São Paulo, sábado, 15 de março de 1997.

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LETRA CAPITAL
Livro tenta decifrar interesses do Japão

CELSO PINTO
do Conselho Editorial

Fernando Henrique Cardoso foi ao Japão. O primeiro-ministro japonês, Ryutaro Hashimoto, veio ao Brasil. Em junho, o imperador Akihito e a imperatriz Michiko farão uma visita inédita ao Brasil.
Várias empresas japonesas querem comprar a Vale do Rio Doce. A Honda e a Toyota têm planos de investimento. Depois de uma década de indiferença, sucedem-se missões empresariais japonesas. O Brasil lançou, com sucesso, bônus no mercado japonês.
Quem soma os fatos é levado a imaginar que Brasil e Japão devem ou podem estar às vésperas de uma nova onda de aproximação econômica. Como tudo o que se refere ao Japão, no entanto, a lógica que move ou pode mover os interesses japoneses na América Latina é difícil de decifrar.
O livro "Fragmentos sobre as Relações Nipo-Brasileiras no Pós-Guerra", do economista Paulo Yokota, que será lançado nesta semana, é uma tentativa de lançar alguma luz sobre o assunto. Ex-diretor do Banco Central e ex-presidente do Incra, há três décadas associado ao deputado Delfim Netto, Yokota tem sido um dos pivôs da relação entre os dois países.
O objetivo do livro é declaradamente modesto: recuperar algo da história das relações econômicas na ótica de personagens importantes. Alguns relatos são fortes, como o de Katsunori Yamamoto, executivo pioneiro na instalação da Ishibrás-Ishikawajima. Outros são mais previsíveis, como o do ex-ministro Shigeaki Ueki.
Kotaro Horisaka, professor da Universidade de Sophia, em Tóquio, recupera a trajetória de seu pai, Masataro Horisaka, peça-chave, como adido japonês, na primeira onda de investimentos japoneses no Brasil, iniciada nos anos 50. O Japão tinha perdido a guerra, estava reconstruindo sua economia, precisava firmar o prestígio de sua indústria emergente, especialmente de equipamentos, e encontrar abrigo para imigrantes.
O Brasil tinha matéria-prima, uma tradição de receber imigrantes japoneses desde o início do século e a ambição de construir sua própria indústria siderúrgica. Alguns empresários japoneses, formados na "Era Meiji" (a "Restauração Meiji", em 1868, abriu o Japão ao exterior), se envolveram em vários investimentos no Brasil.
Dois deles foram marcantes: a construção da Usiminas e da Ishibrás-Ishikawajima. Ambos, por razões diferentes, fracassaram, do ponto de vista dos japoneses.
Na Usiminas, os japoneses entraram por meio de uma pequena "holding" altamente alavancada em empréstimos, apostando na recuperação dos investimentos pelos dividendos distribuídos pelo projeto. Os dividendos nunca vieram, a ditadura dos acionistas majoritários existente no Brasil acabou diluindo a participação japonesa e o baque deixou sequelas.
A Ishibrás nasceu no embalo desenvolvimentista do governo JK, viveu 35 anos de crescimento e o Brasil chegou a produzir de 7% a 8% da construção naval mundial. Veio a crise dos 80, sumiram apoio financeiro e encomendas e a indústria está hoje à beira do colapso. Yamamoto diz que a Coréia, que manteve o apoio do Estado na crise, ocupou o espaço brasileiro.
No final dos anos 60 e nos anos 70 houve o grande "boom" do Japão. Era outra geração empresarial e outra estratégia: foi o momento das grandes associações com o Estado e a Vale em projetos de peso. Quando o Estado entrou em crise, novos problemas surgiram.
Os que apostam numa "terceira onda" japonesa, agora, imaginam um processo diferente, com peso maior das decisões privadas. Como adverte Yokota, contudo, o Japão não decide suas prioridades pelo sucesso recente de países ou regiões. O traço cultural da busca de alianças estratégicas de longo prazo continua presente e a tarefa de decifrá-lo continua essencial.

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