São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

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Pressão não incomoda BC, diz Bevilaqua

Diretor evita falar sobre futuro no banco, nega meta no câmbio e diz que instituição vai manter política de acúmulo de reservas

Alvo predileto das críticas de petistas, ele diz que mais inflação não faz país crescer e que autonomia legal do BC faria juros caírem mais


VALDO CRUZ
LEANDRA PERES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Alvo preferencial das críticas de petistas de dentro e de fora do governo Lula, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Afonso Bevilaqua, diz que isso não o incomoda.
Ele afirma que, segundo os relatos feitos pelo chefe Henrique Meirelles à diretoria, o presidente Lula dá respaldo ao trabalho do banco. "Nós procuramos nos abstrair de quaisquer fatores externos ao trabalho do Copom."
Há três anos e oito meses no banco, Bevilaqua, 47, defende a política de juros do BC afirmando que os resultados foram quatro anos de inflação baixa.
Elogia o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e rejeita a tese de aceitar mais inflação para crescer.
Sobre seu futuro, porém, é lacônico. "Não posso antecipar uma conversa que ainda não ocorreu", diz, a respeito dos rumores de sua saída do Banco Central.
O diretor, porém, fala de projetos futuros do banco, como manter a política de acúmulo de reservas, hoje na casa dos US$ 93 bilhões. Segundo ele, ainda existe "um bom espaço" para comprar dólares.
Bevilaqua comenta também que a meta de inflação de 4,5% ao ano é alta no longo prazo se o Brasil for comparado com outras economias emergentes. Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida por ele, ontem, à Folha.

 

FOLHA - O sr. é o principal alvo das críticas ao conservadorismo da política monetária do Banco Central. O que acha disso?
AFONSO BEVILAQUA -
A política monetária tem de ser avaliada por seus resultados. Fechamos 2006 com o quarto ano consecutivo de queda da inflação. Isso funciona como bem público, traz uma série de benefícios para a sociedade.

FOLHA - No último ano, houve uma certa calmaria às vésperas das reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária). Desde janeiro, no entanto, o volume das críticas subiu. O sr. acha que a "tensão pré-Copom" voltou?
BEVILAQUA -
Esse cenário não é diferente de outras ocasiões. Às vezes há mais, às vezes há menos atenção às decisões do Copom. Não sei exatamente quais são as condicionantes de uma maior ou menor atenção.

FOLHA - Isso incomoda?
BEVILAQUA -
Não. De forma nenhuma nós fazemos o nosso trabalho de uma maneira diferente em função de mais ou menos discussão sobre o Copom. Nós procuramos nos abstrair de quaisquer fatores externos ao trabalho do Copom.

FOLHA - O senhor acha que o presidente Lula respalda o trabalho do Banco Central?
BEVILAQUA -
Essa é a informação que o presidente do BC, ministro Henrique Meirelles, dá à diretoria.

FOLHA - O presidente Lula já expressou o desejo de que este ano a inflação fique em 4,5% (centro da meta) para que a economia cresça mais, e não abaixo da meta, como ocorreu em 2006. Isso é possível?
BEVILAQUA -
É muito difícil você estabelecer a priori que a inflação vai ficar exatamente na meta ou um pouco acima ou um pouco abaixo do centro. A idéia de que com mais inflação a economia crescerá mais não encontra respaldo na literatura especializada, pelo contrário. A manutenção da taxa de inflação em níveis estáveis ao longo do tempo é que proporciona o ambiente para que a economia cresça mais.

FOLHA - O que o sr. acha da crítica de que o baixo crescimento do PIB em 2006 foi resultado da política monetária?
BEVILAQUA -
Há percepções distintas sobre isso. [Ante]ontem, foi divulgada sondagem da Fundação Getulio Vargas com mais de mil empresas -65% delas atribuem aos impostos o principal fator impeditivo ao crescimento da economia e 8% acham que os juros são o principal fator impeditivo.

FOLHA - Muita gente atribuiu a recente oscilação na taxa de câmbio à decisão do BC de reduzir o ritmo de queda dos juros. Foi isso o que aconteceu?
BEVILAQUA -
Os dados não respaldam essa avaliação. Primeiro, desde que o Copom tomou a decisão, houve, na verdade, uma redução de taxas de juros de mercado. Segundo, após a divulgação do comunicado do Fed [banco central americano], no final de janeiro, a lira turca se apreciou mais de 1% em relação ao dólar, o euro, 0,5%, o peso colombiano, alguma coisa como 0,7%, o peso mexicano, algo próximo de 0,8%. É muito difícil imaginar que todo esse movimento de apreciação de moedas está ligado à decisão tomada pelo Copom.

FOLHA - Na semana passada o BC fez forte intervenção no mercado de câmbio. Pode-se deduzir que o câmbio confortável para o BC está em torno de R$ 2,10?
BEVILAQUA -
De forma nenhuma. Você pode deduzir daí que o BC continua com seu programa de acumulação de reservas anunciado em janeiro de 2004. Temos um programa que avançou bastante e continuaremos conduzindo esse programa.

