São Paulo, quarta-feira, 15 de março de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Papéis velhos

PAULO RABELLO DE CASTRO

Quanto evoluímos como organização social, econômica e política nos últimos 25 anos? Quanto aprendemos? Quanto crescemos como nação?
Um balanço de velhos recortes de jornais, muitos mesmo, ao longo das décadas de 80 e 90, mais a metade desta, me leva a um resultado algo "melancólico", como resmungava o pontífice dos profetas econômicos, Roberto Campos, em um desses amarelados clippings de um passado remexido, mas ainda atual.
Em outro desses recortes, o destacado Allan Meltzer, economista dos melhores da velha guarda, citando a obra de Hayek, lembrava o mestre austríaco ao referenciar o desenvolvimento como aceitação de mudanças, incorporação do novo sobre o arcaico, do moderno sobre o tradicional, o crescimento como ato de vontade e ousadia, enfrentamento judicioso de riscos, assunção de novos valores.
Sob essa régua de mensuração, o Brasil, de fato, não se sobressai no mosaico dos meus arquivos empoeirados. As velhas pastas, algumas meio carcomidas, ainda guardam o seminário que realizamos em Brasília, num chuvoso janeiro de 1979, conclamando o país a organizar sua agricultura segundo "uma agenda para o amanhã". De lá para cá, quase 30 anos passados, a produção de grãos do país quadruplicou. Nova fronteira foi aberta nos cerrados e na franja amazônica. Entretanto a síndrome do crédito rural estatal, subsidiado e mal-estruturado, monodependente a uma única instituição pública, permanece como craca histórica no casco da agricultura. São concepções arcaicas servindo a um gigante produtivo. O mesmo se pode dizer do câmbio, manipulado, artificial, tão distorcido em 1979 como em 2006, prejudicando a renda rural. Uma lástima.
Alguns arquivos mais à frente e estamos diante do velho Plano Cruzado. 28 de fevereiro de 1986, 20 anos exatos. A tese da estabilização indolor, triunfante sobre rabugentos economistas da "direita" de então, que apelavam ao bom senso do reequilíbrio das contas públicas não pela escalada de impostos -como rezado pela esquerda- mas pela contenção dos desperdícios das verbas do custeio público.
Palavras ao vento. O congelamento de preços e salários do Cruzado foi apenas o primeiro, de uma seqüência enlouquecida de tentativas frustradas de segurar o dragão da inflação pelo rabo.
A busca por novas idéias nessa época era tão frenética quanto inútil. Basta lembrar que, dois anos após o Cruzado, a sociedade brasileira acompanhava o Congresso, então com poderes constituintes, aprovar a Carta de 1988 -Constituição-cidadã-, de fato virtuosa no campo civil e juspolítico, mas catastrófica na proteção ao Estado gastador, à máquina pública usurpadora dos espaços privados, à incontinência nas promessas ao bem-estar ilimitado sem empenho de receita fiscal correspondente.
O resultado, estamos sentados em cima dele: o endividamento público líquido de R$ 1 trilhão, a expansão da dívida social em educação e saúde, apesar da explosão dos gastos assistenciais, a escalada tributária mais impetuosa do planeta nos últimos 20 anos (nenhum outro país escalou tanta carga tributária quanto o Brasil) e a expansão do gasto público a quase 50% da renda nacional, matando a produtividade do investimento privado e trazendo, como conseqüência trágica, a mistura de estagnação consentida com o assistencialismo arraigado, como meio de compensar as crescentes "massas pobres" suburbanizadas e banidas do emprego formal.
Não há nenhum exagero nessa descrição: o projeto esgotado do milagre econômico dos militares brasileiros dos tenentes de 22 aos coronéis de 64 jamais foi dialeticamente contrastado a qualquer outra proposição de mudanças que, no sentido de Hayek, produzisse a centelha da criatividade empresarial, da mobilização das multidões, à capitalização do seu futuro em educação, em habitação, em seguro previdenciário tangível.
O acachapante fracasso das propostas conhecidas como social-democratas e "socializantes" têm seu desaguadouro neste início de século 21, em que a economia brasileira, para manter a deflação momentânea de preços, realiza o aborto de sua produção futura, num governo que, um dia, se apresentou como de esquerda.
Meus papéis velhos trazem a mágoa do círculo vicioso, da repetição dos velhos erros, que tanto aborreciam a Campos e a alguns outros, poucos e menores que ele. Hoje, entretanto, largas camadas de opinião pública parecem despertar para a constatação dessa longa e enrustida fraude de projeto nacional que foram os últimos 25 anos. Um quarto de século para ser arquivado, como meus papéis velhos. Tomara que as eleições de 2006 possam representar um baú para enterrar erros desse passado.


Paulo Rabello de Castro, 57, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio/SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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