São Paulo, domingo, 15 de março de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Turismo da crise: Argentina


Após depressão, país cresceu 8,4% ao ano, com ajuda do boom global e do peso fraco, mas PIB deve cair em 2009

A ARGENTINA cresceu 62% após 2003, sob o governo do casal Kirchner -deste então o Brasil cresceu 27%. Mas a oposição e porta-vozes do mercado curtem antecipadamente a "Schadenfreude" (alegria pela desgraça alheia) com a provável recessão de 2009.
De 1999 a 2002, a Argentina padeceu uma das maiores depressões econômicas dos últimos 80 anos. O PIB encolheu uns 20%. O desemprego foi a 22%. A economia só voltou ao mesmo nível de 1998 em meados de 2005. Quase sete anos de estagnação. Parte do crescimento se deu, pois, sobre terra arrasada.
O país é, ou era, um besouro econômico que voa. Tripudia sobre o mercado e a convenção macroeconômica. Deu o maior calote da história em 2001, depois que De La Rúa renunciou em meio ao tumulto nas ruas, devido a anos de recessão e governo calamitoso. No pós-colapso, o governo confiscou dinheiro do povo, rasgou contratos com múltis, reestatizou empresas e previdência, subsidia energia e transportes, controla preços e capitais, manipula o câmbio e estatísticas de inflação etc. Tem, porém, superávits fiscal e externo (mas dívida pública grande).
Mas, se não tivesse tomado várias dessas medidas, o país teria vivido um colapso extraordinário na história moderna, com horror social ainda maior. Suas instituições e seu sistema político, ainda em frangalhos, poderiam ter derivado para coisa muito mais perigosa. Mas a Argentina não aproveitou os anos bons para corrigir extravagâncias excessivas.
A Argentina não tem moeda faz décadas. Ainda hoje, pouco se confia no peso: a qualquer mínimo sinal de crise, a população corre para o dólar. O país teve hiperinflações. Depois, praticamente substituiu o peso pelo dólar, no governo do catastrófico Carlos Menem, "reformista" queridinho da finança e do mundo rico.
Parte da recuperação se deveu ao uso da capacidade produtiva deixada ociosa pela depressão, pelo peso fraco (que estimulou exportações) e pela alta das commodities (o grosso das exportações). Mas, quando o país zerou as perdas da depressão, em 2005, a inflação voltou. As exportações poderiam ter minguado não fosse o boom mundial: como os preços domésticos subiam, os produtos de exportação também encareciam, anulando parte da desvalorização nominal do peso.
As exportações em alta incrementaram a receita de impostos e amainaram a falta de crédito externo (ainda em calote, a Argentina praticamente não tem acesso a financiamento externo). Mas as commodities baixam. Em termos nominais, o peso se desvalorizou menos em relação ao dólar que as moedas dos parceiros comerciais argentinos (e a inflação aumenta a valorização real: as exportações ficam menos competitivas). Por outro lado, talvez a inflação baixe o valor real dos salários, cortando custos. Há seca, conflito com agricultores (o governo queria taxá-los mais) e escassez de investimento. O país levará um tranco.
O governo tenta desvalorizar o peso de modo controlado e criou um "PAC dos pampas". Mas teme-se que não consiga pagar dívidas, dadas a baixa da exportação e a alta menor da receita de impostos. Outro sinal de que a crise deve piorar, Cristina Kirchner adiantou para junho as eleições parlamentares de outubro.

vinit@uol.com.br


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