FOLHA - As reservas já estão chegando a US$ 100 bilhões. É hora de parar de comprar?
BEVILAQUA -
Não há como estabelecer a priori um número mágico para o nível das reservas. A forma de proceder é olhar para outras economias emergentes que têm classificação de risco melhor que a brasileira. Se você avaliar o nível de reservas como proporção do PIB, vai chegar à conclusão de que ainda existe um bom espaço para ser utilizado. Em países como Rússia e Coréia, as reservas como porcentagem do PIB estão próximas a 30%. O Chile tem 15%. No nosso caso, estamos perto de 10%.

FOLHA - A compra de reservas é feita à custa do aumento do endividamento interno, que é mais caro. Esse custo fiscal não é muito elevado?
BEVILAQUA -
A acumulação de reservas ao longo do tempo envolve custos e benefícios. Os benefícios estão associados com a redução da percepção de risco pelo fato de o país ter uma situação melhor nos seus indicadores de sustentabilidade externa.

FOLHA - O sr. acha que o país pode crescer 4,5% ou 5%, como previsto no PAC sem pressão inflacionária?
BEVILAQUA -
É uma coisa que vamos ver ao longo tempo, à medida que a economia continue acelerando a sua taxa de crescimento. A projeção do relatório de inflação de dezembro é que o PIB cresça 3,8% neste ano.

FOLHA - O governo tomou a decisão de reduzir superávit primário para estimular investimentos públicos. Essa medida, que aumenta a demanda na economia, exige uma resposta da política monetária na forma de aumento de juros?
BEVILAQUA -
Para que a política monetária possa continuar fazendo seu trabalho, é fundamental que exista a percepção de que há sustentabilidade das contas públicas. Não existe nenhuma dúvida de que, com o superávit primário que temos, a trajetória da relação dívida ante o PIB ao longo do tempo é de queda.

FOLHA - O sr. fala que o crescimento depende de investimentos e aumentos na produtividade. O PAC, no entanto, está centrado nos investimentos públicos que são menos produtivos que os privados. Nesse sentido, o programa não vai contra o crescimento?
BEVILAQUA -
Temos nesse início de governo uma mudança bastante importante em relação às últimas décadas, quando sempre começava um governo com a preocupação imediata de debelar uma crise de balanço de pagamentos ou estabilizar uma inflação que estava fora de controle, ou com as duas coisas. Acho muito importante que agora estejamos começando um mandato presidencial com uma preocupação focada no crescimento.

FOLHA - O sr. não acha, porém, que falta ao PAC o estímulo ao aumento do investimento privado e da produtividade?
BEVILAQUA -
Eu acho uma ilusão imaginar que uma série de distorções introduzidas na economia ao longo de várias décadas possam ser resolvidas no curto prazo.

FOLHA - Já houve discussões dentro do BC de fazer mudanças no sistema de metas de inflação. Essas discussões avançaram?
BEVILAQUA -
Economias que migraram de um sistema de metas de inflação baseado no ano calendário para o sistema de cumprimento contínuo de metas fizeram isso no momento que existia a percepção de que a economia já estaria num nível de inflação de longo prazo que seria o ideal. Eu não tenho certeza se no nosso caso 4,5% é, a longo prazo, a meta que vai ser perseguida.

FOLHA - O sr. acha que 4,5% é uma meta muito elevada?
BEVILAQUA -
Se você examinar as metas do Brasil e comparar com outras economias emergentes que adotam sistema de metas de inflação, 4,5% está na parte superior da distribuição.

FOLHA - O que é média normal nessas economias?
BEVILAQUA -
Grande parte das economias tem metas de inflação variando em torno de 3% e 4%.

FOLHA - O senhor acha que o país ganharia se o BC tivesse uma independência formal?
BEVILAQUA -
Se você olhar para a experiência de outras economias, em geral onde tem independência formal há uma inflação mais baixa do que nos países onde não existe essa autonomia. Isso obviamente proporciona taxas de juros reais mais baixas ao longo do tempo. Mas isso não é uma decisão do BC. É uma decisão do Legislativo.

FOLHA - O senhor vai deixar a diretoria do BC?
BEVILAQUA -
Não existe ainda definição em relação à presidência do Banco Central. Enquanto não existir essa definição, eu acho que não cabe nenhuma discussão sobre o segundo escalão do Banco Central.

FOLHA - Depois da decisão sobre a permanência do presidente do BC, a discussão sobre a sua saída caberia?
BEVILAQUA -
Depois da decisão do presidente Lula, certamente o presidente Meirelles, se confirmado, vai conversar com a diretoria do banco e vai definir o programa de trabalhado dele para os próximos quatro anos.

FOLHA - O senhor quer ficar?
BEVILAQUA -
Não posso antecipar uma conversa que ainda não ocorreu.


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