|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Papéis velhos
PAULO RABELLO DE CASTRO
Quanto evoluímos como
organização social, econômica e política nos últimos 25 anos?
Quanto aprendemos? Quanto crescemos como nação?
Um balanço de velhos recortes de
jornais, muitos mesmo, ao longo
das décadas de 80 e 90, mais a metade desta, me leva a um resultado
algo "melancólico", como resmungava o pontífice dos profetas econômicos, Roberto Campos, em um
desses amarelados clippings de um
passado remexido, mas ainda
atual.
Em outro desses recortes, o destacado Allan Meltzer, economista
dos melhores da velha guarda, citando a obra de Hayek, lembrava o
mestre austríaco ao referenciar o
desenvolvimento como aceitação
de mudanças, incorporação do novo sobre o arcaico, do moderno sobre o tradicional, o crescimento como ato de vontade e ousadia, enfrentamento judicioso de riscos, assunção de novos valores.
Sob essa régua de mensuração, o
Brasil, de fato, não se sobressai no
mosaico dos meus arquivos empoeirados. As velhas pastas, algumas meio carcomidas, ainda guardam o seminário que realizamos
em Brasília, num chuvoso janeiro
de 1979, conclamando o país a organizar sua agricultura segundo
"uma agenda para o amanhã". De
lá para cá, quase 30 anos passados,
a produção de grãos do país quadruplicou. Nova fronteira foi aberta nos cerrados e na franja amazônica. Entretanto a síndrome do crédito rural estatal, subsidiado e mal-estruturado, monodependente a
uma única instituição pública, permanece como craca histórica no
casco da agricultura. São concepções arcaicas servindo a um gigante produtivo. O mesmo se pode dizer do câmbio, manipulado, artificial, tão distorcido em 1979 como
em 2006, prejudicando a renda rural. Uma lástima.
Alguns arquivos mais à frente e
estamos diante do velho Plano
Cruzado. 28 de fevereiro de 1986, 20
anos exatos. A tese da estabilização
indolor, triunfante sobre rabugentos economistas da "direita" de então, que apelavam ao bom senso
do reequilíbrio das contas públicas
não pela escalada de impostos
-como rezado pela esquerda-
mas pela contenção dos desperdícios das verbas do custeio público.
Palavras ao vento. O congelamento de preços e salários do Cruzado foi apenas o primeiro, de uma
seqüência enlouquecida de tentativas frustradas de segurar o dragão
da inflação pelo rabo.
A busca por novas idéias nessa
época era tão frenética quanto inútil. Basta lembrar que, dois anos
após o Cruzado, a sociedade brasileira acompanhava o Congresso,
então com poderes constituintes,
aprovar a Carta de 1988 -Constituição-cidadã-, de fato virtuosa
no campo civil e juspolítico, mas
catastrófica na proteção ao Estado
gastador, à máquina pública usurpadora dos espaços privados, à incontinência nas promessas ao bem-estar ilimitado sem empenho de receita fiscal correspondente.
O resultado, estamos sentados
em cima dele: o endividamento público líquido de R$ 1 trilhão, a expansão da dívida social em educação e saúde, apesar da explosão dos
gastos assistenciais, a escalada tributária mais impetuosa do planeta
nos últimos 20 anos (nenhum outro país escalou tanta carga tributária quanto o Brasil) e a expansão
do gasto público a quase 50% da
renda nacional, matando a produtividade do investimento privado e
trazendo, como conseqüência trágica, a mistura de estagnação consentida com o assistencialismo arraigado, como meio de compensar
as crescentes "massas pobres" suburbanizadas e banidas do emprego formal.
Não há nenhum exagero nessa
descrição: o projeto esgotado do
milagre econômico dos militares
brasileiros dos tenentes de 22 aos
coronéis de 64 jamais foi dialeticamente contrastado a qualquer outra proposição de mudanças que,
no sentido de Hayek, produzisse a
centelha da criatividade empresarial, da mobilização das multidões,
à capitalização do seu futuro em
educação, em habitação, em seguro previdenciário tangível.
O acachapante fracasso das propostas conhecidas como social-democratas e "socializantes" têm seu
desaguadouro neste início de século 21, em que a economia brasileira, para manter a deflação momentânea de preços, realiza o
aborto de sua produção futura,
num governo que, um dia, se apresentou como de esquerda.
Meus papéis velhos trazem a mágoa do círculo vicioso, da repetição
dos velhos erros, que tanto aborreciam a Campos e a alguns outros,
poucos e menores que ele. Hoje, entretanto, largas camadas de opinião pública parecem despertar
para a constatação dessa longa e
enrustida fraude de projeto nacional que foram os últimos 25 anos.
Um quarto de século para ser arquivado, como meus papéis velhos.
Tomara que as eleições de 2006
possam representar um baú para
enterrar erros desse passado.
Paulo Rabello de Castro, 57, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a
RC Consultores, consultoria econômica,
e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio/SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Texto Anterior: Ex-gerente envolve dona da Daslu em fraude Próximo Texto: Tendências internacionais - Barril de pólvora: Congresso dos EUA pressiona petrolíferas Índice
|