São Paulo, domingo, 15 de março de 2009

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Textos têm retórica forte, mas não exibem números

DO ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

Os dois textos emitidos ontem pelo G20 contêm retórica forte mas nenhum número para apoiá-la. Em vez de falar em duplicação ou triplicação dos recursos para o FMI (Fundo Monetário Internacional) financiar países em dificuldades, diz apenas que serão elevadas "muito substancialmente" as verbas à disposição do Fundo.
Em vez de mencionar os 2% do PIB (Produto Interno Bruto) de cada país que o FMI recomenda como necessário para estimular a retomada econômica, número mencionado nesta semana por Timothy Geithner, secretário norte-americano do Tesouro, fala apenas em adotar "qualquer ação que seja necessária até que o crescimento seja restaurado".
Os principais pontos dos dois comunicados são:

Retomada do crescimento
Além de mencionar "qualquer ação que seja necessária", o texto deixa claro que "a prioridade chave é restaurar os empréstimos, enfrentando, onde necessário, os problemas no sistema financeiro".
É tal a prioridade que se tornou objeto de um comunicado à parte, adicional à tradicional declaração final e até mais extenso do que esta.
Mas este segundo documento tampouco é específico. Fala no compromisso de "tomar ações decisivas, onde necessário" e em "usar todos os instrumentos disponíveis para restaurar o pleno funcionamento dos mercados financeiros, em particular para sustentar o fluxo de crédito, tanto doméstico como globalmente".
As ações mencionadas são também genéricas, parte delas já adotadas em diversos países, a saber: "prover suporte de liquidez [ao sistema financeiro], incluindo garantias governamentais para as obrigações das instituições financeiras"; "injetar capital nelas; proteger poupanças e depósitos; e fortalecer os balanços dos bancos, inclusive lidando com os "ativos tóxicos", informa o documento.
O texto descarta pacotes globais nessa área, por mais que reconheça a "interconexão do sistema financeiro global". Mas enfatiza a importância da "cooperação internacional para maximizar a efetividade dessas medidas e para rejeitar protecionismo financeiro".
Traduzindo: quer-se evitar que a ajuda a um banco de um país acabe prejudicando bancos de outros países já que as grandes instituições competem todas no mercado global.
O texto fixa como prioridade absoluta enfrentar a incerteza sobre o valor do ativos que os bancos detêm, mas, de novo, não diz como fazê-lo.

Pacotes fiscais
No capítulo de expansão fiscal (gasto do governo para estimular a economia), o G20 se compromete a fazer o esforço necessário, "na escala da necessidade de restaurar o crescimento". Pede ao FMI que avalie o impacto das ações já adotadas e das que são requeridas.
O presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, calculou ontem que todos os instrumentos já usados para enfrentar a crise representam 23% do PIB europeu e 29% do PIB norte-americano, números impressionantes por dois ângulos: sua dimensão ciclópica e o fato de que, nem assim, conseguiram controlar a crise.

Juros
O texto compromete os bancos centrais a "manter politicas expansionistas tanto tempo quanto for necessário". Ou seja, os juros baixíssimos vieram para ficar, o que de alguma forma força o BC brasileiro a continuar reduzindo os juros internos, já que Henrique Meirelles, presidente do órgão, é um dos signatários do texto.

Emergentes e pobres
O texto manifesta o compromisso de ajudar as economias emergentes e em desenvolvimento a lidar com a reversão no fluxo de capitais.
É uma alusão ao fato de que a crise provocou a concentração dos capitais nos países desenvolvidos, sede da maioria das instituições financeiras e empresas de grande peso, deixando à mingua emergentes, como os países do Leste europeu, os pobres países da África e de parte da Ásia e até o Brasil, embora menos dependente do papel de bancos estrangeiros.

Sistema financeiro
O texto afirma que o G20 está disposto a assegurar que "todas as instituições, mercados e instrumentos financeiros sistemicamente importantes" fiquem sujeitos a um "grau apropriado de regulação e supervisão". Especifica que os "hedge funds" e seus gerentes devem ser "registrados e liberar informação apropriada sobre os ativos de risco que possuam".
É claramente a adoção da posição europeia, especialmente a francesa e a alemã, que vinham insistindo na necessidade de colocar todo o chamado "sistema bancário nas sombras" sob as regras que valem para os sistema bancário normal.
Também as agências de rating ficarão sujeitas à uma nova regulação, assim como os mercados de derivativos e outros mercados de ativos.

FMI e Banco Mundial
O FMI terá seu sistema de cotas modificado, "para refletir plenamente as mudanças na economia global", ou seja, para dar mais voz e voto aos países emergentes.
A meta é concluir a reforma do Fundo até janeiro de 2011. Já a do Banco Mundial "deverá ser completada até a primavera de 2010". (CLÓVIS ROSSI)


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