BEVILAQUA - Se você examinar
as metas do Brasil e comparar
com outras economias emergentes que adotam sistema de
metas de inflação, 4,5% está na
parte superior da distribuição.
FOLHA - O que é média normal
nessas economias?
BEVILAQUA - Grande parte das
economias tem metas de inflação variando em torno de 3% e
4%.
FOLHA - O senhor acha que o país
ganharia se o BC tivesse uma independência formal?
BEVILAQUA - Se você olhar para
a experiência de outras economias, em geral onde tem independência formal há uma inflação mais baixa do que nos países onde não existe essa autonomia. Isso obviamente proporciona taxas de juros reais
mais baixas ao longo do tempo.
Mas isso não é uma decisão do
BC. É uma decisão do Legislativo.
FOLHA - O senhor vai deixar a diretoria do BC?
BEVILAQUA - Não existe ainda
definição em relação à presidência do Banco Central. Enquanto não existir essa definição, eu acho que não cabe nenhuma discussão sobre o segundo escalão do Banco Central.
FOLHA - Depois da decisão sobre a
permanência do presidente do BC, a
discussão sobre a sua saída caberia?
BEVILAQUA - Depois da decisão
do presidente Lula, certamente
o presidente Meirelles, se confirmado, vai conversar com a
diretoria do banco e vai definir
o programa de trabalhado dele
para os próximos quatro anos.
FOLHA - O senhor quer ficar?
BEVILAQUA - Não posso antecipar uma conversa que ainda
não ocorreu.
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